Mistério Dos Sombrios Vol 1

Capítulo 29

_Ela está bem? _perguntou Balthazar aparecendo na porta do quarto de Nora e Alexia. Já era tarde da noite e sua aparência tinha melhorado consideravelmente. Já conseguia ficar em pé normalmente e sua cor havia voltado ao normal, mas ainda tinha um ar doente e febril em sua expressão cansada. Seja lá quem havia feito aquilo mais cedo, tinha conseguido seu objetivo, deixá-lo fraco.

_Sim, Andrew conseguiu bolsas de sangue para ela, ela ficará bem. _respondeu Alexia sorrindo aliviada. _As Deumus que atacaram nos pegaram de surpresa, teríamos acabado com elas se não fosse por isso.

O demônio encarou o corpo adormecido de Nora em uma das camas do quarto fazendo sua própria análise do estado da vampira enquanto tentava ignorar a culpa. Havia sido sua culpa Nora ter se machucado, ele havia ignorado o perigo que Leviatã representava, jamais deveria ter permitido que ele se aproximasse de Emily e por causa disso deixou Nora, Alexia e Kath sozinhas para serem atacadas por aqueles demônios.

Esses seres eram de uma aparência horrenda e apesar de serem demônios de níveis baixos, não tão poderosos ou importantes no inferno, eram muito perigosos. Se tratava de demônios mulheres que tinham na aparência uma incrível capacidade de assustar. Tinham quatro chifres e uma coroa no topo da cabeça, suas bocas enormes tinham geralmente apenas quatro dentes tortos, seus narizes eram retorcidos e pontudos e tinham uma característica estranha nos pés, que lembravam pés de um galo ou um animal parecido.

_Como Emily está? _questionou Alexia caminhando até ele a se pondo a sua frente.

_Bebi muito sangue dela, ela ainda está dormindo. _ contou ele. _Ela me parece melhor, mas não vou ter certeza enquanto não estiver forte o suficiente de novo. Preciso me alimentar por isso vou sair daqui a pouco com Katherine.

_Traduzindo: vai matar pessoas.

_Estou mudando com Emily, não por ela. E a morte sempre é preferível pelas minhas vítimas, uma vida sem alma é horrível e vazia, a morte é um prêmio nesses casos. _esclareceu Balthazar dando de ombros.

_Mas você não dá escolha a elas, isso não é ser benevolente, nem ser piedoso, é ser cruel. _observou a vampira.

_E quem me fala isso é a garota que faz uma vítima a cada vez que se alimenta, você nem sequer sabe se controlar e quer me dar lição de moral. _disse ele aborrecido. _Eu estou vivo a milhões de anos, criança, não tem autoridade para falar comigo assim.

_ Você sequer esconde ou disfarça o fato de que Nora é sua filha favorita. _resmungou ela de forma amarga.

_Nora é parecida comigo, ela não dá desculpa para as coisas ruins que ela faz, ela já sabe que é errado e se vai continuar fazendo não existe motivo para se justificar. Mas eu também gosto muito de você Alexia, de todos os vampiros que criei você e sua irmã são as únicas que considero minhas filhas, sempre vou proteger vocês.

_Mas está nos colocando em risco por causa de Emily... _lembrou Alexia com uma expressão temerosa. _Muitos vão morrer até que você possa chegar até Lúcifer e matá-lo vai ser ainda mais complicado.

_ Você já se apaixonou Alex, sabe o quanto é inevitável não sentir quando acontece. Não foi algo que eu pedi, simplesmente aconteceu e vou protegê-la porque não acho que se ela morresse eu conseguiria superar. _declarou o demônio desabafando. _ Eu pessoalmente matei cada uma das reencarnações de Evelyn, mas Emily é diferente, ela é especial e eu não quero que ela se vá. Eu não suportaria e a cada dia descubro que uma vida sem ela seria impossível...

_Ela é humana, vai envelhecer e morrer algum dia e eu sinto te dizer, mas você vai ter que superar isso.

_Eu posso criar vampiros, transformá-la não seria um problema para mim. _ murmurou ele como se fosse óbvio.

