Capitulo 25

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Capítulo 25
Pov. Dakota

Luz.
Estava bem mais claro do que eu podia esperar do meio da noite. Era possível notar isso ainda de olhos fechados. Abri-os preguiçosamente, apenas para constatar, para minha total surpresa, que já havia amanhecido, embora minha percepção julgasse não haver passado nem uma hora desde o momento em que adormeci.
Pisquei algumas vezes. Um mormaço tímido penetrava o quarto pela fresta da cortina aberta, diretamente no meu olho esquerdo. Virei de lado de forma brusca, sem pensar onde estava ou que horas deviam ser.
Ao meu lado dormia um homem de bruços, com o rosto virado para o outro lado, aparentemente nu até onde o lençol o cobria. Era um corpo bonito, em forma, mas algo me incomodou ali. Algo que eu não havia notado no início.
Eu não conhecia aquelas costas. Eram diferentes das costas que eu esperava encontrar aquela manhã. Não tinham os sinais que eu havia tentado decorar um dia, ao vê-lo tomar banho. O cabelo também não era o mesmo. Era ondulado, mas negro.
A razão veio me tomando aos poucos, e foi junto com ela que o homem começou a se mexer. Foi quando finalmente ele se virou para mim que levantei de imediato, quase caindo da cama. Reparei que eu também estava nua.
– Que porra...
Meu coração batia descompassadamente. Eu não estava entendendo nada, e olhei em volta tentando me localizar.
Aquele quarto também não era o quarto que eu esperava encontrar naquela manhã, simplesmente porque não era o mesmo quarto em que eu havia dormido. Não era a suite da casa dos Dornan. Mas eu conhecia aquele lugar.
Era um lugar com paredes encardidas, sujas. Precisavam de uma pintura. Ao meu lado, uma tv quebrada, algumas roupas em cima dela. O "quarto" em questão dividia o espaço com uma cozinha através de uma bancada. Havia apenas uma lâmpada que pendia do teto, sem lustre. Minhas malas estavam espalhadas pelo chão, na parede à direita, e como um estalo dentro de mim, consegui me localizar.
O apartamento. O apartamento que eu morava. Não era a casa de Jamie, nem de seus pais. Também não era a casa de Rayana. Era o lugar para o qual eu havia ido entre esses dois momentos.
Desespero.
Cocei os olhos, tentando enxergar melhor. Tudo parecia muito embaçado. O homem desconhecido ainda estava de bruços no sofá-cama, olhando para mim como quem olha para qualquer animal de circo.
– Não.
Falei em voz alta. Uma vez, duas vezes, repetidas vezes.
– Não, não... Isso não...
Senti falta de ar. Uma dor angustiante comprimiu meu peito como se quisesse esmagá-lo.
– NÃO! NÃO FOI UM SONHO, PORRA!
Mais falta de ar. Meu corpo começou a tremer descontroladamente, de forma ridícula, tentando se manter de pé.
Alcancei o celular e busquei ali o número dele, tentando lutar contra o tremor e apertar as teclas certas.
Não estava lá.
– Por favor, não...
Chorei de desespero. Olhei para os lados, sem saber o que fazer.
Aquilo não podia estar acontecendo.
– Uma puta escandalosa. Escolheu a dedo, Roy.
O homem falou consigo mesmo, e senti um baque no estômago. Encostei na parede tentando respirar. Minha garganta parecia fechada. Ao lado do sofá, duas garrafas de alguma coisa alcoólica e notas de dinheiro.
– Pelo amor de... - Eu falava sozinha. Não sabia se gritava ou implorava. A luta contra o pânico que já me dominava estava chegando ao fim.
Olhei para minha mão direita.
Não havia anel algum ali.
Como um surto de loucura, me belisquei. Bati, arranhei e soquei cada pedaço de pele que podia lembrar, desesperada para provar a mim mesma que aquilo era um pesadelo.
Meu Deus, só podia ser um pesadelo!
– Vai ficar quieta ou quer que eu te amordace?
O homem me encarava de forma divertida, me mostrando e enrolando com as mãos um pedaço de pano.
Solucei, me deixando escorregar pela parede e cair no chão. Sem forças, sem vida.
Sem nada.

Engasguei. Algo me trouxe de volta, me tirando daquele lugar e daquele desespero torturante. Tossi com força, tentando respirar outra vez. Confusão. Não conseguia assimilar nenhuma informação ao certo.
Estava claro. O quarto ainda era invadido timidamente pelo mormaço do lado de fora, mas dessa vez a realidade que chegava aos poucos começava a fazer mais sentido.
– Calma...
Tentei me desvencilhar de braços. Eram braços fortes, e embora a sensação de tê-los ali parecesse conhecida e até reconfortante, lutei contra eles, muito perdida para entender.
Mas eles eram fortes demais até mesmo para o meu pânico.
Tossi mais vezes, e uma náusea súbita me tomou com uma força muito grande para tentar controlá-la.
Estiquei o pescoço para o lado, sem conseguir ver direito, e tudo que estava dentro de mim saiu em um jorro de muitas coisas misturadas e nojentas. Minha garganta ardeu como se pegasse fogo, e pude sentir os braços ao meu redor afrouxarem o aperto e dedos segurarem meus cabelos em um tipo de rabo-de-cavalo improvisado, tentando separar os fios do suor que cobria meu rosto e pescoço.
A náusea vinha em ondas, e cada onda resultava em um novo jorro de algo ruim. Minha cabeça começou a doer instantaneamente, mas aos poucos fui retomando o controle da situação, vomitando cada vez menos, enxergando cada vez mais.
Um chão de madeira escura. Graças a Deus não era carpete.
– Calma, princesa... - A voz atrás de mim saiu hesitante, trêmula.
Meu corpo todo tremia. Vomitei mais. Sem pensar em nada, descolei a mão direita do peito e a estiquei, olhando fixamente para a aliança fina no anelar, pedindo silenciosamente para que ela simplesmente não sumisse diante dos meus olhos. Toquei-a com o polegar, tentando conter o tremor quase epiléptico, querendo senti-la e me certificar de que aquilo - aquilo sim - era real.
Alívio.
