錯乱 - Sombra

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Os dias tem se passado rápido, e apesar de não ter começado exatamente com o pé direito, minha relação com os meninos vem se desenvolvendo bem.

Recebemos visitas de ambos frequentemente, e às vezes, passam o dia inteiro conosco.

Vez ou outra, eles nos surpreendem com alimentos frescos ou presentes vindos da cidade, coisa que, devo confessar, é muito boa.

Shinkai tem se aproximado bastante de mim e temos feito muita coisa juntos, enquanto Aiden parece não querer se desgrudar de Suji.

Tê-los por perto tem sido bom no geral, e são boas companhias apesar de alguns costumes e manias peculiares que, com o passar do tempo, aprendemos a ignorar.

Por ter acordado mais tarde que o normal, acabo perdendo o desjejum que nos acostumamos a fazer juntos e, por isso, tenho que fazê-lo sozinha, enquanto ouço a conversa entre os três se desenrolar.

Quando também me dou por satisfeita, eu e Kai vamos para o jardim.

Há um tempo, ele havia me prometido ajuda na reconstrução no quintal quando ouviu minha vontade em deixar a frente de casa mais bonita.

- Você tem certeza que quer fazer isso? - Ele chama minha atenção enquanto eu amarro meu cabelo em um rabo de cavalo - Eu acho que fica bem mais bonito com as plantas mortas.

Não seguro minha risada.

- É claro que sim - retruco - Deixe de ser melancólico ou as plantas vão murchar ainda mais.

Começamos por arrancar o mato e a erva daninha, e aproveitamos para conversar enquanto isso.

Shinkai é um cara legal.

Apesar da personalidade meio durona e da aparência de vilão gostoso e incompreendido recém saído de uma das histórias de fantasia e romance que costumo ler, ele é gentil e parece ter bom coração.

Meu interesse por ele tem crescido conforme o tempo que passamos juntos, e sua aura misteriosa vem me cativando dia após dia.

Quero saber mais sobre ele, porém, ele vem se mostrando bem fechado e recluso acerca de certos assuntos. O pouco que sei sobre ele consegui com muito esforço e conversa. Tudo que descobri é que mora nas redondezas e que não tem família por perto (e ao que parece, não se importa com isso).

Me disse também que é amigo de Aiden há muitos anos, e que mal consegue se lembrar de como se conheceram.

Percebendo que falar de si mesmo não é algo que ele goste muito de fazer, preferi deixá-lo em paz e apenas tentar me virar com as coisas que observo em sua pessoa.

Quando o sol sobe, decidimos sair do jardim e entrar para beber uma água enquanto descansamos um pouco.

Adentrando a cozinha, damos de cara com uma cena deveras peculiar: Aiden segurando Suji no colo.

Não faço ideia do que poderia estar acontecendo, mas quando nos vê de volta, Aiden solta minha amiga, que acaba indo de encontro ao chão.

Fico bastante confusa, mas prefiro apenas ajudá-la primeiro e perguntar depois.

Pegando um copo d'água para mim e um para Shinkai, nos sentamos todos à mesa em completo silêncio.

Noto que Aiden se porta de forma estranha, parecendo estar nervoso e retraído, bem diferente do que costuma ser.

Suji e eu nos entreolhamos, e posso perceber que compartilha do mesmo pensamento que eu. Precisamos conversar.

Aproveitando a deixa sobre o jardim inacabado, peço um favor aos meninos, sugerindo que fossem até a cidade e trouxessem algumas mudas de flores e suculentas, para que possamos começar o plantio ainda hoje.

Shinkai bufa e Aiden faz uma careta ao ouvir meu pedido.

Algo me diz que não querem sair da floresta hoje, mas, além da intenção de ficar a sós com minha amiga, não era mentira que realmente precisávamos das plantas.

Minha insistência sobre o assunto acaba abalando a paciência frágil de Kai, e ele logo a perde.

- Eu já disse que não vamos pegar essas malditas flores, Sohyun. Desista. - Ele diz, cruzando os braços enquanto se senta no sofá.

Eu levanto uma sobrancelha frente a esse comentário. É claro que eu não poderia deixar essa passar.

- Acho melhor irem; senão... - Eu ameaço, me aproximando dele de forma desafiante.

A expressão emburrada de Shinkai se torna ousada quando levanta o corpo e me encara de volta, em um olhar prepotente.

- Senão o quê? - Ele responde, presunçoso.

- Senão vamos ter que resolver isso de outra forma, Kai. - Eu digo quando me posto à sua frente e encaro seus profundos olhos âmbar.

Shinkai devolve o olhar de forma surpresa, e um sorriso ladino logo se forma em seus lábios bem moldados.

Fico duplamente chocada quando o moreno dá mais um passo à frente, nos aproximando ainda mais.

Nossos olhares se prendem um ao outro, e nossos rostos se aproximam.

"O que é isso?", penso, mas não me afasto apesar do pulso acelerado.

- Gente? - Ouço Suji pigarrear - Ainda estamos aqui. Vocês sabem, não é?

- Como assim só o Shinkai pode ter esse tipo de tratamento? - Aiden se vira para minha amiga de forma dramática, apontando para nós com o polegar.

- É capaz de você me jogar no chão de novo se eu fizer isso - ela retruca, irritada.

Ouço Aiden bufar e andar até a porta.

- Vamos logo Shinkai, ou vamos acabar apanhando - ele diz já à espera de seu amigo.

- Eu duvido muito. - Shinkai responde enquanto se afasta com o olhar ainda preso ao meu.

Ele sai andando de costas até esbarrar em Aiden, que o espera impaciente no hall de entrada. Antes de sair, ele me dirige um sorriso sacana.

O que acabou de acontecer?

Apesar da enorme queda que tenho por Kai, não pensei que minha breve provocação teria esse efeito sobre ele. E muito menos que a retribuição dele teria esse efeito sobre mim.

Olhos para Suji sentindo meu rosto queimar, e a vejo balançando a cabeça enquanto o canto de seus lábios se curvam para cima.

- O que foi? - Pergunto, desviando o olhar.

Suji apenas suspira e passa por mim em direção ao jardim. Eu a sigo, completamente em silêncio e ainda tentando processar o choque eletrizante que passeava pelo meu corpo.

Começamos a adiantar as coisas enquanto os meninos não voltam, e tomamos o tempo conversando enquanto tiramos a vegetação morta.

Uma sensação estranha me atinge de repente, como se estivéssemos sendo observadas. Olho para Suji e ela me encara como se sentisse o mesmo.

Olhamos para frente ao mesmo tempo, e, rumo a divisa entre nosso quintal e a floresta, e bem até onde a sombra toca, há... um garoto?

Sol da Meia Noite; ENHYPENWhere stories live. Discover now