Capitulo 1

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O temporal desabava com toda sua fúria, de um modo assustador. A visão era quase nula, naquela estrada que serpenteava pelo vale, numa subida íngreme e sem nenhuma luz. Trovões e relâmpagos fustigavam o espaço, como se a cólera de Deus tivesse se abatido sobre aquele lugar.

Em meio a toda aquela tempestade, Callie praguejava baixinho, procurando não deixar o pânico dominá-la. Como Diabos, poderia ter adivinhado que iria acontecer aquela tempestade, durante a subida para sua casa de campo, em Montain Nanuet? Quando saíra da cidade, o céu estava azul, com nuvens brancas como algodão!

Considerava-se uma boa motorista e conhecia bem o lugar, mas não era uma heroína! Nunca pegara uma tempestade como aquela dirigindo, ainda mais numa estrada deserta e perigosa. Dirigia na velocidade mínima, mas ainda assim, corria perigo. Podia cair uma árvore sobre o carro, podia rolar alguma pedra, podia ser atingida por um raio... Isso tudo sem falar da água que descia pela estrada aos borbotões, vinda da montanha. Ainda bem que seu Land Rover era um carro robusto, com tração nas quatro rodas. O veículo sacudia-se, enfrentando valentemente a fúria dos elementos.

Callie desejou estar em sua confortável casa, lendo um bom livro ou escrevendo, tomando uma xícara de chocolate quente. Mas ali estava, sozinha, trêmula de medo, enfrentando aquele temporal, porque resolvera fugir de Penny. Ela insistia em uma relação que não dava mais e o jeito fora fugir. Deixá-la entender de uma vez por todas que não queria mais suportar os ciúmes, o humor irascível, as paranóias de uma mulher problemática.

Callie tinha uma longa experiência naquele tipo de relacionamento. Penny fora mais uma em sua vida que só lhe trouxera de bom os momentos de sexo. Aos trinta anos, sentia-se desiludida tanto das mulheres, que preferia ficar só. Tinha sensibilidade e era romântica, mas só conhecera mulheres vazias, sem o algo especial que procurava encontrar numa mulher: inteligência, sensibilidade, gostos afins, alguém que a fizesse amar loucamente, preenchendo tudo que precisava em uma amante para ser feliz.

Iria ficar em sua casa de campo até resolver seu problema com Penny. Não iria voltar para aquele apartamento que dividia com ela. Deixara lá muita coisa, como seus livros, discos, algumas roupas e outros objetos pessoais. Mas não voltaria para pegá-los, não valeria à pena. Havia apenas deixado uma carta falando de sua decisão em deixá-la, porque tinha certeza que se fosse falar pessoalmente sobre a separação, Penny teria feito mais uma de suas cenas de mulher neurótica. O melhor era recomeçar sua vida alugando outro apartamento, partindo do zero. Felizmente, ela não sabia da existência de sua casa de campo. Por experiência, Callie a conservava incógnita de suas amantes. Ali era seu refúgio secreto, para onde corria quando tinha problemas com seus casos amorosos.

Seus olhos castanhos dourados se estreitaram com o clarão de um relâmpago. Os lábios carnudos e vermelhos se estiraram em um sorriso de quem se pega em falta. Deus, com um temporal daqueles, se distraindo pensando em sua vida com as mulheres!

Dobrou a curva da estrada cuidadosamente. Mal conseguia enxergar cinco metros à sua frente. A água da chuva escorria pelo pára-brisa aos borbotões, dificultando a visão.

Um vulto surgiu à sua frente, iluminado pelos faróis do carro. Callie apertou os olhos, aguçando a visão. Seria impressão, ou era mesmo uma pessoa na estrada, debaixo daquele temporal? Não era impressão. Lá estava, no meio da tempestade, um vulto cambaleando e acenando.

Callie diminuiu a velocidade, com medo. Quem seria, que se expunha naquele tempo, naquele lugar deserto, numa estrada perigosa, à pé? Seria alguém que se acidentara? Era o mais provável. Só um acidente exporia uma pessoa ali, com aquele tempo.