Cuspi uma última vez no chão e me deixei cair sem forças no colchão macio. Estava suada de uma forma que não combinava com o clima invernal de Londres. Já não sabia se tremia de frio ou de nervoso. Minha cabeça doía e latejava, e consegui notar que estava chorando assim que abri os olhos.
Eu estava em estado de choque, descabelada e me sentindo imunda. E Jamie, como um anjo perfeito e ridiculamente lindo até ao acordar, estava olhando para mim daquela forma, ao meu lado. Eu sabia que devia pedir para que ele parasse e se afastasse, mas estava me sentindo excepcionalmente exausta e fraca naquele momento.
Num ímpeto, me atirei em seu peito, tomando cuidado para não encostar minha boca em sua pele, e me agarrei nele com desespero, querendo senti-lo, querendo ter certeza de que ele também era real.
– Foi só um pesadelo. - Ele falou em uma voz aveludada, enquanto penteava os fios rebeldes que teimavam em grudar no suor da minha testa. - Mas você me assustou.
Ele tocou minhas costas com um dos dedos e eu estremeci. Senti o cobertor ser puxado e nos cobrir, então tudo o que queria era me deixar relaxar grudada nele. Tudo estava bem agora, e o alívio que enchia meu peito como um balão era tão reconfortante que eu poderia até meditar.
– Quer conversar sobre o seu sonho?
– Não. - Minha voz saiu fraca, mas decidida, mesmo se escondendo em seu peito. Imediatamente notei que havia deixado óbvio para Jamie que o sonho era, de certa forma, sobre ele.
Fechei os olhos e o ouvi suspirar.
– Foi só um pesadelo... - Ele repetiu. - Um pesadelo idiota.
Fiquei em silêncio, lembrando do desespero daquele sonho, lembrando que aquele não havia sido um pesadelo "idiota", mas sim o pesadelo mais real que eu já havia tido. Dentre tantos outros que me atormentavam.
E sempre eram relacionados a ele, de uma forma ou de outra.
– Você deve ter comido alguma coisa ontem que não fez bem. Vai se sentir melhor depois de um banho quente.
Meu estado deplorável não tinha nada a ver com má digestão, eu sabia disso.
– Preciso limpar isso.
– Você não vai limpar nada. Não está bem pra isso.
– Jamie, tem um líquido nojento espalhado no chão do quarto dos seus pais.
– Alguém limpa depois.
– Eu vomitei, eu limpo.
– Por que está insistindo? Você sabe que eu não vou te deixar fazer isso.
Não discuti. Era mesmo inútil insistir em algo que eu sabia que não ia acontecer, mas de qualquer forma, estava feliz por estar tendo uma discussão boba daquelas. Ele estava ali, aquilo era real, e isso era tudo o que importava.
Jamie se levantou pelo outro lado da cama e me puxou para poder me pegar nos braços.
– Como está a sua cabeça? - Perguntei, enquanto era carregada nos braços até o banheiro.
– Doendo um pouco. Mas eu estou acostumado com ressaca.
Era uma pena que eu não poderia dizer o mesmo da minha, que agora latejava incomodamente, como se quisesse me lembrar de que aquele dia não havia começado muito bem.
– Espera. Preciso escovar os dentes antes de mais nada. - Falei, enquanto ele me guiava para o box. Jamie aceitou meu pedido, me colocando de pé na frente da pia e me olhando como se eu estivesse prestes a ter um ataque fulminante do coração. Tentei ignorar o fato de que estava completamente nua. Quando terminei de escovar os dentes, vi que o chuveiro já estava ligado à minha espera.
Ele lançava um jato incrivelmente forte de água morna. Deixei a força da ducha massagear meu couro cabeludo, fechando os olhos e aproveitando a sensação boa ali por algum tempo. Instintivamente, agarrei meu anel com a outra mão e, como se isso fosse suficiente, permaneci imóvel.
– Você não parece bem. - Ele falou, se juntando a mim dentro do box e me trazendo de volta à realidade.
– Eu estou ótima. - Concluí. Depois de acordar daquele pesadelo, tudo estava ótimo. Mais do que ótimo.
Notei que ele me olhava um pouco contrariado.
– Que foi?
– Eu deixei algumas marcas ontem.
Olhei para mim mesma pela primeira vez e vi algumas manchas escuras e arroxeadas na minha cintura, na parte interna das minhas coxas (exatamente onde os quadris dele batiam), nos meus pulsos e uma mancha vermelha como sangue pisado em um dos meus seios.
– Ah... - Comecei, ainda olhando para os braços - Tudo bem, as roupas cobrem.
– Você tem alguma coisa de gola alta? - Ele perguntou, tocando em alguns pontos do meu pescoço como se quisesse me mostrar que ali a coisa estava feia.
– Tenho cachecol.
Jamie suspirou um pouco triste, me encarando por algum tempo, apenas para depois se aproximar de forma perigosa.
– Eu tenho que lembrar de ir com calma com você. - Ele disse, percorrendo a distância segura entre nós dois e me abraçando. Me dei conta de que o calor do corpo dele era muito melhor do que o calor da água aquecida da ducha que agora batia em suas costas. Sua boca, antes apenas próxima ao meu pescoço, agora dava beijos calmos mas molhados pelos prováveis hematomas que se encontravam ali.
Tremi, retribuindo o abraço. Tentei não me agarrar nos cabelos da sua nuca outra vez, mas era involuntário. Eles pareciam estar ali única e exclusivamente para isso. Senti sua boca passear de um lado ao outro do meu pescoço, de forma tranquila e torturante, traçando um caminho de fogo por onde passava. Sua língua descia e subia, perto da minha orelha e nos limites do meu ombro. Eu ia explodir em algum momento, e a culpa seria toda dele.
Lembrei do sonho outra vez, ainda fresco na minha imaginação, o que fez com que aquele momento fosse ainda melhor. O pensamento em perdê-lo, em ter que me afastar dele outra vez, ou o que era pior: ser abandonada por ele, estava me apavorando cada vez mais, justamente porque cada vez mais eu me acostumava em estar perto dele e depender de sua presença. Era possível que eu estivesse desenvolvendo algum tipo de fobia ou síndrome, e talvez eu temesse que ele descobrisse e me achasse estranha demais.
