Capítulo 54

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_Como vim parar na Rússia em tão pouco tempo? _questionou Emily em certo momento durante o jantar. Não havia sequer tocado na comida a sua frente e nem pretendia fazê-lo.

_Demônios tem maneiras de se locomover, podemos aparecer em diferentes lugares com um simples estralar de dedos. Não foi difícil para Leviatã te trazer para mim. _respondeu o demônio sentado na cadeira na ponta da enorme mesa de jantar. _Balthazar não pode sentir onde você está, existem proteções que tornam esse lugar impossível de ser localizado. Ele está no escuro.

_Ele não vai desistir de acabar com você só porque você me sequestrou. _apontou a garota escondendo sorrateiramente um garfo em sua mão por debaixo da mesa.

_Talvez. _disse ele indiferente, não parecia ter notado o que ela havia feito, mas todo cuidado era pouco, afinal, ele era um demônio, perceber os pequenos detalhes estava em sua natureza._Meu irmão lhe contou sobre nossa hierarquia de poder no inferno?

_Sei que você está no comando e logo abaixo os príncipes do inferno. _murmurou ela dando de ombros, o que ele queria com aquele assunto? _E então o restante dos demônios maiores, meio-demônios e vampiros, renegados e os outros seres infernais logo abaixo.

_Vejo que meu irmão a ensinou bem. Ele também lhe disse que antes de sua expulsão do inferno ele era o príncipe do inferno mais poderoso, o número dois no comando, meu homem de confiança, meu irmão preferido e meu melhor amigo?

_No entanto você não pensou duas vezes antes de lhe virar as costas. _lembrou a garota amargamente. _Ele não estava tentando usurpar seu trono naquela época.

_No entanto agora ele está, e por você. _disse ele inexpressivo.

Emily não respondeu. Nas últimas duas semanas ela e Balthazar haviam tido todo tipo de conversa sobre assuntos que envolviam Lúcifer e seu passado, e apesar de não ter sido muito explicativo, sabia que no passado a ligação entre ele e seu irmão havia sido importante para ele. Mas o demônio a sua frente estava errado ao dizer que sua decisão de ir contra Lúcifer era motivada por Emily, no fundo apesar de saber que era importante, tudo ia muito além disso.

_Ainda é dia lá fora, devem ser quase dez horas a mais que nos Estados Unidos, então por que estamos jantando? _questionou Emily franzindo o cenho para o demônio sentado na cadeira na ponta da mesa.

_Queria que você se sentisse em casa. Que se sentisse acolhida ...

_ Você só pode estar brincando. _disse ela rindo de maneira sarcástica. _Acha mesmo que posso me sentir em casa perto de você? Eu não sei que espécie de jogo você acha que está jogando, mas saiba que não farei parte disso! Se pensa que vai me convencer a ver seu ponto de vista sobre isso e acreditar em você está muito enganado, eu já tenho minha própria opinião sobre tudo então me seduzir antes de me torturar não dará certo.

Lúcifer ficou em silêncio por vários minutos a analisando, sequer piscava e seus olhos pareceram brilhar maldosos quando deixou um sorriso escapar. Parecia o jeito dele de irritá-la, e estava funcionando.

_Se deseja tanto que eu a torture eu talvez o faça em breve, mas devo alertá-la que você não é a única aqui, Nora também está em algum lugar nessa mansão e pode ter certeza de que terei prazer em machucá-la só para fazer você entender de quem é o controle aqui Emily.  _murmurou ele de maneira lenta, parecendo sentir prazer ao vê-la empalidecer. _Venha aqui. _chamou entendendo uma das mãos em sua direção indicando que ela fosse até ele.

Apesar de contrariada Emily se levantou, tendo o cuidado de esconder a mão onde estava o garfo atrás das costas enquanto se aproximava de onde ele estava, ainda sentado. Atrás dele ouviu um dos cães infernais rosnar levemente, o que a fez lembrar que mesmo se o machucasse de nada adiantaria, ele logo a alcançaria e seus cachorros a fariam em pedacinhos em instantes.

_Todos olham para você e veem alguém frágil e incapaz de se impor a quem quer que seja. Fraca, pouco importante. Eu vejo força e coragem, apesar de odiar ver você usar isso contra mim.Eu admiro quem tem coragem de me enfrentar dessa maneira, mas são poucos os que fazem isso e permanecem vivos para contar. _comentou o demônio se levantando e quebrando a pouca distância que os separava, ficando a menos de um passo dela e a encarando de maneira desafiadora nos olhos. _Mas você também é muito burra humana, achei que ficar tanto tempo próxima ao meu irmão tivesse te tornado um pouco mais inteligente, achou mesmo que eu não perceberia?

_ Não sei do que você está falando. _disseEmily recuando dois passos para trás assustada, mas sendo puxada de volta por ele, que a puxou pelo pulso com agressividade.

Emily gritou ao sentir uma dor intensa no pulso, deixando o garfo escondido nas costas cair no chão, respirando de maneira ofegante, surpresa e assustada ao ver que ele sabia.

_Eu até agora te tratei com todas as gentilezas e cordialidades que uma convidada merece, mas já que você prefere que a machuquem então eu o farei! _exclamou Lúcifer parecendo furioso, a empurrando com agressividade contra o assoalho de madeira que rangeu em protesto.

Ele se abaixou próximo onde ela havia caído e Emily viu com horror o talher de prata que poucos segundos antes ela pensara em usar contra ele em uma de suas mãos.

_ Não por favor... _suplicou ela ao perceber o que ele faria, se arrastando para trás amedrontada.

