Capitulo 29

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Capítulo 29
Pov. Dakota
TERCEIRO MÊS
Acordei com o canto de um pássaro em algum lugar. Não me lembrava de ter um sono assim tão leve, por isso a sensação de simplesmente ser arrancada dos meus sonhos tão facilmente era estranha. Mas não me importei.
Me espreguicei, ainda de olhos fechados, me virando completamente na cama e, no processo, dando de cara com Jamie.
Ele vestia um conjunto básico cinza - calça de moletom e camisa simples. Me lembrei que, na noite anterior, não cheguei a vê-lo tirar o paletó antes de nós dois cairmos no sono. Por isso, tudo indicava que ele já estava acordado havia algum tempo, embora seus cabelos ainda estivessem um pouco úmidos do banho que não o vi tomar.
Ele me encarava de forma séria. Seus olhos estavam tão claros e translúcidos aquela manhã que pareciam ser feitos de vidro.
– Adivinha? - Ele falou, ainda me encarando, a poucos centímetros de mim, com uma expressão de ansiedade e surpresa.
Ainda confusa pelo sono, não notei que ele parecia um pouco divertido. Por isso, aquela pergunta, me pegando desprevenida, fez com que eu me assustasse.
– Que foi? - Perguntei, já preocupada, tentando deixar minha voz clara, embora ainda muito rouca.
– Eu vou ser pai.
Encarei-o por um bom tempo, tentando colocar os pensamentos em ordem e finalmente entendendo o que ele estava dizendo. Enfiei o rosto no travesseiro e murmurei contra ele.
– Não me assusta assim!
Ouvi-o sorrir ao meu lado, enquanto beijava meu pescoço de um jeito fofo.
– Mas é verdade, não te contaram? - Ele começou, respirando contra meus cabelos, enquanto um braço envolvia a minha cintura - Eu vou ser pai mesmo!
– Me contaram. - Provoquei, ainda contra o travesseiro - Antes mesmo de contarem pra você.
Senti seu abraço afrouxar um pouco à minha volta.
– É... Eu devia estar lá nessa hora.
Encarei-o outra vez, talvez querendo me desculpar por alguma coisa.
– Eu não sabia o que era... Pensei que fosse outra coisa... Desculpa.
– Tudo bem... - Ele falou, penteando para trás com os dedos os fios do meu cabelo, mas ainda assim consegui ver um pequeno traço de uma tristeza verdadeira por não ter recebido a notícia junto comigo.
– Você pode acompanhar de perto a gravidez a partir de agora. Já é alguma coisa, né?
Ele sorriu de uma forma um pouco maléfica, e por um momento tive medo do que se passava na cabeça dele.
– Ah, não se preocupe. Eu vou estar muito presente.
No exato momento que minha resposta seria dada, o celular de Jamie tocou no criado mudo ao seu lado. Ambos olhamos para o telefone, mas nenhum dos dois se mexeu.
– Não vai atender? - Perguntei, quando me dei conta de que Jamie parecia um pouco longe daquela dimensão.
– Você acha que é necessário? - Ele me perguntou, com uma cara triste.
– Pode ser alguém importante. Alguém querendo falar com você.
Ele soltou um muxoxo de descontentamento e se afastou de mim com relutância, rolando na cama para alcançar o aparelho que ainda tocava a mesma música irritante.
– Ah, claro... - Ouvi-o dizer logo depois de identificar a quem pertencia a chamada. Quando ele voltou a deitar ao meu lado, destravou o aparelho e atendeu a ligação, sem, entretanto, posicioná-lo próximo ao ouvido.
Encarei a situação um pouco curiosa.
– Você está no alto-falante, mãe.
Era Grace. Talvez seu instinto materno a tivesse avisado que aquela era uma boa hora para ligar e se inteirar da vida do filho.
– Jamie... - Ouvi-a dizer, e sua voz parecia estranhamente controlada. Como se ela estivesse se forçando a não gritar - Jhulie me ligou...