Mas isso não me impedia de alimentar um crescente sentimento possessivo que se tornava preocupante.
– Não precisa ir com calma. Não precisa mudar nada.
Não precisa porque eu amo tudo em você. Amo até as marcas que você deixa no meu corpo, porque são suas. Porque não há nada melhor do que sentir que você é meu, e não há nada melhor do que pertencer só a você.
Não precisa mudar nada. Contanto que você fique comigo.
Senti seu braço se estender e no segundo seguinte a água quente parou de cair. O frio foi completamente esquecido, porque ele ainda brincava com meu pescoço de uma forma tão natural que me dava arrepios, que não tinham nada a ver com o inverno.
Senti algo gelado nas minhas costas e pulei de surpresa. Notei que Jamie havia me prensado contra uma das paredes molhadas do box, me prendendo entre os azulejos e seu corpo. Se afastando de meu pescoço, ele agora me olhava com um certo contentamento, como se estivesse começando a se divertir.
– Se você me disser que não preciso ir com calma, vou pegar pesado de verdade. - Ele disse, olhando diretamente dentro dos meus olhos propositalmente. Ele se divertia com esse tipo de coisa, como se me desafiasse a desviar o olhar.
Jamie apertou seu corpo contra o meu com força, me fazendo sentir a pressão de algo duro contra minha barriga. Sorri com a sensação. Deslizei minhas mãos pelo seu corpo, saindo dos cabelos e passeando pelos ombros largos, moldando as palmas aos músculos de seu peito e descendo mais, sentindo cada pequeno detalhe e dobra em sua pele. Tateando e acompanhando com os olhos cada caminho, cada centímetro.
Ele era real.
Passeei meu dedos pelas costas firmes, parando na parte inferior e fazendo um pouco mais de pressão ali, tanto para apalpar aquela parte quanto para trazê-lo mais contra meu corpo. Não lembrava se já tinha alguma vez tocado na bunda dele, mas tinha que lembrar de fazer aquilo mais vezes.
Beijei seu peito molhado delicadamente. Era onde meus lábios alcançavam sem precisar levantar a cabeça. Senti as pontas dos meus dedos doendo, e me dei conta de que estava apertando-o com força demais. Inconscientemente. Como se não quisesse largá-lo, como se pretendesse fundi-lo a mim, na esperança de que, nós dois sendo um só, não poderíamos nos separar mais.
Os cabelos da minha nuca foram puxados delicadamente, me fazendo levantar a cabeça por reação, e no segundo seguinte senti sua língua deslizar na minha de forma calma, sensual, intensa. Havia um gosto forte de menta, e me perguntei em que momento ele tinha escovado os dentes. Não me aprofundei na tentativa de descobrir a resposta, porque ele já intensificava um pouco mais o beijo, deslizando suas mãos pelas minhas costas como se quisesse memorizá-las. Ele parou na curva da minha lombar fazendo círculos, como se estivesse me provocando, como se dissesse "eu vou descer, mas só quando eu quiser". E eu queria tanto que aquelas mãos descessem...
Me equilibrei nas pontas dos pés, tentando forçá-lo a me tocar. Ele entendeu e apenas riu. Trouxe uma de suas mãos à minha nuca outra vez e, com força, me puxou contra ele, pela cabeça e pelos quadris. Permiti que meus lábios deslizassem contra os dele de forma violenta, dando à sua língua passagem para invadir minha boca cada vez mais, sempre tocando em pontos novos e deslizando por ali de formas diferentes. Jamie conseguia aplicar tanta pressão ali que meus lábios já doíam um pouco, mas a dor era boa.
Voltei meus dedos para seus cabelos, porque no final das contas, agarrá-lo daquela forma era a maneira de permitir às suas mãos um melhor acesso ao meu próprio corpo. Nossos movimentos não eram mais calmos como no início, mas sim violentos e um pouco rudes. Suas mãos finalmente deslizaram e apertaram minha bunda. Vibrei em silêncio.
Talvez a pele da minha barriga ficasse com marcas também, já que Jamie e sua nada discreta excitação estavam me machucando.
– Não sei como você consegue fazer isso... - Ele disse, interrompendo levemente o beijo e tomando fôlego, mas não me permitindo responder ou perguntar "Fazer o quê?", porque no segundo seguinte sua língua estava deslizando na minha outra vez. Suas mãos criaram um gancho e me levantaram sem dificuldade alguma. Entrelacei instintivamente minhas pernas em seus quadris, ainda prensada entre a parede e o corpo quente dele, agarrada com desespero ao seu pescoço e deixando que ele fizesse o que quisesse comigo.
A coisa dura e incômoda que machucava a pele da minha barriga deixou de ser incômoda e deslizou para dentro de mim sem qualquer problema, arrancando um suspiro involuntário da minha boca. Senti um arrepio forte com a penetração, enrolando os dedos dos pés e das mãos com força, fechando os olhos violentamente.
Ele era meu.
Apertei o laço que minhas pernas faziam em torno dele, enquanto o sentia se mover dentro de mim. Repeti o ato com os braços, quase sufocando-o. Lembrei do sonho, lembrei da sensação de perdê-lo, de estar sem ele. Me arrepiei outra vez.
Ele tinha que ser meu.
Os nós em meus dedos provavelmente doíam, mas eu não sentia. Entre eles, estavam chumaços de cabelo de Jamie, então era óbvio que eu o estava machucando também. Mas não conseguia estar ciente disso. Sem a menor explicação, estava sendo tomada outra vez por um pânico irracional de perdê-lo. Era um péssimo momento, mas não estava nas minhas mãos detê-lo ou não.
Aquilo era real. Mas não havia certezas se aquela realidade duraria para sempre.
Os arrepios foram ficando mais fortes. Desde quando eu havia me tornado completamente dependente dele? Bom, talvez a resposta fosse "desde sempre", e pensar no fato de que Jamie era tão importante para mim a ponto de ser indispensável era apavorante.
Era apavorante depender de uma pessoa para ser feliz.