Rindo secamente ele a segurou onde ela estava pelo pescoço, a obrigando a permanecer no mesmo lugar e usando o garfo em suas mãos para machucá-la. Emily se debateu e gritou de dor ao sentir o objeto ser enfiado em seu ombro e o sentiu soltá-la bruscamente logo depois.
Respirando fundo enquanto gritava de dor deitada no chão ela o viu se erguer e se afastar. Os cães que antes estavam deitados ao redor da mesa de jantar se aproximaram dela incentivados pelo cheiro de sangue que escorria da ferida causada pelo garfo de prata e ela sentiu toda a cor de seu rosto de esvair ao ver os animais rosnarem furiosos ao irem até ela.

_ Não. _ouviu a voz grave e firme do demônio dizer ainda distante dela, o que fez os animais recuarem, mas ainda próximos como se pressentissem que a qualquer momento o dono poderia dar a ordem para que acabassem com ela. _Evelyn, venha aqui. _chamou ele, e de uma porta no fundo da sala a figura alta e inexpressiva da meio-demônio parecida com Emily apareceu e caminhou em sua direção.

Apesar da expressão não dizer muito sobre o que ela estava sentindo, Emily podia ver que no fundo de seu olhar havia medo. Ela tinha tanto medo de Lúcifer quanto Emily e isso era fácil de ser visto.

_Milorde. _murmurou a meio-demônio baixinho, em um tom que ia de respeito a adoração. Mesmo sentindo uma dor intensa no ombro, onde sangue ainda escorria sem parar depois de tirar o garfo, Emily teve que conter a vontade de soltar um comentário impertinente.

"Fingida" _pensou Emily. "Ela odiava Lúcifer tanto quanto odiava Emily e havia tentado usurpá-lo de seu trono com Asmodeus no passado, só estava ao seu lado agora por causa do maldito pacto de Leviatã com ele que a trouxe de volta".

"Como podia ser tão dissimulada! Será que Lúcifer não vê seu fingimento?"

"Talvez ele veja e não se importe" _respondeu sua consciência. Mas Emily sentiu sua visão escurecer e não pôde ouvir mais nada.


***

Horas depois Emily abriu os olhos se sentindo confusa e desorientada. O lado esquerdo do seu ombro ainda estava molhado por causa do sangue apesar do sangramento já ter parado e sentiu que estava deitada em uma cama macia. Olhou ao redor e viu paredes brancas, o cômodo parecia um quarto, mas não havia nada além da cama onde ela estava a não ser uma poltrona de onde a figura silenciosa e de olhar frio de Lúcifer estava sentada e a encarava intensamente e uma pequena mesinha.

_Olá querida. _ murmurou ele deixando um sorriso cruel e doentio escapar, não fez qualquer gesto que indicasse que iria se levantar. _ Você reconhece isto? _perguntou o demônio apontando para o conteúdo de um pequeno prato em cima da mesa próxima de onde estava. _É de Nora, não é?

Emily engoliu em seco enojada ao perceber do que se tratava, era uma orelha ensanguentada e pelo brinco de rubi preso nela ela sabia que ele não estava mentindo, era de Nora.

_Eu achei que fosse. _ comentou ele maldosamente.

_Por quê? _questionou a garota sentindo vontade de vomitar.

_Porque você me deixou irritado, porque eu quis e por último e não menos importante: para te punir. Para que você veja do que eu sou capaz. Você entende Emily? Isso foi por você, por sua causa.

Em um gesto de desespero Emily se levantou, ignorando a forte dor no ombro e correu rumo a porta, sendo interceptada pelo demônio que a puxou pelo braço a impedindo.

_Eu te odeio! Te odeio! Seu doente! _gritou ela desvencilhando seu braço do seu aperto firme e avançando contra ele furiosa. Tentou socá-lo com o punho fechado, mas ele voltou a segurá-la, se levantando e usando uma das mãos para segurar o rosto dela para que o encarasse nos olhos.

Quando seus olhos se encontraram Emily sentiu-se menos irritada e aos poucos sentiu ele aproximar o rosto do dela. Não sabia o que ele estava fazendo, mas não conseguia parar de encará-lo. E em um pequeno momento de loucura quis que ele a beijasse.

_O que meu irmão diria se eu ousasse beijá-la agora? _questionou o demônio em um sussurro contra seu ouvido. _E o que você diria Emily?

_Eu não me importaria... _respondeu ela em resposta. Não sabia por que, mas a resposta afirmativa havia vindo de forma involuntária. Era como se não pudesse ter controle sobre sua própria mente, como se ele a estivesse controlando...

"Era isso" _pensou ela se dando conta daquilo. "Ele a estava manipulando, entrando em sua mente e a fazendo se sentir atraída por ele"

Em um pequeno momento de lucidez deu três passos para trás assustada pela reação estranha a ele e o viu rir enquanto cruzava os braços sobre o peito.

_Viu como é fácil controlar você para que faça o que eu quiser? Eu poderia beijá-la sem ter que forçar você, e até mesmo te convencer a me dar sua virgindade facilmente para fazê-la pagar. Eu posso o que eu quiser, e acho bom você saber jogar esse jogo muito bem para que eu não me canse dessa brincadeira e acabe com ele. Se minha insistente decisão de não matar você acabar é fim de jogo para você Emily, saiba disso. _declarou ele friamente, lhe dando as costas e se afastando.

Emily ouviu a porta bater quando ele saiu do quarto e deixou-se cair sentada na cama ao ouvir o barulho das trancas quando ele trancou a porta por fora. Aquilo não seria nada demais para um demônio ou para um vampiro, mas ela era humana e era impossível sair dali sem ajuda.

Mistério Dos Sombrios Vol 1Where stories live. Discover now