Boa demais para mim

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Acho que deve ser segunda-feira. A noite passada foi um borrão. Eu me lembro de ter despertado na ribanceira do rio nos braços de Luz, eu me lembro do frio doloroso da água e do cheiro da camiseta dela, e me lembro de ter fugido. Acho que estou com medo de alguma coisa, mas não sei o que é. Não sei o que dizer.

Fui ao pronto-socorro. Ed e Em me obrigaram. Tenho um baita curativo no braço, mas tudo bem, não está doendo tanto. Preciso tirá-lo hoje à noite e passar pomada no ferimento. Não estou ansiosa para fazer isso.

Sempre que olho para a ferida, me lembro da Azura. Faz com que eu me lembre do que eles são capazes.

Todo mundo parece bem feliz hoje e não gosto disso. O sol está muito forte e tenho que usar óculos escuros a caminho do colégio porque o céu, uma enorme piscina, está tentando me afogar. Eu me sento no salão, e Selene pergunta o que aconteceu com meu braço, e digo a ela que a Azura fez isso.

Ela pergunta se estou bem. A pergunta faz com que eu chore, por isso digo a ela que estou bem e fujo correndo. Estou bem.

Tenho flashes da vida ao meu redor. Um grupo qualquer de meninas está sentado. Uma garota do segundo ano olha pela janela enquanto as amigas dela riem ao redor. Uma imagem de uma montanha com a palavra “Ambição”. Uma luz que não para de piscar. Mas acho que o que me acalma é saber que vou descobrir quem está por trás da AzuraBoaBruxa e o que estão planejando fazer na sexta-feira, e vou impedi-los.

Na hora do intervalo, já contei sessenta e seis pôsteres da Azura espalhados pelo colégio. “SEXTA-FEIRA: A JUSTIÇA VIRÁ”. Bump, Sellyn e os monitores estão em polvorosa, e não dá para passar por um corredor sem notar um deles arrancando cartazes das paredes, murmurando algo com raiva, baixinho.

Hoje, há dois posts novos no blog da AzuraBoaBruxa: uma foto da reunião da semana passada, na qual um cartaz da Azura apareceu na tela do projetor. Vou imprimir e colá-lo na parede do meu quarto, onde já coloquei todos os posts anteriores do blog. Minha parede já está quase toda coberta.

Primeiro, a Azura surrou um garoto. Depois, feriu gravemente um grupo de pessoas, tudo com o propósito de fazer um espetáculo. E todo mundo na cidade está apaixonado por ela.

Está claro para mim que, se eu não parar a Azura, ninguém mais vai.

Na hora do almoço, sinto que estou sendo seguida, mas quando chego ao departamento de TI, acredito que despistei quem quer que fosse. Então, eu me sento na sala C15, a que fica de frente para a C16, onde conheci Luz.

Ligo o computador e navego pelo blog da Azura por quarenta e cinco minutos.

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Em determinado momento, a pessoa que me seguiu entra na C15. É Luz, óbvio. Ainda me sentindo culpada por ter fugido outra vez, e sem querer falar sobre isso, passo por ela e saio da sala, e começo a andar depressa sem uma direção determinada. Ela me alcança. Estamos caminhando muito depressa.

— O que está fazendo? — pergunto.

— Estou andando — responde Luz.

Dobramos uma esquina.

— Matemática — diz ela. Estamos no corredor das salas de matemática. — Eles fazem os painéis bem bonitos aqui porque, caso contrário, ninguém gostaria de matemática. Por que as pessoas achariam que matemática é divertido? Tudo o que ela faz é deixar nas pessoas a falsa impressão de desafio.

Bump sai de uma sala de aula alguns passos à nossa frente.

— Tudo certo, diretor B — diz Luz. Bump meneia a cabeça para ela e passa por nós.

Uma vida (quase) solitária Where stories live. Discover now