Meu rosto estava enfiado em seu pescoço. Eu estava imóvel, tentando lidar com os sentimentos diametralmente opostos de pânico e prazer. Por isso, fui pega de surpresa ao sentir, mais uma vez, meu cabelos serem puxados. Mas dessa vez, o puxão veio com força, de forma violenta, sem cuidado algum. Senti dor, mas fui calada pela proximidade dos nossos rostos. Sua testa estava encostada na minha, e seu olhar carregava aquela intensidade que existia sempre que ele queria dizer algo muito, muito importante.
– Eu não vou te deixar. - Ele me olhava como se estivesse pontuando a frase com um "Entendeu bem, sua estúpida?" - Que se fodam esses seus pesadelos, são só sonhos idiotas!
Encarei-o espantada, sem mover um músculo. Ele puxou minha mão direita de seus cabelos, trazendo-a para o pequeno espaço entre nós, e sem dizer mais nada, chupou meu anelar, querendo fazer com que eu lembrasse da presença de alguma coisa ali.
Fiquei olhando um pouco abobalhada para aquilo. O aro dourado cintilava diante de meus olhos, como que para provar cada palavra que ele havia dito. Mas eu acreditava na sinceridade dos seus olhos. Não era desconfiança, era apenas medo. Porque era razoável temer pelo inferno quando já se teve uma prova do paraíso.
– Tudo bem... - Falei, mas nem eu mesma ouvi minha voz. Sem pensar em mais nada, fechei os olhos e fui de encontro à sua boca. Eu queria aceitar aquela verdade de forma absoluta, sem pensar em "e se"s e "mas pode ser que"s. Jamie estava parado à minha frente, com aqueles olhos cinza tristes tão lindos, confessando suas intenções e quase implorando para que eu acreditasse nelas. E se isso não era o suficiente, nada mais seria.
Ele me prensou com mais força contra a parede, mas ignorei os azulejos frios e duros. Relaxei o corpo e a mente para recebê-lo outra vez. Seus braços em volta de mim me davam uma sensação de proteção assustadora. Ainda assim, não consegui deixar de lembrar que essa mesma sensação de proteção era antiga, e existia mesmo antes do momento em que ele havia resolvido me abandonar.
E a lembrança do abandono, a dependência dele e o pavor em perdê-lo insistiam em estar ali.
Por que eu estava tão sensível?
Mais um beijo. Tão furioso que conseguiu calar até meus pensamentos. Algo me dizia que ele estava puto, talvez pela minha própria insegurança. Cheguei a me divertir com essa ideia absurda.
– Acredita em mim? - Ele perguntou, um pouco ofegante, ainda com os olhos tristes. Às vezes se tornava óbvio o sentimento de culpa que ele carregava. Era como se estivesse ciente de uma dívida que tinha comigo, e parecia fazer questão de se lembrar mais do que eu mesma.
Eu acreditava. Acreditava nas suas intenções, acreditava que eu podia fazer bem a ele. Acreditava porque não era possível ver qualquer traço de mentira naqueles olhos. Eu confiava nele, estava pronta para correr o risco outra vez. Mesmo porque era a única coisa que eu podia fazer.
– Acredito.
Encerramos aquela discussão, pelo menos momentaneamente. Parecia errado optar pela preocupação quando tínhamos tantas coisas para desfrutar juntos. Mais do que isso, parecia estúpido. Eu jamais teria a certeza de que ele pertenceria sempre a mim, mas nenhuma mulher no mundo poderia estar certa disso também. Nesse aspecto, minha situação não era diferente da de ninguém.
E que falha seria se eu ficasse me lamentando quando, à minha frente, meu príncipe deixava claro que estava sempre inclinado a me fazer feliz.
Jamie me tocou um pouco mais à esquerda, dentro do meu corpo. Em um lugar conhecido, um lugar que pertencia mesmo ao seu toque. Meus olhos rolaram para trás nas órbitas, meu corpo tremendo com a eletricidade que percorria cada célula. Ele sabia onde me tocar; Ele me conhecia como ninguém.
Jamie me penetrou repetidamente daquela forma. Não eram necessárias muitas investidas quando ele alcançava aquele ponto particular, e segundos depois eu já estaria explodindo em um orgasmo induzido. Beijei-o com desespero, tornando o ato de respirar um pouco desafiador. Mas não importava.
A onda de prazer veio, como eu previra. Tentei não gritar, abafando os gemidos altos contra sua boca. Os nós dos meus dedos já latejavam, e meus olhos estavam fechados com tanta força que também doíam. Ignorei tudo isso para senti-lo plenamente mais uma vez.
Fiquei muito quieta, analisando a sensação de formigamento nas pontas dos meus dedos. Era interessante. Jamie, como eu, parecia um pouco ausente, provavelmente voltando de seu próprio clímax. Esperei em posição de mochila, ainda agarrada ao seu pescoço, não querendo quebrar a troca de calor entre nossos corpos.
Deixei de sentir o frio dos azulejos. O chuveiro foi ligado outra vez e as gotas passaram a cair nas minhas costas. Fazendo algum contorcionismo muito elaborado para que eu entendesse, Jamie alcançou o sabonete e o passou por toda a extensão das minhas costas. Estremeci um pouco com a sensação boa, desgrudando de seu pescoço para dar a ele uma melhor mobilidade. Deixei que ele ensaboasse meu corpo todo, apenas para ter a desculpa de fazer a mesma coisa com o dele. Não por luxúria, mas simplesmente porque eu queria senti-lo um pouco mais.
Depois de algum tempo saímos do box. Ele se secou, me secou - fazendo novamente com que eu me sentisse uma inválida e, ao mesmo tempo, não dando a menor importância para isso - e embrulhou a nós dois dentro de uma toalha fofa do tamanho de um lençol. Ele me apertava em um abraço por trás e beijava meu pescoço de cinco em cinco segundos. Não falamos uma palavra sequer durante todo esse tempo. Quando fiz menção de andar, Jamie me agarrou pela barriga e me levantou, de forma que meus pés não conseguissem mais tocar o chão, e então caminhou para fora do banheiro, nós dois ainda embrulhados na toalha como sardinhas.
