Capítulo 56

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Emily ouviu a porta do quarto se abrir e ficou em alerta. Havia passado grande parte do dia tentando achar algum modo de sair daquele quarto, mas não havia janelas ou qualquer outra maneira de sair dali a não ser a porta, que esteve sempre trancada. Então finalmente cansada e fraca pela falta de sangue ela se permitiu deitar-se na cama e dormir. Acordando minutos depois e encarando o teto do quarto escuro pela falta de iluminação de forma infeliz e desanimada.  E agora alguém estava entrando no cômodo.
Não se virou para saber quem havia entrado no quarto naquele momento, permanecendo deitada de costas para a porta em silêncio pensando em Balthazar e imaginando se ele estaria bem. Lúcifer havia dito que muitos outros demônios haviam se juntado a Balthazar então tinham mais chance do que eles acreditaram antes.

_Vamos, ele quer vê-la. _resmungou a voz irritada de Evelyn a puxando com agressividade pelo braço para fazê-la se levantar.

Gemendo de dor ao sentir uma intensa fisgada de dor no ombro Emily se forçou a se levantar e caminhar para fora do quarto na direção que a meio-demônio indicava. Passaram por um enorme corredor e ela não deixou de notar a decoração antiga, com pinturas em vários locais no alto das paredes e pequenas mesinhas com arranjos de flores em vasos, em um deles da flor estranha que muitas vezes havia visto na mansão onde Balthazar vivia com a família.

Se aproximaram de uma porta entreaberta e Evelyn fez um gesto indicando que ela entrasse ali, mas antes que pudesse fazê-lo ouviu vozes alteradas vindas do aposento.

_ Você não fará nada?! Fomos dizimados! Lilith estava o ajudando e juntos acabaram com a maior parte dos demônios que mandamos, e os que ainda estavam em pé se juntaram a ele no final. _ouviu uma voz que não conhecia gritar furiosa. Era uma voz feminina desconhecida e parecia estar falando sobre uma batalha perdida. Uma chama de esperança pareceu acender dentro de Emily e ela quase deixou um leve sorriso escapar ao imaginar se ela se referia a luta entre o exército de Balthazar contra os demônios mandados por Lúcifer.  _Balthazar ganhou, você não está vendo? Quanto tempo você acha que vai demorar para ele descobrir onde estamos e acabar com o resto de nós!

_Ele não será capaz de me matar, quando chegar a hora ele vai hesitar. _disse uma voz masculina que Emily reconheceu como sendo a de Lúcifer. Ele parecia convicto do que dizia e Emily prometeu para si mesma que se Balthazar hesitasse ela mesma o faria.

_ Você não demonstrou conhecer Balthazar tanto assim quando expulsou ele do inferno tempos atrás. Se passaram 1500 anos, vocês tomaram caminhos diferentes e ele não é o mesmo. _lembrou a mulher asperamente. O que fez Emily imaginar quem era ela e porque Lúcifer a deixava falar com ele daquela maneira.  _Se eu fosse você não confiaria tanto assim no amor que ele sente por você, olha o que ele está sendo capaz de fazer por essa garota. Você deveria usá-la como seu trunfo para fazê-lo recuar, mas você está incrivelmente encantado por ela ao invés disso.

_"Se eu fosse você?" _repetiu ele rindo de maneira sombria. _Eu mando aqui Celine, eu! _gritou. _E acho bom você abaixar a voz quando falar comigo. Eu permito sua impertinência porque a considero muito, mas não teste minha paciência! Balthazar é um problema que eu mesmo resolverei. Deixe-o chegar aqui e então veja eu matá-lo com seus próprios olhos na frente dos traidores que se aliaram a ele, eles mudarão de lado rapidamente em seguida.

_Eu não acho que essa seja uma boa opção. Porque não usa a humana, o ameace, pelo que ouvi ele tem fortes sentimentos por ela, talvez cedesse. _murmurou a demônio nada convencida do plano do outro demônio.

_Se não está satisfeita então junte-se ao meu irmão. Eu farei do meu jeito. Quando ele enfim descobrir onde estamos estaremos preparados e se ele não recuar por conta própria até lá, não hesitarei em acabar com ele eu mesmo. Porque eu sei que eu não vou hesitar.

Aproveitando o silêncio que se sucedeu, Emily terminou de abrir a porta entreaberta e entrou, encontrando um nada surpreso Lúcifer sentado atrás de uma mesa em um cômodo que lembrava um escritório. A sua frente uma mulher morena o encarava com uma expressão que beirava a insatisfação e raiva, de braços cruzados acima do peito. Ela olhou Emily com um olhar de pura repulsa e se afastou como se houvesse na garota na espécie de doença contagiosa nojenta, batendo a porta com força atrás de si ao sair.

_ Não fique tão feliz anjinho, meu irmão não ganhou todas, eu ainda estou vivo, afinal. Minha maldita esposa e Balthazar pagarão pelo que fizeram, eu sou mais forte e poderoso do que eles imaginam. _ouviu a voz grave e séria de Lúcifer murmurar. _É uma questão de tempo. E não fique feliz por essa pequena vitória, você está sob meu poder e mesmo se ele descobrir meu esconderijo, você já estará morta quando ele chegar aqui.

_Então por que ainda estou respirando? _retorquiu Emily não contendo a reposta impertinente involuntária que saiu de sua boca sem que pudesse controlar.

