Capítulo 29

93 45 9
                                    

Parei o carro do Fernando na entrada da garagem do meu pai e o portão abriu assim que a câmera captou a imagem do meu rosto. Ele morava em uma mansão que qualquer um se sentiria solitário vivendo ali sozinho, menos meu pai que adorava aquela casa mais do que tudo e tinha uma porção de empregados. Havia se mudado há uns cinco anos mais ou menos, antes disso morava na nossa antiga casa.

Saí cedo e deixei a Júlia dormindo no meu apartamento. Depois de chorar muito, comer sushi, vomitar por ter bebido além da conta, ela adormeceu na minha cama. Ainda bem que ela estava de folga no dia seguinte, pois não acordaria tão cedo depois de toda a bebedeira. Apesar de que esse "além da conta" para ela significa três ou quatro taças de vinho, era muito fraca para o álcool.

Não foi nada agradável saber detalhes de momentos íntimos do meu pai e minha melhor amiga, mas fazer o que se ela precisava conversar com alguém? Amigos são para esses momentos, não são? Parecia que estava ouvindo dizer "ele é tão bom de cama" como se ela tivesse alguma base disso, já que nunca tinha transado antes.

Passei pelos jardins e estacionei perto da entrada. Eram 5h40, esperava ter sorte e ele ainda estar em casa, pois tinha o costume de sair cedo para correr antes de ir trabalhar, ou marcar cirurgias neste horário. Abri a porta e entrei. Estava tudo escuro.

— Pai, está em casa? — gritei feito uma idiota, como se ele pudesse me ouvir, já que a distância da porta e do quarto dele no andar superior era considerável.

Joguei minha bolsa e meu casaco em cima do sofá chique e subi as escadas para o andar superior. Era realmente uma casa bem grande. Parei diante da porta dupla de madeira branca e bati duas vezes.

— Pai?

A porta se abriu e ele estava com cara de nosso e me encarou assustado. Tinha acabado de acordar, seus cabelos geralmente muito arrumados estavam uma desordem, e usava apenas um short de pijama.

— Suellen? Aconteceu alguma coisa?

— Oi, pai, precisava muito falar com o senhor, mas não se preocupe, não aconteceu nada de grave. Vou descer, preparar um café e esperar lá na cozinha enquanto o senhor se veste e lava essa cara amassada.

Beijei seu rosto rapidamente antes de girar nos calcanhares e sair correndo para o andar de baixo. Meu pai tinha muitas empregadas, mas estava muito cedo para alguém preparar o desjejum para nós. Coloquei água para fazer o café e pão na torradeira. Fiz ovos mexidos e estava arrumando a bancada quando ele entrou na cozinha.

— Bom dia, papai. Espero que esteja com fome.

— Estou mais curioso do que faminto. O que veio fazer aqui a essa hora, Suellen?

Sentei-me no banco de frente a ele e apontei para que fizesse o mesmo.

— Não consegui pregar o olho, fiquei a noite toda pensando, aliás, estou desde sábado pensando sobre isso, pai.

Ele bebeu um pouco do café, pousou a xícara sobre o prato e pegou uma torrada passando requeijão antes de colocar os ovos por cima, como sempre costumava fazer.

— E presumo que isso tem a ver comigo, certo?

— Na mosca.

Mordi um pedaço da minha torrada e encarei seu sorriso arrogante. Ele era um homem lindo sim. Não aparentava a idade que tinha, na verdade, ele nem era tão velho assim. Tinha 19 anos quando se casou com a minha mãe, e ela já estava grávida.

— Você não gostou da Stela?

— Sim, gostei. Só não entendo porque a levou para a festa mesmo estando envolvido com a Júlia, por que, papai?

Ele parou com a torrada na frente do rosto. Seus olhos verdes se abriram um pouco indicando a surpresa. A torrada foi devolvida ao prato, em seguida ele passou a mão pelos cabelos da forma que costumava fazer quando estava nervoso.

— Júlia contou a você.

— Nós conversamos ontem, mas não foi ela que me contou. Fala sério, pai, eu não sei como não percebi antes, estava na cara. Sábado na festa qualquer um que conheça minimamente vocês dois poderia ter percebido como se olhavam. O senhor estava com a Stela, mas estava morrendo de ciúme da Júlia, e ela ainda mais por ver o senhor com outra mulher.

— Suellen...

Ergui a mão pedindo que se calasse.

— Deixe-me terminar. Quero que fique claro que eu não sou contra vocês dois estarem juntos. Na hora que percebi tudo foi meio chocante, nojento até. Era o meu pai e a minha melhor amiga, juntos, mas depois o que eu quero é que o senhor seja feliz, e se for com a minha melhor amiga, eu vou amar.

Ergui o braço por cima da mesa e segurei sua mão. Ele parecia triste e envergonhado.

— As coisas não são simples assim. Júlia é uma mulher maravilhosa, mas é jovem demais para...

— Assumir um relacionamento com ela? Olha a merda que o senhor está dizendo. Ela é jovem demais para se relacionar, mas não para trepar? Que machista.

Ele bateu as mãos na mesa e depois apontou o dedo indicador para mim.

— Acho melhor tomar cuidado com as palavras, sou seu pai, mocinha. Veja como fala comigo.

— Não vou me desculpar por isso.

— Não esperava que fizesse, se desculpar não é do seu feitio, ainda mais comigo. Agora, preste bem atenção no que vou te dizer. Júlia é uma mulher incrível, no começo eu senti uma atração enorme por ela, incontrolável até. Tentei não cair em tentação, afinal, como você mesma disse, ela é sua amiga, tem 26 anos apenas e trabalhamos juntos. Confesso que as coisas evoluíram rápido demais, eu me apaixonei. Não vou negar.

— Então qual o problema?

Ele passou as mãos pelos cabelos bagunçando-os novamente.

— Não estou com ela porque ela merece alguém melhor, um homem que pode dar um futuro para ela, uma família que sei ser o sonho dela e que eu não posso dar.

Seus olhos se encheram de lágrimas e percebi naquele instante que tinha algo de muito errado acontecendo.

— Pai, não vem com essa conversa de diferença de idade, o senhor nem parece ter a idade que tem, que nem é tanta assim. Inventa outra desculpa para ter partido o coração da minha amiga, ok? Não pode dar um futuro? Fala como se fosse um velho de sessenta anos, e olha que hoje em dia tem uns velhos bem gatos por aí.

— Não posso dar um futuro para Júlia porque... estou doente, Suellen. Estou... eu vou morrer.

Suas palavras me chocaram tanto que senti o mundo girar ao meu redor. Ele não podia estar falando sério.


Quebrando promessas? - DegustaçãoWhere stories live. Discover now