62. Grata

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POV FREEN

Eu me perdi muito antes de te perder. 

Durante muito tempo foi assim que eu pensei toda vez que seu rosto acidentalmente - e não tão acidentalmente assim - apareceu em minha mente. Eu lembrava do seu sorriso doce e da forma como você fazia tudo ficar um pouco mais radiante.

Lembro de te conhecer e achar adorável o seu jeito tímido, quase infantil. Não sei exatamente quando o meu carinho de amiga se tornou mais do que admiração pela sua força, resiliência e ética. Não sei dizer qual foi o dia específico em que você deixou de ser BB, a Nong que eu tinha que cuidar e guiar, para se tornar a minha parceira de vida e desafios.

Eu deveria ter aprendido a minha lição nessa época, e ter confiado que o seu coração frágil, porém forte em sua pureza e essência, seria capaz de compartilhar o peso dos meus monstros internos. Deveria ter acreditado na mulher que você havia se tornado, gradualmente e brilhantemente, na minha frente e ter dado, a nós duas, a chance de continuarmos crescendo juntas.

Foi difícil te ver sofrer, te ver sorrir, te ver partir. Ou melhor, ver você aceitar a minha partida. O seu distanciamento quase me matou.

Mas apesar de tudo, eu sobrevivi. 

Eu pedi ajuda, e me reverti de forças para viver minha melhor vida. Não era com você, mas poderia ser boa. Eu podia ser feliz de novo.

Depois de algum tempo do seu silêncio, quando o meu coração já não doía tanto e quando a minha mente já não era mais a minha maior inimiga, eu consegui ver o mundo com clareza novamente. Eu conheci Rune nessa época, e ele em teoria, era o completo oposto de você, mas na prática, nem tanto. Ele tinha um sorriso que iluminava o ambiente e uma áurea que trazia conforto só de estar em sua presença. Sua fala era mansa e ele acreditava no melhor das pessoas, mesmo sabendo o quão cruel elas podiam ser. E ele me fazia sentir livre para me reinventar, mesmo no meio das minhas lembranças.

A primeira vez que segurei Li em meus braços, eu chorei. Chorei porque ela era linda e uma parte de mim. A melhor parte de mim. A parte que ninguém nunca conseguiu tirar, mesmo com as palavras mais horrendas e comentários mais negativos. Ela me encarava com olhos que me faziam sentir como seu segurasse o mundo em minhas pontas dos dedos, da mesma maneira que você fazia lá no início, quando era nada mais que uma idealização.

O tempo passou, o meu lar estava formado, a minha vida estava boa. Boa, como sempre foi, mas ainda faltava algo. A peça que eu sempre soube exatamente onde encaixava, mas que eu sabia que devia aguardar pacientemente o retorno. Tudo em seu tempo.

Quando eu e Rune nos separamos, foi a única vez que eu me arrependi de nunca ter te procurado. Porque eu soube que havia machucado uma pessoa maravilhosa, na minha espera muda. Ele merecia mais de mim e eu falhei com ele, como havia falhado com você e comigo mesma. Foi um tempo difícil, eu tive que voltar a terapia com mais força e, sem nem perceber, voltei a te colocar em todos os cantos da minha vida.

Te via nas flores vivas que plantei com as minhas próprias mãos nos dias ensolarados. Te via nos livros, que guardei por tantos anos. Te via nos cliques das fotos espalhadas pela casa. Te via nas lembranças que me tocaram quando escolhi os móveis do meu novo lar, que eu havia construído para Li e para mim. Era mais um novo capítulo, e mais uma vez, você podia ser lida em todas as entrelinhas.

Esperei, ansiosa, uma forma de te contatar. 

Pedi, nervosa, o seu contato novo para Richie, em um dia de coragem singular.

Evitei, temerosa, usar o contato.

Um e-mail, um reencontro, uma estranheza difícil de lidar. Te reencontrei, te (re)conheci, te reaprendi. 

Curamos feridas feitas por nós mesmas, pelo destino e pelas nossas próprias escolhas.

Acompanhei, com deleite, você tomando o seu espaço - aquele que eu havia reservado esperançosa.

Te vi segurar minha filha em seus braços e contar histórias de muitos mundos e aventuras, enquanto eu cuidava meticulosamente do agora - finalmente - nosso jardim.

Eu cuidava das rosas, das tulipas, das margaridas e das inúmeras outras espécies. Mas eu regava com mais cuidado, e tirava as folhas mortas com mais atenção, dos narcisos. Eu os realoquei próximos a sombra da árvore que serviam de residência fixa das tardes preguiçosas de leitura. E sentia que eles cresciam, ali, cada dia mais belos, representando o nosso recomeço e admiração crescente de Li (e minha também) pela mulher que você havia se tornado.

"Do que você sorri aí sozinha?" a voz de Becky interrompeu meus pensamentos.

Ela, que antes tinha Li em seus braços, lendo mais alguma aventura, agora me encarava com olhos curiosos, enquanto Li dormia sonoramente, com a cabeça apoiada em suas pernas.

"Você lembra dessas aqui?" falei, indicando as flores a minha frente.

"Como eu poderia esquecer?" ela respondeu, com um sorriso preguiçoso formando sem seus lábios, ao mesmo tempo que estendia sua mão em minha direção, claramente me chamando para me aproximar dela

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"Como eu poderia esquecer?" ela respondeu, com um sorriso preguiçoso formando sem seus lábios, ao mesmo tempo que estendia sua mão em minha direção, claramente me chamando para me aproximar dela.

"Eu estou suja e fedida," falei enrugando meu nariz e negando com a cabeça. 

"E continuo achando isso impossível," ela retrucou, como sempre o fazia.

Esse pensamento, de que enfim tínhamos uma rotina nossa novamente, me fez rir, o que fez ela me olhar de forma inquisitiva mais uma vez.

"O que foi agora?" questionou.

"Acabei de perceber que temos um 'sempre'," falei, sendo vencida pela sua insistência e tirando minhas luvas para agarrar sua mão na minha e me sentar ao seu lado.

Becky passou seu braço pelo meu ombro, me puxando para próximo do seu corpo e deixou um beijo longo em minha testa.

Os dedos da sua outra mão voltaram a acariciar os cabelos de Li, espalhados como uma cortina pelas suas pernas. Ela, então, se afastou, apenas o suficiente para que seus olhos pudessem encontrar os meus.

"Nós temos melhor, babe, temos o para sempre."

E se aquele momento no tempo fosse o meu "para sempre", eu seria eternamente grata.

FIM

Notas da autora:

Boa noite, babes. Chegamos ao final desse ciclo.

Talvez não tenha sido o final que eu queria, mas acho que nunca teria o final que eu queria. Mas sinto que já está no momento de encerrar esse ciclo.

Quero escrever alguns especiais, mas deixo aqui o final definitivo.

Obrigada por quem sofreu no início, quem xingou a Freen, quem se arrependeu. Quem me xingou quando eu sumi e não se arrependeu. Obrigada por quem chegou até aqui.

Nos vemos nos próximos! 

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