Capítulo 43

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Balthazar encarou a mulher mais velha a sua frente de maneira amarga. Não a odiava, mas a verdade era que não confiava o bastante nela para serem considerados amigos. Bruxas eram aliadas declaradas do seu irmão e era difícil encontrar alguma delas que não despertasse nele uma amarga e profunda desconfiança. Elas podiam ser tão bem manipuladoras como os demônios e eram realmente perigosas, até mesmo para ele apesar de não serem capazes de atingi-lo.

_Você acha que se trata de algum trabalho feito por suas irmãs? _questionou ele incomodado com o olhar dela sobre ele. Ela sequer piscava e havia ficado quase dez minutos sem dizer uma palavra depois de seu relato sobre o que havia acontecido com Emily duas noites antes.

Era quarta-feira à noite e o tempo do lado de fora da lanchonete onde estavam estava fechado, com pingos grossos de chuva caindo sem parar, como um prenúncio de algo ruim. Estava em Catarine Hill, a cidade vizinha a Greendale com Selena Winter, a bruxa de quase setenta anos que conhecia a um bom tempo e com quem tinha negócios inacabados, o que significava que ela lhe devia favores, muitos favores, e estava na hora de cobrar.

_Pode ser, mas não terei certeza até ver a garota. Boa parte de nós está ao lado do seu irmão, você sabe, é bem provável. _respondeu a mulher. _Pelo que você me descreveu pode ter sido, mas não havia sangue ou marcas nela o que é estranho...

_Existe algo que eu possa fazer para impedi-lo de voltar a machucá-la?

_Ele é o diabo, o que você acha? _retrucou a bruxa com escárnio, como se a resposta para aquela pergunta fosse óbvia. _Você o conhece melhor do que todo mundo, ele mesmo pode ter feito isso, existem armas e poderes que ele escondeu até mesmo de você. Alguém como ele não confia em ninguém além de si mesmo.  A pergunta é: por que ele ainda não a matou? E como pretende usar essa vantagem?

_Ele quer vê-la sofrer, me torturar usando o sofrimento dela para isso. Me fazer recuar quanto a enfrentá-lo. _murmurou o demônio apertando o copo de vidro com cerveja em suas mãos com tanta força que o sentiu se partir entre seus dedos, fazendo algumas pessoas sentadas em mesas próximas o encararam chocados. Sua expressão era mais que assustadora e a vontade de descontar sua raiva em alguém era quase insuportável.

Ficava feliz por Emily não estar ali para ver seu descontrole, não seria nada bom perder a razão perto dela justamente agora que tentava convencê-la que ele não representava nenhum risco para sua segurança e que só queria protegê-la. Ela estava na casa onde morava com o pai em Greendale e Katherine e Nora estavam com ela. Aquela hora, quase meia-noite, ela provavelmente estava dormindo, o que o fazia suspirar aliviado, apesar de temer que algo como o que havia acontecido no domingo pela manhã no Jardim da mansão voltasse acontecer sem ele estar por perto para curá-la.

_Você sabe que só vai poder continuar usando seus poderes para curá-la de algum ferimento causado através disso quando ele enfim decidir causar um ferimento fatal nela, não sabe?

_Eu sei. _respondeu Balthazar amargamente. _A vida de Emily está nas mãos dele agora, o que me torna vulnerável ao seu querer. Se ele me ameaçar usando essa vantagem contra mim eu cederei.

_Você já parou para pensar que talvez ele queira guerra... por qual motivo ele ainda não acabou com Emily.

_Você não o conhece. Ele não a quer morta, sua mente psicopata não permitiria isso. Machuca-la e provar para mim que eu não tenho chances contra ele lhe dá prazer. Ele quer que lutemos, lutemos até a morte para que ele possa provar para mim que eu estava errado. _disse o demônio com a expressão se tornando uma máscara de frieza.

_Então o que você fará? _perguntou Selena.

_Eu farei de tudo para que quando eu finalmente tiver a chance de chegar perto o suficiente dele eu possa lhe dar seu fim merecido. Nem que eu morra por causa disso eu o farei pagar, não só por Emily, mas também por ter trazido minha maldita esposa dos mortos. _lhe assegurou ele com a voz sombria, baixo o suficiente para que somente a bruxa o escutasse.

_Empunhar uma espada com poder angelical suficiente para matá-lo com certeza matará você também, então não se preocupe com isso. Sua morte provavelmente já está selada. _apontou a mulher respirando fundo bufando. _Mas é bom saber que você está disposto a isso. O céu não vai interferir no que vai acontecer, para eles não importa quem governe o inferno. Desde que haja equilíbrio entre as trevas e a luz, o resto não importa.