O vulto desabou no chão. Callie parou o carro, com receio de atropelar aquela pessoa. Ficou parada, olhando. O vulto não se mexia. Tinha de saltar do carro e socorrê-lo.

Um pensamento a alertou: e se fosse uma armadilha, para um assalto? Pensou por alguns instantes, indecisa. Era um risco, ir socorrer a pessoa. Mas, quem ficaria naquele temporal aguardando um carro passar para assaltar, numa estrada de tão pouco movimento? E se fosse alguém ferido gravemente? Precisaria de socorro urgente. Por outro lado, o vulto estava deitado no meio da pista e se fosse desviar-se, teria de passar pelo mato rasteiro na margem, com o perigo do carro atolar ou virar.

-- Mas que inferno! Só faltava isso, para completar as dificuldades! -Praguejou, baixinho.

Pegou o seu casaco de camurça, vestiu-o e abriu a porta do carro. A água da chuva caiu sobre ela com violência. Correu ao encontro do vulto. Tinha de ser rápida, para não molhar-se até os ossos. Parou ao lado e notou que era uma mulher. A saia estava colada ao corpo, mostrando as coxas sujas de lama. Ela estava caída de bruços, com o rosto voltado para o lado. Callie abaixou-se e tocou-a no braço, gritando para se fazer ouvir naquele temporal:

- - Consegue levantar-se?

A mulher tentou erguer-se. Callie puxou-a pelos braços, ajudando-a. Ela cambaleou e Callie a encostou em seu corpo, passando o braço pela cintura dela e colocando o braço esquerdo dela em volta do seu pescoço.

-- Vamos! Pode caminhar? - Tornou a gritar.

Apoiando-se em Callie, ela deu alguns passos trôpegos. Callie notou que ela era mais baixa que ela, mas a lama a tornava escorregadia, dificultando segurá-la. Colocou o braço dela sobre seus ombros, segurando-o pelo pulso, e a apoiou em seu corpo. Foi arrastando a mulher sob a forte chuva até o carro. Encostou-a nele, enquanto abria a porta do passageiro. Então, empurrou a mulher no banco. Mas com a forte chuva, não viu bem e a mulher bateu com a cabeça na porta do carro e caiu no banco toda mole. A pancada devia tê-la desmaiado de vez.

-- Merda! - Xingou Callie, batendo a porta, mas tendo o cuidado de colocar as pernas dela para dentro, antes. Rodeou o carro correndo, abriu a porta e jogou-se no banco. Fechou a porta, ofegante. Estava agora toda molhada, tremendo de frio e cansada com o esforço. Mas o que tinha de fazer já estava feito.

Olhou para a mulher. Não era uma boa coisa olhá-la. Estava coberta de lama da cabeça aos pés. A chuva havia retirado parte da lama, mas ainda estava bastante suja. Só dava para ver que era branca e tinha os cabelos claros. Havia desmaiado e mantinha-se imóvel, com o rosto caído para o lado. Será que estava ferida? Não dava para ver, com tanta lama e na escuridão da noite. Não podia descobrir isso agora. Tinha que prosseguir. Colocou o carro em movimento. O temporal continuava forte e tinha de prestar a máxima atenção na estrada.

Durante mais de uma hora, Callie prosseguiu debaixo do temporal. Então, notou que o fenômeno foi diminuindo de intensidade, até se tornar uma simples chuva fina. Os relâmpagos e trovões cessaram e a visibilidade ficou bem melhor, fazendo-a aumentar a velocidade do carro. Deu um suspiro de alívio quando avistou o atalho que levava até o seu rancho. Entrou nele com cuidado e prosseguiu por mais quinze minutos. E o seu rancho surgiu à sua frente, iluminado pelos faróis do carro. Callie suspirou aliviada. Sobrevivera ilesa à tempestade e finalmente chegara.

Parou diante da casa de madeira rústica e desceu, rodeando o carro. A chuva continuava, mas não era mais um problema. Abriu a outra porta e olhou para a mulher. Continuava inconsciente. Teria que carregá-la para a casa. Seria melhor antes abrir a porta da entrada e acender as luzes, para depois levá-la.

Herança Fatal  (CALZONA)Where stories live. Discover now