O problema é que eu não ajo

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Estou indo para no ônibus quando Luz enfim decide reaparecer de modo dramático. Estou sentada na segunda fileira do fundo, na escada à esquerda, ouvindo música ignorando o mundo ao meu redor, quando ela aparece atrás de mim com a bicicleta velha e percorre a rua com a mesma velocidade do ônibus. A janela pela qual estou olhando está toda suja e a neve secou gotas de água nela, mas ainda assim vejo o rosto dela de perfil, sorrindo ao vento feito um cão com a cabeça para fora da janela do carro.

Ela se vira, procurando pelas janelas, e acaba percebendo que estou, na verdade, num ponto adjacente a ela. Com os cabelos esvoaçados, o casaco voando atrás dela feito uma capa, ela acena de maneira assustadora e bate a mão com tanta força na janela que todo aluno idiota no ônibus para de fazer o que está fazendo e olha para mim. Ed e Em me lançam olhares sugestivos. Levanto a mão e aceno, sentindo-me um tanto mal.

Ela continua fazendo isso até eu descer do ônibus, dez minutos depois, e nesse momento começa a nevar de novo. Digo aos gêmeos para que eles sigam sem mim. Quando ficamos sozinhas, nós nos sentamos em um muro do jardim, e Luz encosta a bicicleta. Percebo que ela não está vestindo o uniforme do colégio.

Olho para a esquerda, até encontrar o rosto dela. Luz não está olhando para mim. Espero que comece a conversa, mas não diz nada. Acho que está me desafiando.

Demorou mais do que deveria para que eu reconhecesse que quero ficar perto dela.

— Eu... — digo, forçando as palavras — sinto muito.

Ela hesita como se estivesse confusa, vira-se para mim e sorri de modo gentil.

— Tudo bem — diz.

Eu meneio a cabeça um pouco e desvio o olhar.

— Já fizemos isso antes, certo? — comenta ela.

— Isso o quê?

— O lance esquisito de pedir desculpas.

Lembro o comentário da “psicopata deprimida”. Mas não é a mesma coisa.

Eu estava sendo tola e a raiva dela a dominou. Foram só palavras.

Eu não sabia nada da Luz até então. Ela ainda tem aquele brilho. Aquela luz. Mas tem mais. As coisas que não podem ser vistas, apenas encontradas.

— Onde você esteve? — pergunto.

Ela desvia o olhar e ri.

— Fui suspensa. Pela tarde de segunda, ontem e hoje.

Isso é tão ridículo que acabo rindo.

— Você finalmente fez alguém ter um acesso nervoso?

Ela ri de novo, mas é esquisito.

— Isso poderia acontecer, para ser sincera. — O rosto dela muda. — Não, sim, eu... hum... xinguei o Bump.

Dou risada.

— Você xingou? Foi suspensa por ter xingado?

— Sim. — ela coça a cabeça. — Parece que a Hexside tem regras a esse respeito.

— Como isso aconteceu? — digo, meneando a cabeça.

— Meio que começou na aula de história, acho. Fizemos os testes há algumas semanas, recebemos nossas notas na segunda, e minha professora pediu para eu ficar depois da aula porque, como era de se esperar, eu fui muito mal. Acho que tirei um E ou coisa assim. Então ela começou a descer a lenha em mim, sabe? Começou a reclamar dizendo que sou uma decepção, que nem me esforço. Foi quando comecei a ficar muito incomodada porque eu me esforcei, sim. Mas ela não parava mais, mostrou a prova, apontou para ela e disse: “O que você acha que é isso? Nada faz sentido aqui. Onde está a justificativa? Onde está sua técnica de redação?” Resumindo, ela acabou me levando à sala do Bump como se eu fosse uma aluna do ensino fundamental.

Uma vida (quase) solitária Donde viven las historias. Descúbrelo ahora