Não consegui deixar de rir. Foi difícil fazer com que ele me largasse, por isso demorei um pouco para escolher uma roupa apropriada na minha mala. Finalmente constatei que havia trazido um suéter preto de gola alta, o que seria perfeito para cobrir minhas marcas. Vesti uma das calças skinny e coloquei a mesma bota que usava quando cheguei em Londres. Antes de vestir o suéter, voltei ao banheiro para passar meu creme para hematomas, e quando entrei no quarto outra vez, o perfume não passou desapercebido para Jamie. Cinco minutos depois eu ainda estava lutando para tirá-lo de cima de mim na cama, lembrando-o que tinha que buscar produtos de limpeza para limpar a coisa nojenta que ainda estava do outro lado.
Já no andar de baixo, encontramos com Grace.
– Bom dia, queridos! - Ela falou com um sorriso iluminado, parecendo verdadeiramente feliz em nos ver, enquanto dava em cada um de nós um abraço apertado - Por que acordaram tão cedo?
Eu não sabia que horas eram, e pelo que parecia, Jamie também não.
– 07:15h ainda... Parece que madrugamos. - Ele falou, olhando no relógio novo em seu pulso e sorrindo de forma hipnótica para mim.
– Na verdade, Grace... - Comecei, piscando algumas vezes para parar de olhar feito tonta para ele - Aconteceu um acidente lá em cima...
– Mãe, alguma empregada veio hoje? Alguém pode limpar o quarto?
– Três.
– Não precisa mandar ning...
– Ótimo. Dakota não acordou muito bem disposta hoje. Acho que metade da ceia de Natal está no chão do nosso quarto.
Corei.
– Não está se sentindo bem? - Grace perguntou com uma expressão preocupada.
– Estou bem agora... Só acordei um pouco estranha. Mas eu realmente posso...
– Não se preocupe, querida. - Ela me interrompeu, já subindo as escadas - Emma está arrumando o meu quarto. Vou pedir pra que ela limpe o de vocês.
– Obrigado, mãe.
Grace acenou, sem olhar. Quando chegou no andar de cima, gritei para que ela ouvisse.
– Peça desculpas à Emma por mim!
Não sei se ela ouviu, mas não respondeu. Jamie me olhava com uma expressão neutra, e eu me sentia a cada segundo mais contrariada.
– Odeio dar trabalho às pessoas.
– Elas são pagas pra isso.
– Só porque elas têm que servir vocês, não quer dizer que tenham que ficar com trabalhos desagradáveis.
Jamie falou mais meia dúzia de palavras, enquanto me guiava para a cozinha. Ignorei todos os seus argumentos, deixando claro minha birra. É claro que aquilo só o divertiu ainda mais.
Passamos pela sala de estar e encontramos Jim sentado em um dos sofás lendo o jornal. Acenei para ele da porta, mas Jamie entrou para cumprimentá-lo. Aparentemente, éramos os únicos acordados. A casa de manhã tinha um cheiro ainda mais agradável, e eu nem sabia dizer do que exatamente era. Estava um pouco frio, mas não deixava de ser aconchegante.
Tomei um chá preto com biscoitos, não porque queria seguir os costumes ingleses, mas por causa do meu enjoo matinal. Como não queria dar mais trabalho a ninguém, achei melhor tomar conta de mim.
– Quer dar um passeio?
Fui arrancada de meus devaneios quando Jamie falou ao pé do meu ouvido, com certeza notando minha distração mais uma vez e se divertindo ao me despertar.
– Passeio? Onde?
– Por aí.
Dois minutos depois, estávamos andando "por aí" conforme ele havia sugerido. A manhã estava fria, ainda com aquela névoa aparentemente típica de Londres, por isso fiquei grata a Jamie por ter me oferecido um sobretudo fofo e quente antes de sairmos. A grama estava muito molhada, não de chuva, mas de orvalho. Todos os cheiros ali eram maravilhosos, e me perguntei se minha adoração a praticamente tudo naquele lugar era psicológico, simplesmente pelo meu bem-estar.
Alcançamos a parte de trás da casa. Se a parte da frente fazia com que o jardim parecesse modesto, essa impressão se dissipava quando se chegava ali. Era uma área enorme, até onde eu conseguia ver. Ao longe, a água de um enorme chafariz desligado parecia estar tão fria que dava a impressão de estar congelada.
Jamie parecia meu guia turístico particular, reportando cada pequeno detalhe de cada planta e pedra naquele lugar. Eu ouvia interessada, mas tinha que admitir que estava mais distraída com a presença dele e seu modo de agir despreocupado do que com o que ele falava.
– No último aniversário do meu pai, fizemos uma festa aqui. Estávamos em Abril. - Ele continuou, apontando para os bancos de pedra que percorriam os arbustos altos e as mesas e cadeiras de jardim brancas no estilo vitoriano, várias delas enfileiradas em um campo enorme cercado por árvores de vários tamanhos, um pouco sem vida por causa do frio.
Havia postes de luz por todo o lugar, acompanhados de balizadores e luzes baixas no chão que marcavam os caminhos, próximas aos troncos das árvores. Imaginei como seria uma festa ali, o efeito daquela iluminação em uma noite de primavera. Suspirei.
Alcançamos o chafariz. Olhei hipnotizada para o fundo dele sem motivo algum. A água estava um pouco trêmula por causa do vento. Nem o tempo cinza poderia fazer com que aquele lugar parecesse menos que perfeito.
Jamie tirou de dentro do próprio casaco alguns panos, os quais eu não fazia a menor ideia de onde vieram, e colocou-os lado a lado no muro alto do chafariz, cobrindo a pedra mármore molhada de orvalho e fazendo menção para que eu sentasse em cima de um dos panos. Foi o que fiz, e ele repetiu meu ato.
Por algum motivo, fiquei um pouco tensa.
– Está gostando daqui?
– Muito. - Falei de forma sincera, sorrindo. - É mais ou menos como um sonho se parece.
Ele sorriu de volta, mas seu sorriso foi sumindo aos poucos.
– Por falar em sonho... Queria saber do que se tratava o seu hoje de manhã.
Parei de sorrir também.
– "Foi só um pesadelo", lembra?
– Lembro. Mas eu quero saber.
– Por que quer saber?
– Porque eu sei que tenho a ver com ele.
