Para variar

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Ficar sentada ao lado dos gêmeos numa manhã de quarta-feira me acalma.

Está muito, muito ensolarado hoje. Encontramos Viney do lado de fora da Glandus. Ela dá um beijo rápido em Emira, e as duas começam a conversar por alguns minutos. Rindo. Felizes. Eu e Ed ficamos observando do nosso canto. Elas soltam as mãos e se separam. Em acena para Ed e eles entram na escola. Viney vem em minha direção e subimos a rua até a Hexside em um silêncio confortável. É uma distância de três quarteirões.

Estou meio que me sentindo bem porque Luz e eu estamos bem. Não sei por que exagerei tanto aquele dia. Não, mentira. Eu sei por quê. É porque eu sou uma idiota.

O sr.Hermonculus, nosso professor de matemática, decide que precisamos formar pares com pessoas com quem não nos sentamos. E é assim que acabo me sentando ao lado de Hunter na aula de matemática do primeiro horário. Trocamos cumprimentos e ficamos em silêncio enquanto o professor começa a explicar a matéria. Hunter não tem estojo. Ele tem uma caneta e uma régua pequena que leva no bolso da camisa. Também se esqueceu de levar o livro. Tenho a sensação de que pode ter sido de propósito.

No meio da aula, Hermonculus sai para tirar cópias de algumas folhas e passa um tempo fora. Para minha surpresa, Hunter decide que precisa conversar comigo.

— Ei — diz ele. — Como está o Edric?

Viro a cabeça devagar para a esquerda. Surpreendentemente, ele parece mesmo preocupado.

— Hum... — Verdade? Mentira? — Nada mal.

Hunter assente.

— Sim. Certo.

— Edric disse que vocês eram amigos, ou coisa assim.

Ele arregala os olhos.

— Hum, sim. Acho que sim. Mas sabe como é. Tipo, pois é. Todo mundo conhece o Edric. Sabe?

Sim. Todo mundo conhece. Ninguém fica longe do colégio por três meses sem que todo mundo descubra o motivo.

— Sei.

O silêncio entre nós volta. Os outros alunos estão conversando e já está quase no fim da aula. Tomara que Hermonculus tenha sido comido pela fotocopiadora.

De repente, eu me vejo falando. Falando primeiro. Isso é bem raro.

— Todo mundo adora os gêmeos na Glandus — digo. — Não adora?

Hunter começa a bater a caneta na mesa. Um sorriso estranhamente nervoso aparece no rosto dele.

— Bom, eu não diria todo mundo. — ele engole em seco. Fecho a cara para Hunter, que logo diz: — Não, quero dizer, ninguém pode ser amado por todos, não é?

Pigarreio.

— Acho que não.

— Não os conheço mais, na verdade — diz ele.

— Sim, entendo.

Normalmente, pessoas como Edric e Emira, pessoas boas, falantes e engraçadas, que têm opiniões, usam roupas diferentes, abrem sorrisões e abraçam apertado, nunca são esquecidas. As pessoas boas podem ser vulneráveis porque não sabem ser más. Não sabem como se colocar no alto. E não seria de se pensar que pessoas como eles estariam acima na Glandus — falantes, engraçados, atraentes, super legais. Mas estam. E eles não são maus e nunca pisaram em ninguém. Eles são só... eles.

O que estou tentando dizer é que Edric e Emira são boas pessoas e, apesar de tudo o que acabei de explicar, todo mundo gosta deles. E eu acho que isso é incrível.

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Estou em uma mesa do refeitório sozinha, com as mãos na cabeça. Não porque estou especialmente estressada nem nada — estou numa posição confortável, bem confortável. Ninguém do Hexsquad chegou ainda.

— Oi — diz Boscha, sorrindo e sentado ao meu lado. Olho para ela. Parece tão inibida hoje.

— Por que tão feliz? — pergunto.

Ela dá de ombros.

— Por que não?

Reviro os olhos, fingindo sarcasmo.

— Não gosto da sua atitude.

Ela olha para mim por um minuto. Então diz:

— Ei, hum, o que vai fazer no sábado?

— Hum, nada, acho.

— Você... deveríamos fazer algo.

— ...deveríamos?

— Sim. — ela parece um pouco envergonhada  — Bem, se quiser.

— Tipo o quê?

Ela balança a cabeça, negando.

— Não sei. Só... ficar em algum lugar.

Eu me forço a pensar com muito cuidado a respeito. Eu poderia tentar. Para variar. Poderia tentar ser um ser humano bom.

— Ah, hum, eu disse que faria uma coisa à noite. Mas estou livre durante o dia.

Ela se anima.

— Ótimo! O que você quer fazer?

— Não sei. Foi ideia sua.

— Ah, sim... bem, você poderia ir à minha casa, se quiser. Só para assistir a filmes...

— Do que vocês estão falando? — Willow nos chama se sentando do outro lado da mesa — Parece que estão falando sobre algo interessante. Quero fofocar. Digam.

Pouso as pernas no colo de Boscha porque não estou nem aí para ser reservada.

— Obviamente estamos flertando. Minha nossa, Willow.

Por um segundo, Willow acha que estou falando sério. É um momento triunfante.

Mais tarde, passo por Luz no corredor. Ela para e aponta para mim.

— Você.

— Eu.

Rapidamente passamos a conversar numa escada.

— Está livre no sábado? — pergunta.

Estou prestes a dizer que sim, mas então me lembro.

— Hum... não. Eu disse que Boscha e eu faríamos algo. Foi mal.

— Ah, tranquilo. — ela dá de ombros — Vocês não podem faltar a reunião da Azura de qualquer modo.

— Ah.

— Você esqueceu?

— Não. Todo mundo está falando sobre isso.

— Acho que sim.

Nós nos entreolhamos.

— Eu tenho que ir? — pergunto. — Você sabe que eu não dou a mínima para a Azura.

— Sei — retruca ela, o que quer dizer sim, eu tenho que ir. — De qualquer modo. Sim. Me encontre no sábado à noite. Quando você e Boscha terminarem... O que estiverem fazendo. — ela ergue e abaixa as sobrancelhas.

Lentamente, balanço a cabeça.

— Não vamos fazer nada do que você está pensando.

— Bom... — diz ela. — Fico feliz por ter tornado seu dia um pouco mais especial.

Uma vida (quase) solitária Onde histórias criam vida. Descubra agora