Capítulo IV

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"Merda, merda, merda", pensava Ariel.

Já havia escutado algumas conversas de seus pais e se recorda muito bem das coisas que foram ditas. Perguntou certa vez para Aziraphale quem era o arcanjo citado e o anjo disse um simples "alguém que não deve saber que estás aqui".

Então, naquele momento, o medo de Ariel de ser descoberte era grande. Mesmo que não soubesse o motivo, Ariel confiava em Azi.

- Aziraphale? Onde está você? - Gabriel gritava andando pela livraria.

Ariel pensou, suspirou e percebeu que teria que lidar com aquela situação, afinal, Gabriel não iria embora tão cedo.

Desceu as escadas lentamente e quando chegou ao penúltimo degrau, Gabriel parou de gritar por ter avistado a criança.

- E quem seria você? - o arcanjo perguntou analisando o serzinho.

"Pensa rápido, Ariel, pensa, pensa"

- Eu sou... É... Eu fui... Aziraphale... Ele me contratou, isso, ele me contratou! - Ariel apertava o corrimão com força pela adrenalina do momento.

Sua mente estava a mil.

- E onde estaria Aziraphale? - Gabriel estava um pouco impaciente.

- Ah, ele saiu - Ariel balançou os ombros e terminou de descer as escadas, indo em direção a uma das estantes fingindo estar fazendo alguma coisa.

- Entendi. E por que ele te contratou? - Gabriel seguiu a criança se aproximando bastante, fazendo Ariel quase suar frio - Você não é muito nova? Ou novo? Espera. O que você é? - colocou a mão no ombro do serzinho que estava de costas para si.

- Eu não tenho gênero - respondeu baixo enquanto encarava um livro com o olhar perdido.

- Que horror! Como uma criatura pode não ter um gênero? O que você tem no meio das pernas, então? - Gabriel logo tirou a mão do ombro da criança e passou levemente pelo terno cinza, fingindo limpar alguma sujeira.

"Se acalme, Ariel. Não mate esse cara."

- Olha, sinto muito se não lhe agrada e também sinto em dizer que, se não veio atrás de algo que eu possa ajudar, sugiro que vá embora - respondeu calmamente, se segurando para não chorar.

- Eu vou mesmo - foi indo em direção a porta e abrindo-a, mas parou antes de sair e olhou para trás – Diga para aquele anjo inútil que eu estou atrás dele – e saiu depois de sussurrar "aberração" de forma enojada.

Ariel estava ali, encarando o nada, sem saber o que fazer ou o que pensar. Só tinha certeza de uma coisa.

Aziraphale estava extremamente certo.

Depois de um tempo ali em pé sem fazer nada, Ariel foi até o sofá e se sentou. Queria chorar por não saber o que estava acontecendo em si. Sem querer, acabou deixando uma lágrima rolar por seu rosto e decidiu que deveria parar de pensar naquilo.

[Enquanto isso, com Aziraphale e Crowley]

O anjo olhava maravilhado para cada canto da casa e Crowley somente observava as feições e os sorrisos de Azi enquanto o corretor de imóveis falava sem parar.

- Aqui é o outro banheiro – disse o corretor abrindo uma porta, revelando um banheiro bem decorado – e aqui é o último quarto. Pode ser uma boa escolha de cômodo para os senhores. Cabe uma cama de casal e tem banheiro nesse quarto também – disse abrindo outra porta e depois adentrando o grande quarto, abrindo mais uma porta e olhando para os dois que o acompanhavam.

- É esplêndido! Nossa, eu adorei. Tudo nessa casa é lindo. Claro que falta um pouco de personalidade, mas nada que nós três não possamos arrumar – o anjo estava extasiado, feliz.

-É uma casa bem legal mesmo – Crowley disse finalmente.

- Então serão três moradores? – o corretor perguntou sorrindo de modo exagerado saindo do quarto e andando pelo corredor até a escada.

Crowley achava o cara intrometido e feliz demais. Achava exagerado o tanto que o cara sorria.

- Sim – Azi foi atrás dele pelo corredor, sendo seguido pelo demônio.

