Café Coruja

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Tem alguma coisa diferente no ar quando descemos a rua. Estamos de mãos dadas, mas não de um jeito romântico, nada disso. O rosto de Luz não sai da minha mente, e chego à conclusão de que não conheço a garota que está andando do meu lado. Não a conheço mesmo.

Luz me leva a um café na cidade, chamado Café Coruja. Fica perto de um rio. É cheio de decorações de corujas espalhadas por todos os lados, além de uma assustadora na porta. Quando entramos, Luz cumprimenta a dona com um aceno com a cabeça. Somos as únicas pessoas ali, e nos sentamos a uma mesa com uma toalha de mesa xadrezinha e um vaso de flores perto de uma janela. Luz bebe chá. Eu como um croissant.

Morrendo de vontade de conversar, ainda que não saiba o porquê, começo com "Por que você mudou de colégio?".

A cara que ela faz na mesma hora me mostra que não fiz a pergunta de um jeito casual como pretendia.

Eu me encolho.

- Ah, desculpa. Desculpa. Que enxerida! Não precisa responder.

Durante vários momentos, ela continua bebendo o chá. Em seguida, pousa a xícara na mesa e olha para as flores entre nós.

- Não, tudo bem. Não é muito importante.

Ela ri sozinha, como se estivesse me lembrando de uma coisa.

- Eu... hum... não me dei muito bem com as pessoas de lá. Nem com os professores, nem com os alunos... Pensei que mudar um pouco de ambiente poderia me fazer bem. Pensei que talvez eu me desse melhor em outra escola ou algo idiota assim.

Ela dá de ombros e ri, mas não está achando graça, é uma risada diferente.

- Mas não. Obviamente, minha personalidade é fantástica demais.

Não sei por que, mas começo a me sentir bem triste. Não é minha tristeza normal de sempre, sabe, aquele drama desnecessário e dó de mim mesma, mas, sim, uma tristeza que é meio projetada para fora.

Permanecemos em silêncio por vários outros instantes. Eu como. Ela bebe.

- O que vai fazer depois do ano que vem? - pergunto. É meio como se eu a estivesse entrevistando, mas, pela primeira vez, sinto algo esquisito. Como um interesse. - Faculdade?

Ela mexe na xícara em postura distraída.

- Não. Sim. Não, não sei. Como posso me decidir sobre o que estudar na faculdade? Na maior parte do tempo, no colégio, não sou capaz nem de decidir qual caneta usar. - ela ergue as sobrancelhas - Sabe, o colégio não pode obrigar você a fazer nada.

A verdade da frase dela me acerta como se fosse um tapa na cara.

- Mas... por que não se candidata a algumas faculdades, de qualquer modo? Para o caso de decidir querer ir?

- Porque odeio estudar! - isso sai bem alto. Ela começa a balançar a cabeça. - Pensar em ter que me sentar em uma cadeira por três anos e aprender coisas que não vão me ajudar na vida literalmente me enoja. Sempre fui péssima na escola e sempre serei, e odeio que todo mundo pense que é preciso fazer faculdade para se ter uma vida decente!

Fico parada, embasbacada.

Não dizemos nada por cerca de um minuto, até que ela olha nos meus olhos.

- Eu provavelmente só vou fazer esportes - diz ela, calma de novo, com um sorriso tímido.

- Isso. O que você faz?

- Oi?

- Qual esporte você pratica?

- Sou uma patinadora de velocidade.

Uma vida (quase) solitária Where stories live. Discover now