O demônio a sua frente já a havia feito pagar por causa de seus insistentes atos de coragem ao enfrentá-lo, para se proteger ela deveria permanecer calada, mas não dava, aquilo não era algo que fazia parte de sua natureza. Vê-lo dizer aquele tipo de coisa e permanecer em silêncio era impossível.

_Porque eu vejo mais do que meu irmão vê em você. Eu vejo um potencial que ninguém enxerga, você não é só uma garotinha boazinha Emily, existe maldade aí dentro pedindo para sair, eu gostaria de ver essa parte em você em ação. _respondeu ele se levantando e dando a volta na mesa, se colocando ao seu lado e a encarando sem piscar. _ Você é determinada, põe fé no que realmente acredita, muito parecida comigo quando eu era mais jovem e acreditava que o certo e o errado eram muito diferentes. Mas eles não são. O que é certo para mim talvez não seja certo para você, mas não quer dizer que está errado. Tudo na vida é uma questão de perspectiva, só porque a minha não está de acordo com as que você foi criada acreditando não quer dizer que sou um monstro. Eu queria ser livre, não poderoso como muitos acreditam, mas livre das amarras de meu pai. Deus não é quem você acredita que ele seja. O poder e controle sobre todas as coisas vivas e o modo como ele permite que vocês humanos se destruam sem interferir só prova isso. Ele é um tirano, ele não é muito diferente de mim quanto a isso. Pergunte a qualquer demônio se eles se arrependem de deixar o céu, todos lhe darão a mesma resposta.

_Sua visão deve estar muito deturbada se acha que de algum jeito eu e você somos iguais, porque nós não somos. Eu não me satisfaço com o sofrimento de ninguém e muito menos sou indiferente a ele. Olhe para todas as coisas que você já fez! E você sequer se arrepende delas! Como pode tentar me fazer ver coisas boas em suas ações?! _disse ela rindo secamente. _Para mim você continua sendo um monstro, não importa as justificativas que use.

_ Não estou me justificando, estou apenas lhe narrando fatos. Eu não odeio os humanos Emily, mas não nego que eles me despertam uma raiva que não cabe em mim. Sua fraqueza e o modo como muitos de vocês acreditam que Deus está por toda parte cuidando e protegendo vocês. Ele não se importa na verdade, ele só assiste sem fazer nada. Porque para ele tudo será um aprendizado, mas não vai ser, no final a grande maioria das pessoas escolherá a mim.

_Mas é isso que ele quer, você não vê? Que tenha sido escolha delas, que tenha sido de coração ir até ele. As pessoas não escolhem você, apenas se deixam sentimentos ruins se sobreporem. Você não é escolha de ninguém, é apenas consequência.

_Belas palavras ditas por alguém que é íntima de um demônio que já matou milhões de pessoas. _retrucou ele de forma amarga. _Se bem que não tão íntima assim, não é Emily? Não é tão difícil ver o quanto você ainda emana a castidade dos puros e dóceis seres humanos contidos e bonzinhos. Foi por que você não quis ou meu irmão virou um celibatário? Ele não costumava se conter com seus casos. Ou vai ver você não seja tudo o que aparenta.

Emily ficou parada ao vê-lo se por as suas costas, sentiu sua respiração em seu pescoço e conteve a vontade de mandá-lo se afastar ao sentir uma das mãos dele descer suavemente por sua cintura. Como se estivesse apreciando o modo como o vestido preto colado moldava seu corpo. Seu olhar fixou-se em um objeto afiado que lembrava uma espécie de adaga, mas muito pequena, em cima da mesa e imaginou-se usando-o para machucá-lo de diferentes maneiras. Mas de nada adiantaria atacá-lo, ele sempre sabia e além do mas era mil vezes mais forte e poderoso.  Precisava usar seu aparente interesse por ela ao seu favor, se é se existia mesmo algum interesse. Ele ainda não havia demonstrado querer matá-la, apesar de estar claro que o faria em algum momento. A havia machucado depois que ela roubou um talher da mesa de jantar para usar contra ele, mas não a torturado ou a machucado a ponto de fazê-la temê-lo. O que ela sentia por ele ainda era ódio, e no fundo sentia que nada que ele fizesse mudaria aquilo, nem mesmo se ele usasse seus poderes como havia feito mais cedo naquele dia quando ela ficara tentada a beijá-lo.

_ Você não é tão sem graça e pouco apreciável quanto imaginei que fosse... na verdade, até que é adorável. É uma pena que as coisas tenham que acabar de um jeito ruim para você. _admitiu o demônio puxando levemente o cabelo de Emily para trás e apoiando o queixo do lado esquerdo de seu ombro. _Venha comigo Emily. _sussurrou Lúcifer se afastando quase que bruscamente logo depois e caminhando rumo a porta do escritório.

_Para onde vai me levar? _perguntou a garota.

_Quero te mostrar uma coisa, e então depois você me dirá se Balthazar ainda é tudo o que você quer. _disse ele apontando para a porta aberta, indicando que ela fosse na frente.

_ Não importa o que você diga ou me mostre, minha opinião sobre Balthazar não irá mudar. _disse ela de maneira determinada, sem vacilar enquanto o encarava.

_Veremos. _retrucou ele sorrindo de maneira doentia. _veremos.


Mistério Dos Sombrios Vol 1Where stories live. Discover now