Eu sabia que ele sabia. Ele sabia inclusive qual era a essência do sonho, se eu tomasse como referência suas palavras no banheiro.
– Bem, você não estava nele.
– Ainda assim...
– Eu acordei do lado de um homem que não conhecia. Era um cliente. Era como se você não tivesse voltado aquele dia.
Um silêncio pesado pairou sobre nós, como eu sabia que aconteceria. Jamie continuou me olhando com uma expressão neutra, como se estivesse processando cada palavra minha.
– Você sabe que esses sonhos só acontecem porque você tem esse medo, não é?
Ele parecia calmo, como se estivéssemos conversando sobre o Natal. Isso fez com que eu também me acalmasse.
– Sei.
– Então, você pode pelo menos tentar...
– Tentar não ter medo? Isso não está nas minhas mãos.
Ficamos em silêncio outra vez, e notei que pela primeira vez estávamos conversando sobre aquele assunto delicado. Era o assunto que evitávamos de todas as maneiras, mas agora lá estava ele, tomando aquele momento como se a conversa fosse banal. E embora não fosse nada banal, embora estivesse sendo difícil conversar sobre aquilo, também não estava sendo completamente ruim. Algo me dizia que eu sairia dali com alguns quilos a menos nas costas.
– Eu não vou te deixar de novo.
– Você já disse...
– Vou repetir até que você acredite em mim. - Ele parecia levemente exaltado.
– Eu acredito.
– Não acredita. Se acreditasse...
– Eu acredito, mas não consigo mandar na minha insegurança. Desculpa se isso te deixa puto...
A voz dele subiu uma oitava.
– Me deixa puto saber que você não confia em mim!
– Se não confiasse eu não estaria aqui. Não depois do que você me fez. - Respondi na mesma oitava.
Ele pareceu perder o fio do pensamento.
– Você... você não...
– Você confia em mim?
– Claro que confio! - Ele disse, parecendo ofendido com a pergunta.
– Então que merda foi aquela de me prender na sua casa se eu decidisse ir embora?
– Aquilo foi no início! Eu já te dei a chave do apartamento, você pode sair quando quiser! - E como se estivesse se apressando a adicionar um detalhe importante à conversa, interrompeu minha resposta - Mas se você fizer isso, eu vou mesmo atrás de você.
– Se confiasse em mim não haveria esse "se" na sua frase.
Jamie me olhou com desespero, aquele desespero de derrota aceita. Ele sabia que meu argumento era válido.
Sem muito mais o que falar, ele olhou para as mãos em seu colo e suspirou sem vida. Fiquei um pouco triste em vê-lo daquela forma, então fui eu a quebrar o silêncio.
– Você acha que eu consideraria a possibilidade de te deixar? O que eu ganharia com isso?
Ele sabia que eu não ganharia nada. Sabia que eu só tinha a perder. Mas ainda assim, hesitava.
– Você disse que iria embora aquele dia...
– Eu não sabia o que você queria comigo aquele dia. Parecia querer brincar com a porra da minha dor.
– Eu não queria! Eu só não sabia como lidar com aquilo! Eu não sabia...
– Eu sei disso. Agora.
Ele abaixou a cabeça outra vez, e eu poderia até dizer que estava se fazendo de coitado de propósito se não o conhecesse bem. Mas Jamie, no fundo, era mesmo uma criança que precisava de confirmações e certezas.
– Você nunca deixou claro que não iria...
– Jamie. - Segurei seu queixo de maneira firme e fiz com que ele olhasse para mim - Eu não vou a lugar nenhum.
Seu queixo era muito grande para minha mão pequena. Ele poderia se desvencilhar do meu aperto com facilidade, mas não o fez. Ao invés disso, ficou me encarando com aqueles olhos cinzentos tristes, brilhantes, lindos.
Meu Deus, eu queria ter um filho com aqueles mesmos olhos um dia.
Ele piscou algumas vezes, seu rosto muito próximo ao meu. Sem pensar, deixei que meu corpo agisse por vontade própria e me aproximei de sua boca, beijando-o apaixonadamente, com calma. Ele retribuiu, me puxando gentilmente para mais perto dele, e quando me dei conta, já estava sentada em seu colo, sem nenhum esforço.
Não era um beijo furioso ou desesperado. Era uma demonstração de carinho simples, confortável, algo que raramente acontecia conosco. Era um momento no qual ambos nos permitíamos desfrutar da companhia um do outro sem compromisso, sem exigências.
Era simplesmente um dos momentos mais perfeitos da minha vida.
– Acredita em mim? - Perguntei, ainda contra sua boca.
– Acredito.
Ele beijou meu queixo, minha orelha e toda a extensão do meu rosto. Tentou beijar meu pescoço, mas se enrolou com a gola alta do meu suéter e, derrotado, bufou. Eu ri sem motivo.
– Eu amo o seu perfume. Sempre amei.
– Sempre? - Falei, olhando-o de forma a desafiá-lo a lembrar que eu usava aquele "perfume" havia muito tempo.
– Sempre. Desde o primeiro dia que senti.
Ele falava enquanto inspirava e expirava na pele do meu rosto, em todos os lugares que conseguia alcançar. Os arrepios que se formavam ali não tinham nada a ver com o vento frio do jardim.
– Posso te perguntar uma coisa? - Falei, um pouco tímida. Eu estava curiosa. Ele havia me deixado curiosa.
– Claro.
– Desde quando você gosta de mim?
A pergunta saiu baixa até mesmo para nossa mínima distância. Ele não pareceu se abalar de forma alguma, e continuou trilhando beijos suaves pela linha do meu queixo.
– Não sei...
– Você disse ontem pra sua família que foi no dia em que nos encontramos na praça perto da sua casa...
– Não, aquilo foi invenção. - Ele falou calmamente, voltando à minha boca e pontuando cada frase com um selinho - Eu gostava de você antes daquilo. Só não estava ciente.
– E quando ficou ciente?
– Um pouco antes do seu aniversário.
– E quando admitiu?
Eram perguntas diferentes, e ele sabia disso. Seus olhos, de volta aos meus com aquela intensidade, confirmavam esse detalhe.
– Quando fui embora.