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos e então a bruxa pareceu se lembrar de algo e disse:

_A espada que você tem em sua casa muito bem guardada que você me mostrou anos atrás, ela tem poder angelical de um arcanjo, de Miguel para ser mais exata. Como você a conseguiu? Miguel o odeia, de nenhuma forma ele te ajudaria, nem mesmo para matar seu inimigo mais declarado, Lúcifer. _questionou ela parecendo muito interessada na resposta que ele lhe daria.

_Lúcifer tem os segredos dele para essa guerra, e eu tenho os meus. _respondeu Balthazar de forma enigmática. _E sinceramente, não confio nem um pouco em você.  Sua natureza te faz inclinar a ajudar meu irmão, não fornecerei nenhuma informação que você possa usar contra mim.

_Você sabe que eu nunca apoiaria Lúcifer, e que estou devendo coisas para você por ter me ajudado no passado. E de qualquer forma não precisa me dizer, eu não me importo. Só trate de enfiar aquela maldita espada bem fundo no coração de seu irmão por mim, isso já me deixaria muito feliz. _retrucou a bruxa estendendo sua mão para o demônio em um gesto de amizade.

_Eu tentarei. _afirmou ele apertando a mão estendida da mulher.

Se levantando Balthazar acenou levemente para ela e se afastou, abrindo um guarda-chuva para se proteger da chuva e saindo da lanchonete. Caminhou até seu carro, estacionado ali perto na frente de uma livraria e entrando ainda pensativo suspirou, a verdade é que estava cansado. Selena não podia ajudar Emily e talvez nenhuma bruxa poderia porque estava mais uma vez nas mãos de seu irmão. Mas o diabo não era o único a ter segredos e armas secretas para garantir sua vitória, não era mesmo.

Irritado com sua falta de opção saiu do carro batendo a porta com força e estava tão irritado que nem se deu ao trabalho de voltar para pegar o guarda-chuva.  Seguiu caminhando, tentando ignorar a chuva forte que o molhava dos pés a cabeça e parou alguns minutos depois em frente a uma fábrica abandonada, hesitando um último minuto. Não queria ter que usar aquilo contra Lúcifer, mas ele não o havia deixado escolhas.
O local estava bastante escuro e a única iluminação vinha do fundo do local, fraca e quase não perceptível.

_Você está bem acomodada? _perguntou ele para a figura escondida pelas sombras presa por correntes grossas que mantinham seus pulsos presos e estendidos para cima, em uma armação presa ao teto, que emitia luz levemente, o que evidenciava o poder angelical usado para impedir sua fuga.

_Tio por favor... _ouviu a voz feminina implorar, com lágrimas nos olhos e uma expressão de dor no rosto.

Houvera um tempo antes, quase dois mil anos atrás que ele sentiria pena da garota. Mas não agora, não porque sabia que a voz doce chorosa e a expressão de desespero para que ele ficasse compadecido e a libertasse eram falsas. Ela era como o pai dela, tão má quanto ele e o odiava.

Vendo que ele não havia se comovido com sua súplica, ele viu a expressão dela se tornar sombria, deixando os olhos negros aparecerem e o encarando furiosa. Se debatendo e gritando de dor ao sentir as correntes queimarem sua pele. Ela era filha do inferno, se continuasse a única coisa que conseguiria eram machucados permanentes causados pelo poder angelical nas correntes que a prendiam.

_Ele vai te matar por isso! Vai acabar com você! Você mexeu com a pessoa errada! _gritou a garota deixando a expressão digna de pena de lado e mostrando sua verdadeira face. Balthazar sorriu, Nahemah era tão óbvia.

_Vamos ver se ele se importa tanto assim com você. _disse Balthazar se aproximando e se pondo a sua frente. _Ou talvez você tenha a informação que eu tanto quero. Como faço para reverter o que ele fez com Emily? Como faço isso parar?

_Eu não sei. _retrucou a demônio o encarando de maneira doentia. _E mesmo se soubesse jamais lhe diria. Você acha realmente que qualquer coisa que você fizer vai ser pior do que o que ele faria se eu lhe contasse? Você é patético. _zombou ela.

_Eu posso ser bem persuasivo. _lhe assegurou ele tirando uma adaga do bolso da calça e a aproximando do pescoço da sobrinha. A pele onde a adaga tocou pareceu queimar e pela expressão no rosto dela ele pôde ver que ela usou todo seu autocontrole para não gritar de dor. Também havia poder angelical na adaga e apesar do olhar de Balthazar ser indiferente, a arma também queimava sua mão apesar de ser quase imperceptivelmente.

Mistério Dos Sombrios Vol 1Where stories live. Discover now