Capítulo 37

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Ainda estava um pouco escuro quando alcançamos o Topo do Mundo. Tinha que ir bem cedo se quisesse ver o nascer do sol. Era dia do meu casamento, seria uma cerimônia íntima no sítio dos meus avós. Íntima que dizer 150 pessoas entre parentes e amigos mais próximos. Eu tinha poucos amigos, já Fernando teve trabalho para escolher os padrinhos do lado dele, pois a lista era grande. Nem acreditava que 12 meses já haviam se passado. Meu pai tinha se casado com a minha melhor amiga e em cinco meses eu iria ter um irmão.

Na noite anterior, minha avó tinha me dado uma carta que minha mãe havia escrito nos seus últimos dias de vida, era para ser entregue somente no dia do meu casamento. Era desejo dela que eu lesse a carta e em seguida fosse até o Topo do Mundo jogar as cinzas dela no momento do nascer do sol.

Abracei a urna que estavam as cinzas e senti um calor no coração. A mão do Fernando pousou em meu ombro e apertou de leve.

— Tudo bem?

Engoli em seco e meneei a cabeça.

— Tudo bem. Obrigada por ter vindo comigo.

— Não por isso, eu iria com você até o fim do mundo, imagina ao topo. Esse lugar é lindo.

— Engraçadinho, estou falando sério.

— Eu sei. Eu também.

O sol começou a despontar no horizonte. Estava um pouco frio e me aconcheguei nos braços do meu futuro marido lembrando das palavras escritas na carta. Suspirei fundo e observei o nascer do sol. Quando o dia já estava claro o suficiente, peguei a urna e fui para mais perto da borda. O lugar era usado para a prática de esporte aéreo como parapente, isso porque além de muito alto, ventava muito.

— Tem certeza que vai fazer isso? — Fernando perguntou quando o instrutor começou a arrumar os materiais para o voo.

— Está com medo, amor? — impliquei enquanto me vestia.

— Hoje é o dia do meu casamento, é lógico que não quero morrer nesse dia — confessou. — Ainda não acredito que estou mesmo fazendo isso.

Eu também estava me borrando de medo, mas não iria deixar ele saber, não mesmo.

— Você não precisa ir se não quiser. Se estiver com medo, eu vou entender.

— Não estou com medo, Suellen. Já falei que vou com você.

Mordi os lábios fechados para não rir.

Fizemos algumas várias aulas, mas essa era a primeira vez que íamos voar de verdade. Primeiro aprendemos a parte prática com treinamentos no solo, aprendemos a praticar o controle do parapente, da inflagem da corrida, fazendo simulação do voo e dos movimentos. Depois começamos a fazer "pequenos voos" quase sem altura, quase sem sair do chão, em terrenos inclinados. Treinamos por quase três meses. O instrutor repassou as dicas e verificou mais uma vez os equipamentos.

— Vocês estão prontos?

— Sim — Fernando respondeu.

— Nasci pronta — brinquei segurando a urna que estava amarrada no colete.

— No três podem começar a correr, estarei logo atrás de vocês. Um, dois, três...

Decolar de uma montanha foi a sensação mais maravilhosa que tive na vida. Eu gritava de felicidade quando começamos a alçar voo. A paisagem era linda, ainda mais do que de helicóptero. Fernando controlando as velas estranhamente tornava o prazer de voar indescritível. Fechei um pouco os olhos e a sensação de paz e tranquilidade me tomaram, senti que aquele era o momento de abrir a urna.

— Tudo bem aí? — gritou.

— Tudo maravilhoso, já disse hoje que eu amo você? — gritei de volta.

— Ainda não.

— Eu te amo.

— Eu também.

Abri a urna e senti uma lágrima despontar dos meus olhos, tamanha a minha felicidade, deixei as cinzas da minha mãe voarem se misturando com o ar. A propriedade dos meus avós podia ser vista de longe. Era onde iríamos pousar. Ergui a cabeça para trás e Fernando desceu a dele tocando nossos lábios. Foi um beijo rápido, mas com muitos significados.

Quando li a carta e vi seu pedido que no dia do meu casamento jogasse as suas cinzas no Topo do Mundo, lugar que ela mais amava na vida, eu fiquei muito feliz por já ter programado aquele voo. Ainda mais quando ela confessou que seu maior sonho sempre foi voar como um pássaro de lá. Então achei que seria melhor realizar o seu sonho. Eu estava voando, e as cinzas dela também.

Li aquela carta tantas vezes que até já sei de cor, lembrei de um trecho que dizia:

Filha, você não precisa ser o centro do mundo de ninguém, seja o seu mundo. Demorei a descobrir que a Terra não girava em torno de mim. Existe um conceito que se chama Conceito da Navalha de Occam, ele serve para explicar porque nós não somos o centro do mundo. Essencialmente esse conceito diz que quando temos algo que possui muitas explicações diferentes como resolução, muito provavelmente a verdadeira é a explicação mais simples de todas. A explicação que possui o menor número de variáveis, hipóteses e relações lógicas entre si, essa é mais simples. Em resumo: a resposta certa costuma ser a mais simples. Tudo isso é para dizer que o amor não é complicado, se for corra dele. Mas se amar for simples e fácil, esse é o homem certo para você. Seja tudo que eu não consegui ser. Seja simples, seja feliz.

Quando pousamos perto do lago, havia um instrutor nos aguardando. Ele nos ajudou a livrar-nos dos cintos. Quando estávamos livres deles eu abracei Fernando com toda a minha força, ele me girou no ar sorrindo.

— Hoje é o dia mais feliz da minha vida.

— O meu também, mas se prepare, ele está só começando.

Entrelacei nossas mãos e corri em direção aos meus avós que estavam nos esperando na varanda da cabana.

Hoje o dia não poderia ser melhor, poderia? 

Quebrando promessas? - DegustaçãoWhere stories live. Discover now