– Eu estranharia se aquela fofoqueirazinha não tivesse ligado. - Ele rebateu de bom humor, encarando debilmente o celular, assim como eu.
Lembrei que, na noite anterior, Jhulie havia ligado para Jamie. Mas eu não sabia o teor da conversa que eles tiveram, porque além de ter sido rápida, muito poucas palavras haviam sido trocadas.
Então, Jhulie havia ligado para Grace. Mas o que ela tinha contado? E ainda, do que exatamente ela sabia?
– É verdade? - A voz chorosa de Grace soou outra vez, e subitamente respondi à minha própria pergunta mentalmente: Tudo. Jhulie sabia de tudo.
Jamie me encarou, como se me pedisse para prosseguir. Ponderei por um momento se deveria ser eu a dar a notícia a ela, mas como ele parecia animado com a idéia, fiz sua vontade.
– Oi Grace... - Comecei, apenas para informá-la de que eu também estava ali - Bem... Sim... É verdade.
Houve alguns segundos de silêncio, até que um grito agudo chegou aos nossos ouvidos através da ligação, fazendo com que Jamie distanciasse o aparelho e apertasse um botão - provavelmente cancelando o alto-falante -, calando imediatamente o gritinho da mãe do outro lado da linha.
Ele colocou o celular próximo ao seu ouvido, agora mantendo a conversa apenas entre os dois. Jamie sorria de uma forma tão feliz que, por mais que eu não soubesse o que Grace estava falando, senti vontade de sorrir também. Ainda assim, pude captar fragmentos do diálogo apenas analisando as respostas que ele dava. Coisas como "há quanto tempo", "quando vocês souberam" e "como Dakota está" com certeza foram perguntadas.
Momentos depois, Jim entrou na conversa também. Jamie parecia radiante em contar detalhadamente para os dois a novidade, e a cada resposta seu sorriso se alargava ainda mais, o que automaticamente fazia com que meu coração perdesse algumas batidas e minha respiração saísse em suspiros apaixonados. Vez ou outra ele olhava para mim, com um olhar de preocupação um pouco exagerado e esquisito. Nessas horas, tudo que eu fazia era sorrir para ele, apenas com a intenção de dizê-lo, sem interromper sua ligação, que estava tudo bem.
Foi quando, depois de muito tempo, fiz menção de me levantar, que ele pareceu mais apreensivo.
– Pai, tenho que desligar agora. Dakota quer ir ao banheiro. Até mais, um beijo.
E assim, sem mais nem menos, desligou, vindo ao meu encontro e se pondo de pé à minha frente. Encarei-o um pouco surpresa, imaginando Jim naquele exato momento ainda olhando para o telefone com um ar de "que porra foi essa?"
– O que foi aquilo? - Perguntei, ainda sentada.
– O quê?
– Você acabou de desligar na cara do seu pai.
– Não fiz isso. Me despedi. Só tive que fazer rápido antes que você se levantasse sozinha.
Continuei encarando-o como quem encara uma aberração.
– E se eu me levantasse sozinha...? - Perguntei, de forma pausada.
– Você está grávida! - Ele respondeu de forma simples, como se aquele argumento finalizasse a discussão, sem chances para mais debates.
Fiquei em silêncio, ainda o encarando.
– Jamie?
– Sim?
– Não seja esquisito.
– Quê? Não estou sendo esquisito! Tenho que tomar conta de você.
Ainda fitando-o, achei melhor não dar corda àquela discussão. Cedo ou tarde ele veria que estava exagerando, então aceitei sua ajuda - mesmo desnecessária - e me levantei da cama, caminhando até o banheiro para fazer minha higiene matinal.
Foi preciso convencê-lo de que não havia necessidade de todo aquele cuidado quando Jamie se mostrou relutante em sair do banheiro. Tentei explicar, da maneira mais educada possível, que eu queria fazer xixi e tomar banho sem que ele ficasse como um maníaco psicopata no canto me assistindo.
– Então deixe a porta encostada.
