Capítulo 30

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— O que o senhor está dizendo? Como... pai, pelo amor de Deus, não faz isso comigo, eu...

Estava chorando desesperada com a notícia terrível. Ele me entregou um copo com água e eu mal consegui segurar.

— Eu sinto muito, não queria contar isso assim, mas também não podia deixar que pense que sou um cretino filho da puta, mais do que já pensa que sou.

— Quando descobriu?

— Faz seis meses. Esse foi um dos motivos de eu ter ligado o foda-se e feito coisas que normalmente não faria se estivesse no meu juízo perfeito. Queria aproveitar o que me resta de vida, me sentir vivo, e Júlia me faz sentir assim, me fez sair da linha, mas a situação foi longe demais, deixou de ser apenas sexo, entende?

Vozes gritavam na minha cabeça que era uma pegadinha de mal gosto do meu pai, que nada do que ele estava dizendo era verdade.

Eu não posso passar por isso outra vez.

Eu não posso perder o meu pai também.

— Quando descobriu? Como?

— Tive uma crise convulsiva e fui levado para a emergência quando estava em São Paulo, foi algumas semanas antes do congresso no Rio de Janeiro. Fiz vários exames e descobri que tenho um tumor no cérebro.

— É operável? Pode tentar quimioterapia? Pelo amor de Deus diz que sim.

— Um médico achou que sim, outros três disseram que não, que uma cirurgia poderia destruir meu cérebro. Quimio não é eficaz nesse tipo de doença, a radiação fritaria meu cérebro antes mesmo de ter algum resultado.

— O que o Fernando acha?

— Ele não sabe.

— Como assim ele não sabe?

— Ele não precisa saber. Não há o que ser feito, da forma que está crescendo, talvez eu tenha cinco anos, ou alguns dias.

— Você não pode desistir.

Ele me puxou para os seus braços abraçando-me forte. Suas mãos passando por minhas costas acalentando-me.

— Acredite, eu não desistiria se pudesse. Não há o que fazer.

Afastei-me e segurei seu rosto banhado por lágrimas, assim como o meu.

— Vamos procurar outros médicos, Fernando...

— Eu já vi os melhores na área, essa não é a área dele.

— O senhor vai me prometer que vai fazer outros exames. Vamos falar com o Fernando, por favor.

— Tudo bem, vou refazer os exames e... vou fazer isso por você. Sabe que faço tudo por você.

— Então promete que vai viver — pedi segurando o seu rosto entre as minhas mãos mais uma vez, enquanto olhava dentro dos seus olhos.

— Prometo que vou fazer tudo que puder, mas não posso prometer isso, não está em minhas mãos.

***

Naquele dia não fui trabalhar, liguei avisando que não estava bem. Voltei para casa, mas não tive coragem de encarar a Júlia, por isso entrei no apartamento do Fernando e deitei na cama dele. Fiquei horas olhando para o teto, tinha desligado o celular sem querer falar com ninguém. Orei, implorei a Deus que não levasse o meu pai também. Até estava disposta a fazer promessas se fosse preciso. Voltei a ligar o celular só no final do dia. Tinha uma quantidade absurda de chamadas. Antes que pensasse em retornar alguma delas, o aparelho tocou na minha mão.

— Oi — atendi desanimada.

— Sue? Tudo bem? Liguei várias vezes, mandei mensagem, no trabalho disseram que você faltou hoje, fiquei preocupado. — Ele franziu o cenho inclinando a cabeça para o lado. — Estava chorando?

Senti um aperto no peito ao ouvir sua voz e ver o seu rosto na chamada de vídeo.

— Estou bem, só uma dor de cabeça e... — parei de falar por causa do bolo que estava em minha garganta pela mentira. Eu não estava nada bem, o choro irrompeu junto com o pensamento. — Desculpe, eu só queria que estivesse aqui. Como foi a cirurgia? — perguntei tentando mudar de assunto e limpando o rosto com a ponta do lençol.

— Foi tranquila, acabei de sair do centro cirúrgico. Você está na minha casa? — perguntou com um sorriso de canto de boca.

— Sim, acho que estava com saudade e vim deitar um pouco na sua cama.

— Sue... o que aconteceu?

— Eu vou ter que desligar, meu celular está acabando a bateria, vou lá em casa colocar para carregar. Um beijo — menti desligando o aparelho e caindo novamente no choro.

Devo ter chorado até dormir novamente. Acordei horas depois com um toque leve em meu rosto. Abri os olhos e pensei que fosse um sonho, mas quando percebi que era real, não consegui segurar o choro quando mergulhei no par de olhos cinzentos me encarando preocupados.

— Oi.

— Oi, você... não tinha que estar em São Paulo? — perguntei abraçando seu pescoço.

— Não acha que eu ficaria por lá depois de saber que a minha namorada estava precisando de mim, não é?

Sorri em meio às lágrimas e beijei seus lábios com desespero.

— Você é doido? Não precisava... você largou tudo só por isso?

— Saber que estava triste e chorando não era motivo suficiente para você? O que aconteceu, Sue? Liguei para o Saulo, ele disse para não me preocupar, mas algo me dizia para vir embora porque estava precisando de mim.

Sorri me sentando na cama.

— Tem razão, eu estava precisando muito de você.

— Estou aqui agora pronto para te ajudar.

— Meu pai está morrendo, Fernando, esse é o meu problema. Não posso aceitar isso, eu...

Contei toda a história para ele enquanto chorava desesperadamente.

— Meu Deus, Sue. Sinto muito.

— Não sei o que fazer, não posso perder o meu pai do mesmo jeito que perdi a minha mãe.

Fernando tirou uma mecha de cabelo do meu rosto, percebi que sua mão estava trêmula.

— Talvez isso explique algumas atitudes que ele vem tendo de um tempo para cá. Vamos agora mesmo falar com ele, quero saber por que ele não me disse nada, dar uma olhada nos exames e avaliar melhor.

Ele se levantou estendendo a mão para mim, levantei-me e o abracei apertado.

— Obrigada, eu sinto que... — calei-me quando uma forte tontura me fez cambalear.

— Sue? Está se sentindo bem?

Fechei os olhos e meu estômago roncou alto, eu havia comido só no café da manhã, e muito mal, e já passava das 21h.

— Só um pouco tonta, não comi nada hoje.

Fernando sorriu e beijou de leve minha testa.

— Vou preparar alguma coisa rápida para você comer enquanto vai até a sua casa e veste alguma coisa. Não pode sair assim.

Eu havia tirado a roupa em algum momento quando as peças pareciam querer me sufocar. Meneei a cabeça e segui até o banheiro, enrolei-me na toalha e dei um beijo rápido em seu rosto.

— Muito obrigada. Não faz ideia como isso que você está fazendo é importante para mim. — Eu te amo por isso. Pensei, e esse pensamento me fez ofegar de surpresa.

As emoções estavam confusas naquele momento. Tristeza, alegria, gratidão e amor. Tudo duelando dentro de mim, quase me fazendo confessar algo que ainda não sabia de fato sentir.


Quebrando promessas? - DegustaçãoWhere stories live. Discover now