Embora eu tivesse medo de lembrar desses detalhes com Jamie, não estava triste. Talvez a crescente liberdade entre nós estivesse deixando tudo mais confortável, pelo menos para mim. E eu queria que ele estivesse tão confortável quanto eu.
Abracei-o pelo pescoço como costumava fazer e o beijei no rosto. Ele sorriu um pouco triste.
– Mais alguma dúvida? - Ele perguntou, brincando com uma mecha do meu cabelo.
– Na verdade, sim. - Respondi, me lembrando de repente de uma coisa - Aquela citação no papel do buquê.
– Que citação?
– De Gandhi. Em lápis, no verso do papel com as flores.
– Hmmm... - Ele pareceu pensativo, tentando se lembrar - Acho que aquilo fui eu bêbado. Eu costumo ser sincero quando bebo. Acho que você já notou isso.
– Já.
– Pensei que tivesse apagado antes de entregar a você, mas eu estava mesmo bêbado. Aquele era o meu dilema. Eu não queria assumir, mas ao mesmo tempo queria que você soubesse de alguma forma.
– Eu não tinha entendido. Mas resolvi guardar o papel pro caso de você querer explicar algum dia.
– E já descobriu sua flor favorita?
– Você me fez gostar de camélias. - Sorri.
– Se estivéssemos na primavera, você estaria rodeada delas agora.
– Bom... - Comecei, um pouco sem graça - Talvez...
– Sim. - Ele me interrompeu - Você vai estar aqui na próxima primavera.
– E qual vai ser a ocasião? - Perguntei sem muita curiosidade.
– Você vai ver. - Ele falou com um ar misterioso propositalmente exagerado.
Então me perguntei como ele me traria assim, sem mais nem menos, sem ter que largar suas obrigações. Diferente de mim, Jamie tinha coisas para fazer.
– Você vem comigo, né? - Perguntei antes que pudesse raciocinar e chegar à conclusão que aquela pergunta era idiota.
Ele riu.
– Claro.
– Não vai atrapalhar as suas coisas na empresa?
– Não. Sem problemas. - Ele respondeu de forma simples, sorrindo e me dando um outro selinho.
Aquele assunto me fez lembrar de algo que martelava na minha cabeça havia algum tempo. Era um pedido de ajuda, e por mais que não houvesse problema algum, eu me sentia um pouco envergonhada em falar disso com ele.
– Hm... Eu queria te pedir uma coisa...
– Qualquer coisa.
– Qualquer coisa? Promete?
Ele hesitou por um momento, talvez considerando a possibilidade de que eu pedisse algo completamente esdrúxulo. Mas, por fim, consentiu.
– Diga.
– Eu queria a sua ajuda... Você é uma pessoa que normalmente consegue as coisas que quer, certo?
– Normalmente... - Ele estava desconfiado.
– Eu só queria que você, sabe... Conseguisse uma coisa pra mim.
Ele continuou em silêncio, esperando que eu explicasse.
– Não que eu esteja te usando, mas é que eu já tentei...
– Estou ouvindo.
Ele estava ficando um pouco tenso, e eu podia notar isso.
– É que eu queria que você me ajudasse... A conseguir um emprego. - Me calei, mas como o silêncio parecia incômodo, me apressei em falar outra vez - Eu sei que não sou qualificada pra nada, mas não estou pedindo uma coisa muito elaborada. Só queria trabalhar em alguma coisa, qualquer coisa, pra ocupar o meu tempo e pra pagar pelo menos um pouco das despesas que eu já dei...
Ele continuou me olhando calmamente, aparentemente mais aliviado pelo simples fato de não estar mais sendo enrolado. Mas ainda estava sério.
– Você sabe que não precisa trabalhar.
Era óbvio que eu sabia disso. Se fosse levar em conta o quanto Jamie ganhava, sabia também que ele conseguiria sustentar talvez umas vinte famílias sem esforço nenhum.
– Eu quero.
– Por quê?
– Já te disse... - Comecei, tentando parecer menos envergonhada - Essa situação me deixa mal.
– Que situação?
– Você sabe qual situação. Eu não quero ganhar tanto como você, nem sonho com isso. Meu salário pode ser o que você costuma dar de gorjeta. Só quero ganhar alguma coisa. Não quero ser um peso morto...
– Ainda se acha um peso morto? Depois de todo esse tempo? Você escutou alguma palavra que eu te disse até hoje?
Apesar de contrariado, ele estava calmo. Isso era bom.
– Eu sei... - Me aproximei de seu rosto, sem nenhum motivo em particular - Eu só quero colaborar com alguma coisa também. E sei que não precisa, mas eu me sentiria melhor. Muito melhor. E não estaria te pedindo se conseguisse sozinha.
Ele continuou me olhando, outra vez querendo que eu continuasse sem que ele precisasse pedir.
– Você tentou?
Resolvi ser sincera e falar exatamente o que me veio à cabeça, mesmo que aquilo parecesse inapropriado.
– Sim. Passei algum tempo tentando, mas não consegui. Aí dei o azar de um cara se lembrar de mim... E eu surtei. Foi quando você me achou.
Eu sabia que ele tinha entendido. Não que Jamie tivesse demonstrado de alguma forma, mas eu simplesmente sabia.
Ele suspirou.
– Tudo bem. Não vai ser difícil.
Me senti debilmente vitoriosa.
– Eu já sei a resposta... - Ele começou, interrompendo minha comemoração silenciosa - Mas não custa nada perguntar: Você quer trabalhar na minha empresa?
– Não!
Eram vários os motivos para aquela resposta. Primeiro, eu não queria ficar lá só por causa do meu relacionamento com Jamie. Além disso, estava ciente de que não saberia fazer nada, nem mesmo desempenhar um papel decente de secretária. Dessa forma, não só eu estaria ali por ser "a namorada inútil do chefe", mas também ganharia um salário bom (eu tinha certeza que ele se encarregaria disso) sem fazer absolutamente nada de útil.
Além de tudo isso, quanto menos eu tivesse contato com empresários, melhor. Não estava em uma posição tão confortável para me dar ao luxo de correr riscos e arruinar com a minha vida, que finalmente parecia começar a melhorar.
E Jamie entendia todas essas razões.
– Imaginei.