Consenti, já rindo daquele absurdo, porque era muito engraçado vê-lo me tratando como uma pequena bomba-relógio. Ainda assim, não houve como não me sentir extremamente feliz por constatar que meus medos idiotas da noite anterior, que se resumiam nele averso à idéia de ser pai, foram simplesmente por água abaixo. Ele havia não só aceito, como ficado feliz. Muito feliz. Seus olhos não conseguiam esconder isso, o que só aumentava - e muito - a minha própria felicidade.
Quando saí, me deparei com uma mesa cheia das mais diversas comidas, o que, segundo Jamie, era para "suprir qualquer vontade que eu pudesse vir a ter". Tentei dizê-lo que aquilo era demais, provavelmente podendo ser servido para três pessoas, mas ele não pareceu me ouvir.
– Faltam algumas frutas, mas talvez hoje mesmo eu vá comprar... - Ele começou, um pouco distraído enquanto tentava equilibrar tudo aquilo em cima da bancada da cozinha.
– Jamie?
– Oi, amor? - Ele disse, se virando para mim como se o que eu estivesse prestes a dizer fosse a coisa mais importante do mundo.
– Não precisa comprar mais nada. Eu não vou conseguir comer nem um décimo disso tudo.
– Como não? Você está grávida!
Então, aquele era o seu mais novo argumento para qualquer assunto que estivesse em pauta.
– Jamie - repeti, com toda a paciência e o amor que eu sentia por ele -, o bebê está no meu útero. Não no meu estômago.
– Mas grávidas sentem mais fome...
– Não acho que eu já esteja nessa fase. Eventualmente vou vir a me sentir dessa forma, mas por enquanto...
– Bom - ele me interrompeu -, então tenho que me preocupar pelo menos com a variedade. Digamos, por exemplo, que você resolva sentir desejo de comer... Sorvete de macadâmia.
Encarei-o sem saber direito como agir, mas fazendo uma força sobre-humana para não gargalhar.
– Jamie - repeti seu nome mais uma vez, tentando fazer com que ele entendesse que sua atitude estava atingindo um grau de exagero quase preocupante - eu nunca comi uma macadâmia na minha vida. Não sei nem o gosto disso.
– Bom, nós temos que tratar todas as possibilidades, não é? - Ele disse calmamente, me fazendo sentar na cadeira que segurava e se sentando ao meu lado, mais próximo a mim do que o normal.
– Você sabe que tratar todas as possibilidades é impossível, não é? - Perguntei, começando a realmente me preocupar com o que ele dizia.
– Eu sei, amor. Mas sei que tem coisas que eu posso fazer, e vou fazer tudo que estiver ao meu alcance. - Ele disse distraidamente, puxando gentilmente para cima meu casaco e espalmando a mão ali - Você está se sentindo bem hoje?
– Sim.
– Nenhum enjôo?
– Não por enquanto.
– Certo. - Ele pontuou, ainda encarando sua mão na minha barriga. Ficou em silêncio por algum tempo, e depois voltou a falar - Precisamos ir a um obstetra.
– Duda recomendou o que acompanhou as duas gestações dela.
– Ótimo. Vou ligar pra ela pedindo o contato.
Esperei que ele retirasse a mão dali e fosse se servir de seu próprio café-da-manhã, mas Jamie parecia estranhamente congelado naquela posição, seus dedos ainda grudados na pele da minha barriga.
– Não vai comer nada? - Perguntei, tentando trazê-lo de volta.
– Já comi. Enquanto você estava dormindo. - Ele respondeu, me encarando rapidamente e, depois, voltando a olhar para o meu umbigo.
– Certo... - Falei mais para mim mesma, temendo que Jamie estivesse começando a desenvolver um certo autismo.
Me servi como pude de suco de maçã e torradas com requeijão. Ele permanecia imóvel, apenas observando o que eu comia e em que quantidade. Me perguntei se ele estava ciente de sua mão fazendo carinho na minha barriga, e se acreditava que o bebê ali dentro podia senti-lo.

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