_Mas será um problema pra Emily, se realmente sente alguma coisa por ela vai ter que deixá-la fazer suas próprias escolhas sobre isso. E se no fim ela decidir não querer você, trate de aceitar isso e deixá-la em paz. _retorquiu a vampira. Ela ficava feliz que Balthazar enfim estivesse apaixonado por alguém apesar do problema que aquilo estava causando. Ela pessoalmente havia acompanhado tudo o que ele havia passado desde a rebelião e sua expulsão do inferno, a perda de Sophie e todo sofrimento que ele passou e era reconfortante saber que havia alguma coisa boa nele apesar de tudo.

_Você está certa, como sempre está. Emily vai ter que me escolher e se isso não acontecer vou ter que superar. _ concordou ele apesar da sua expressão não esconder o que a negativa de Emily causaria nele.

***

Emily sentia-se fraca e sonolenta quando acordou. Estava escuro no quarto apesar das cortinas da enorme janela de vidro estarem abertas. Já era noite e não se surpreendeu com aquilo, Victor havia tomado muito do seu sangue e aquilo tinha sido extremamente doloroso e a deixou tão fraca a ponto de fazê-la desmaiar. O pulso que deveria estar machucado não apresentava nenhum corte e a única coisa que evidenciava a mordida era o sangue seco que manchava sua pele.

_ Você diz que gosta de mim, que vai mudar por mim..., mas isso não está acontecendo porque você continua mentindo e escondendo coisas. Quando você vai começar a mudar de verdade? Quando vai começar a me fazer parar de odiar você? _murmurou ela de forma amarga para a figura sentada em uma poltrona perto da cama. Estava escuro o bastante para quase não dar de reconhecer de quem se tratava, mas ela sabia, sabia que era ele.

_Você não entende.

_Eu não entendo mesmo! Você nunca me explica nada. Eu estou cansada das suas meias verdades idiotas, ou você me conta tudo ou simplesmente vou continuar o odiando até que essa merda acabe.

_ Você está certa. _concordou Balthazar. _O que você quer saber?

_ Você sabia que Evelyn estava viva? Sabia que Leviatã a tinha trazido de volta? _questionou Emily com um olhar nada gentil ao encará-lo.

_Se ao menos tivesse desconfiado já a teria procurado e acabado com ela.

_Mas sabia que a maldição havia acabado, mesmo assim veio atrás de mim, por quê? _quis saber ela.

_Dois anos atrás eu vi você pela primeira vez, foi por acaso em uma das minhas visitas à Nova York, você tinha quinze anos ainda, era apenas uma menina e era tão doce e boa... Eu senti a parte de Evelyn em você e fiquei curioso, quis saber mais e te observei por dias porque queria entender a razão pela qual você existia. Não era para isso acontecer, a maldição havia sido quebrada há anos. _contou ele a encarando intensamente de maneira quase perdida. Havia uma mistura de dor e tristeza no seu olhar e era quase difícil para Emily encarar seus olhos e desviou o olhar rapidamente. Não podia e nem iria sentir pena dele. _ Vi que você era diferente de todas as outras e apesar de todo o ódio que senti por ver que Evelyn tinha voltado a me assombrar eu decidi deixar você em paz e te vigiar de longe com ajuda de alguns amigos, por isso vim para esta cidade meses depois, queria estar perto e ao mesmo tempo longe de você. Te manter a salvo de mim. Porém depois você veio de mudança para cá com seu pai, e isso parecia coincidência demais para ser o acaso. Tentei fazer você ir embora te aterrorizando, mas você ignorou meus avisos e continuou aqui bisbilhotando minha vida com aquele verme daquele garoto, então decidi te dar minha atenção. Querendo ou não eu te faria pagar por ter ficado e torturaria e mataria você como fiz com todas as reencarnações, era uma maneira de aliviar meu ódio por ela, sempre foi assim.

Vendo Emily continuar em silêncio, ele continuou:

_Mas eu não posso, não consigo... você me enfeitiçou, estou laçado a você e você me tem para fazer o que quiser comigo. Eu sou incapaz de te fazer sofrer agora e vou passar o resto da minha existência de merda lamentando o que te fiz passar. E se você não me escolher no final de tudo, eu vou sofrer, vou sofrer muito, mas eu vou te entender... Sua vida é importante para mim agora e eu farei de tudo para te manter a salvo. Suas escolhas mesmo que me excluam vão ser sempre respeitadas porque você me ganhou... e eu sou todo seu agora. _declarou ele a encarando com um olhar quase que amoroso. Era como se ele se despisse da máscara de demônio cruel e frio que ele sempre deixava transparecer em seu olhar quando a encarava.