Já na sala, os dois assinaram uns papéis e conversaram mais um pouco com o corretor sobre terem de ir em alguns lugares antes de poderem se mudar oficialmente. Estava tudo bem até que Azi sentiu uma coisa que nunca havia sentido. Era uma preocupação forte demais, forte ao ponto de causar uma dor de cabeça insuportável.

- Azi, você ta bem? – Crowley perguntou vendo o anjo com uma cara meio estranha.

- Precisamos ir, Crowley. Obrigado, gentil senhor, por nos mostrar esta divina moradia mas nós temos de ir – Azi fez um aperto de mão com o homem e foi até a porta – Estarei no carro – disse saindo da casa.

- Valeu por mostrar a casa, iremos nessa semana em todos os lugares necessários. Tchau – Crowley disse rápido enquanto já ia saindo da casa, preocupado com Aziraphale.

Ariel estava chorando muito. Não conseguia parar. Tentou ler alguma coisa, tentou arrumar a livraria, tentou dormir, tentou até cozinhar mesmo sabendo que não podia mexer no fogão. Mas estava com um desespero gigante para esquecer essa agonia que estava instalada em seu peito. Apesar de tudo que tentou, nada deu certo. Nada fez a criança esquecer o que estava sentindo, então se entregou ao choro.

Aziraphale estava fazendo algo que nunca havia feito. Estava pedindo para Crowley ir mais rápido com o carro e o demônio estranhava o pedido do anjo, mas acatava.

Chegaram na livraria e Crowley nem se preocupou em estacionar direito, já que nunca fazia isso mesmo. O anjo saltou do carro e andou rapidamente em direção a porta, entrando e começando a procurar Ariel com os olhos por todos os cantos, até que ouviu um choro baixo.

- ARIEL? – gritou por não ter encontrado – ARIEL? ONDE ESTÁ VOCÊ? – Crowley estava procurando sem gritar.

- Pai? – os dois ouviram quase como um sussurro e foram para o segundo andar.

Ariel estava no meio das estantes, sentade no chão, abraçando os joelhos.

- Ah, minha criança – Aziraphale correu até Ari e deu um abraço meio desajeitado, que logo ficou mais confortável, pois Ari parou de abraçar as pernas e abraçou o pai.

Crowley se aproximou mais dos dois e se ajoelhou, passando a mão pelas costas do anjo que estava suspirando alto.

- Está tudo bem agora, meu amor. Não precisa mais chorar, nós estamos aqui com você – Azi estava meio sem saber o que falar por nunca ter tido de lidar com uma situação assim.

Uma bagunça se formou na cabeça de Crowley. Uma parte bem pequena no meio da multidão de coisas que passavam na mente dele sentia decepção, pois não queria ter deixado isso acontecer.

Deu um leve aperto no ombro de Aziraphale, afagou os cabelos loiros macios e se levantou,sendo seguido pelo olhar do anjo.

Ariel não estava mais chorando. Sabia que estava em segurança no abraço do seu pai.

- Vem, levanta – Azi disse se soltando do demorado abraço e esperando o serzinho fazer menção de se levantar para seguir a ação.

Logo já estavam descendo as escadas e indo até o sofá vermelho da livraria. O mais velho se sentou e Ariel se deitou com a cabeça em seu colo.

- Quer me contar o que houve enquanto não estávamos aqui? – perguntou começando a fazer um cafuné nos cachos da sua criança.

- ... Gabriel esteve aqui – soltou sem cerimônias fazendo o anjo arregalar os olhos.

- M-mas... Eu não havia nem pensado na possibilidade de ele vir aqui. Me perdoe – Azi estava longe com seus pensamentos.

Queria saber o que havia acontecido, mas não queria que Ariel voltasse a chorar. Obviamente estava preocupado com o que poderia acontecer com ele a partir daquele dia, mas também se preocupava com o que aconteceria com Ariel. O pessoal de lá de cima poderia contar para o pessoal de lá de baixo em um piscar de olhos e em outro, poderiam estar os três ferrados.

100 Bad DaysWhere stories live. Discover now