– Qualquer coisa simples está bom. De verdade...
– Não se preocupe. Se você vai ficar feliz com isso, vai ser feito do seu modo.
Suspirei outra vez, encostando nossas testas e nossos narizes.
– Obrigada.
Ele sorriu, e então senti vontade de agarrá-lo. Felizmente, antes que acabássemos os dois dentro do chafariz gelado, ouvimos uma voz ecoando ao longe pelo campo aberto. Era Grace fazendo algum tipo de sinal para que voltássemos.
– Essa família me ama. - Ele concluiu, me tirando de seu colo e nos colocando de pé, enquanto pegava os panos de cima da mureta do chafariz.
"E quem não ama?" pensei, enquanto ajeitava despreocupadamente meu sobretudo, apertando mais o nó na altura da cintura para me manter aquecida. Eu estava leve e feliz. Estava com ele, e começava a me dar conta de que esse simples fato acabava sempre tornando tudo muito melhor.
Levantei a cabeça outra vez e vi que Jamie me encarava com uma expressão um pouco surpresa, um leve sorriso nos lábios e uma alegria contida no olhar. Imediatamente entendi o que tinha acontecido.
Eu havia "pensado" em voz alta.
Senti meu rosto corar violentamente, fervendo de vergonha.
– Ahm... Vamos? - Falei, tentando escapar daquele momento constrangedor.
Mas era óbvio que ele não me deixaria escapar ilesa. Por isso, segundos depois aceitei o fato de ser agarrada e tomada em um beijo brutal, me deixando sem defesa, exatamente como os beijos arrebatadores de cinema. Jamie finalmente me largou naquele estado gelatinoso que eu costumava ficar quando ele parava de me tocar.
– Linda.
– Certo. - Tossi, limpando a garganta e sorrindo de forma idiota - Vamos...
Saí andando na frente. Ele riu com minha atitude envergonhada, e logo me alcançou com suas passadas largas. Sem dizer uma só palavra, entrelaçou seus dedos nos meus, girando um pouco o anel com seu polegar. Meu rosto foi esfriando e voltando ao normal a medida que nos aproximávamos da casa. O relógio agora marcava 08:30h da manhã.
– Nossa, amor. É o seu quinto pedaço de bolo.
– Se você quiser ter um filho gordo e saudável, me deixe comer em paz.
Mais uma vez o assunto estava na gravidez de Jhulie. Chegamos à cozinha e a encontramos com Diego ao seu lado no café da manhã. Grace estava sentada na cabeceira da mesa, observando a filha comer perto dela.
– Ora se não é meu irmão desnaturado que finalmente vem me ver antes que eu vá embora. - Jhulie pontuou, ainda comendo o pedaço do bolo em suas mãos, provocando Jamie
– Você vai embora hoje? - Ele perguntou um pouco espantado, enquanto sentávamos nas cadeiras à frente dela e de Diego.
– Vamos passar o dia de Natal com a família de Diego como sempre, cabeção.
– Mas pela quantidade de malas, pensei que ia ficar pelo menos por uma semana dessa vez.
– Só aumentei a quantidade de malas pra aumentar as opções.
Diego olhou para nós com uma cara extremamente puta de "e sobra pra mim".
– Vá se acostumando. - Disse Jhulie em um tom de bronca ao ver a expressão do marido - Meu guarda-roupa vai ficar ainda maior com as roupas de grávida.
– Você já tem algum sintoma? - Perguntei, um pouco curiosa.
– Não muitos. Há uma semana atrás tive vontade de comer quiabo com chantily, mas acho que foi só isso.
– Bacana! - Jamie exclamou, achando graça.
– Não foi bacana. - Diego concluiu - Ela vomitou uma gosma verde-bebê na manhã seguinte.
– Uau! Grávidas não são o máximo? - Jamie falou de novo, dessa vez gargalhando abertamente.
– Grávidas são uma bomba armada, cara. - Arthur entrou na conversa, rompendo pela cozinha de robe preto, com Jim atrás dele - De repente, boom! Sai uma coisa de dentro delas chorando e esperneando.
– Essa "coisa" a qual você se refere é seu sobrinho, seu troglodita insensível. - Jhulie falou, não dando realmente muita importância para Arthur.
– Querido, vista uma roupa. Temos alguém novo na família. - Grace falou, de forma gentil mas repreendedora.
– Ah, mãe, a Dak não vai ficar me manjando. Ela prefere bichas magrelas e esquisitas.
Um pão de forma voou na cara de Arthur.
– Jamie, não brinque com a comida.
– É, Jamie. - Falou Jhulie, calmamente - Taca o copo.
– Por que vocês gostam de tacar coisas? - Jim perguntou de forma retórica.
– Bem vinda à loucura da minha família. - Grace falou ao meu ouvido.
Sorri. Não havia como negar que eu amava aquela loucura. Ria de todos eles e da dinâmica maravilhosa que acontecia ali. Senti uma pitada de inveja de Jamie por ter uma família tão linda, e de repente a saudade dos meus pais me atingiu em cheio.
Perdi a concentração no que os Dornan diziam por um momento. Não em lamentações, mas apenas no desejo de ter Melanie e Don ainda comigo, para que eu pudesse apresentar Jamie a eles. Tinha certeza que se dariam bem. Então me peguei imaginando se eu teria o conhecido caso meus pais não tivessem falecido. No final das contas, foi por isso que tomei aquele rumo, e foi dessa forma que ele entrou na minha vida.
Eu não sabia a resposta para aquela pergunta.
Foi só quando o ambiente ficou estranhamente silencioso de repente que despertei, vendo-os outra vez à minha frente. Jim olhava com uma expressão satisfeita para Jamie, e Arthur parecia orgulhoso com alguma coisa ou alguém. Grace estava agindo discretamente, embora eu não entendesse do que exatamente se tratava sua discrição, dobrando guardanapos à sua frente e sorrindo um pouco abobalhada. Diego também lançava olhares estranhos para Jamie, e Jhulie, como sempre diferente dos outros, olhava diretamente para mim, com um sorriso e um olhar provocativos.
Eu havia perdido alguma coisa, mas não sabia o quê.
– Anel bonito, Dak.

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