_Eu não sei se um dia vou poder retribuir o que você sente, tudo isso é demais para mim. Você me fez sofrer, me machucou... eu não sei o que você pensa, como vai agir em seguida. _murmurou Emily. Ele podia estar de alguma forma mudando, mas aquilo não apagava o passado. Não apagava nada que ele havia feito com ela. _No entanto você arriscou sua vida por mim hoje e desistiu de trazer Sophie de volta para me proteger... eu só posso agradecer você por isso.

_ Você nunca vai entender a dor que eu sinto todos os dias pela perda da minha filha. Os sentimentos ruins como a dor são a ampliados quando somos demônios e chegam a ser insuportáveis. Não a um dia sequer em que eu não pense nela, no seu sorriso e na carinha fofa que ela fazia para mim ao acordar todas as manhãs. Eu jamais perdoarei Evelyn pelo que ela fez. Mas eu não posso mudar o passado e não vou matar a alma de um bebê para trazê-la de volta.

_Eu sinto muito por Sophie, eu nem imagino o que você deve ter passado. _disse ela olhando de relance para o quadro da filha de dele na parede do quarto.

O demônio não disse nada, apenas a encarou enquanto se levantava da poltrona e ia até uma mesinha no fundo do quarto que era uma espécie de minibar e se servia do que Emily imaginou ser whisky.

_ Você não acredita no que eu sinto por você, não é? _perguntou ele de repente. _ Você sequer tem coragem de olhar nos meus olhos enquanto eu me declaro.

_O que você esperava depois de tudo o que você me fez? Esperava que eu dissesse que estou perdidamente apaixonada por você apesar de tudo e nos amassemos nessa cama até amanhecer como um bom casal apaixonado? Me desculpa, mas não da. _sibilou ela deixando lágrimas descerem pelo seu rosto. Ela simplesmente não podia fingir que tudo que ele fez de mal não existia, não seria ela se o fizesse. _Eu confesso que eu sinto algo além de ódio por você, mas não posso me entregar a isso... Você é o que é e nada no mundo vai mudar esse fato. Você é um demônio Victor, ou Balthazar, ou seja, lá como você se chama. Você mata pessoas inocentes para se alimentar. Você tortura as pessoas e gosta disso...  não sente remorso algum por suas ações e eu não posso ficar com alguém assim. Não posso.

_Eu entendo Emily..., mas você acha que com o tempo talvez...

_Acho que se você tentar vai acabar me fazendo se apaixonar por você, mas eu não quero que você tente. Por favor não faça isso... não me faça gostar de você. _implorou Emily com uma expressão chorosa no rosto pálido. _Se você sente qualquer coisa por mim como diz sentir, só me deixa em paz quando tudo acabar. Essa é a maior prova dos seus sentimentos por mim que você poderá me dar.

Dizendo isso Emily se levantou da cama e sem olhar para trás caminhou rumo ao banheiro do quarto, se apoiando na parede para não cair ao sentir tonta por causa do movimento. Apesar de tudo ainda se sentia fraca.

_Espere. _pediu ele a fazendo parar de caminhar já na porta do banheiro e voltar seu olhar para encará-lo.

_O que? _questionou ela.

_Tem mais uma coisa que não contei a você e quero reparar. _disse ele. _Eu não só ameacei Arthur, eu apaguei parte de suas memorias sobre você. Não só dele, mas de todos seus amigos. Eu posso reverter isso...

_Eu não quero que você faça nada. _retrucou Emily amargamente se sentindo ainda mais decepcionada. Apesar de tudo tomara a decisão certa ao rejeitá-lo a pouco. A verdade é que ele não havia mudado e ali estava a prova. Outra mentira. _O que é amor para você, Balthazar? E o que você acha que sente por mim é isso?

_Eu...

_ Você não sabe responder porque não sabe o que é amor, e se não sabe o que é também não sente nada por mim. _observou ela com os olhos brilhando pelas lágrimas que tentava segurar. _Só volta a falar comigo quando você souber me responder isso. Porque amor não mente, não engana e nem manipula nada como você fez. Quando você souber o que é amor você vai saber isso. _disse antes de se entrar no banheiro e fechar a porta atrás de si com força, o deixando sozinho no quarto.