Capitulo 28

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Capítulo 28
Pov. Dakota

Eu continuava encarando o rosto gordo e bondoso daquele médico.
Qual era o nome dele mesmo?
Bem, não importava. Nada importava.
Porque eu estava grávida.
– Era o que eu imaginava.
Aquela parecia ser a voz de Duda.
Ah, sim. Duda. Ela estava ao meu lado.
Mas não importava.
Porque eu estava grávida.
– Dak?
A voz dela soou ao meu lado outra vez. Até onde eu lembrava, aquele era o meu nome.
Eu deveria responder?
Ela estava me chamando. Mas o que importava?
Pigarreei de forma suave, apenas para fazer algo além de respirar. Me pareceu ser a coisa mais fácil a fazer.
Tentei raciocinar, mas obviamente não consegui. Ainda assim, fui capaz de pronunciar a única resposta que meu cérebro havia conseguido formular, em uma voz tão assustadoramente calma que só tornava mais claro o tamanho do meu desespero.
– Isso é impossível.
Talvez aquilo fosse uma óbvia prova de que eu duvidava dos conhecimentos médicos do Dr. Carter. Talvez ele se enfurecesse comigo, mas eu não estava exatamente me importando com isso. Mesmo assim, ele não pareceu se abalar com minha descrença, e seu sorriso permaneceu sincero.
– Ah, não. Não é. Não estou dizendo que você pode estar grávida. Estou dizendo que você está.
Eu inspirei.
E expirei.
E inspirei outra vez.
– Não existe a possibilidade de ser outra coisa? - Perguntei, calma e pausadamente.
– Não. O que você acabou de fazer foi, além de outras coisas, o exame Beta hCG. Ele diz se você está ou não grávida, e qual o estágio da sua gravidez, através da medição da quantidade do hormônio hCG no seu corpo. Seu resultado deu, indubitavelmente, positivo.
– O resultado desse exame... - Comecei, de olhos fechados - Constatou que eu tenho esse hormônio?
– Veja bem, o hCG é produzido não só na gravidez...
– Então eu posso não estar grávida! - Interrompi-o sem a menor educação, desesperada para me agarrar àquele pequeno pedaço de argumento.
Ele me olhou pacientemente e sorriu ainda mais, como se eu tivesse algum retardo mental.
– O valor de referência do hormônio em mulheres não gestantes é inferior a 25 mUI/mL. O seu deu aproximadamente 17.000 mUI/mL.
Encarei-o como uma imbecil. Tentei pensar em algo que servisse como argumento, mas raciocinar parecia muito difícil.
"Não é óbvio? Você está grávida".
"Você está grávida".
"Grávida".
– Dak? - Duda chamou de novo. De novo, não respondi.
– Doutor? - Chamei.
– Pois não? - Ele respondeu, sorrindo.
– Isso é impossível. - Concluí, esperando que ele me mandasse ir à merda a qualquer momento.
– Por que acha ser impossível? - Ele perguntou, ainda muito agradável.
– Porque eu tomo anticoncepcionais. - Respondi, com um ar de triunfo.
– Desde quando?
"Desde sempre", eu queria responder. Mas pensando bem, aquela não era a resposta certa.
Eu sempre havia tomado pílulas contraceptivas. Era necessário na minha antiga "profissão". Mas lembro, claramente, de ter interrompido o uso delas assim que decidi me livrar da imagem de prostituta, depois que Jamie foi embora.
– Eu sempre tomei. Parei com a medicação por algum tempo, mas depois voltei a tomar.
– E durante esse período sem as pílulas, você teve relações sexuais sem o uso de preservativo?
– Não. Não tive relações sexuais com ninguém nesse período. - Respondi categoricamente, desejando mais do que tudo que eles acreditassem em mim. Duda principalmente.
– E não esqueceu de tomar a pílula algum dia, depois que retomou suas relações?
Não precisei fazer muita força para lembrar o único dia em que eu havia, de fato, esquecido de tomar a pílula: Justamente o primeiro dia que resolvi voltar com os contraceptivos. O que correspondia, justamente, ao dia em que Jamie havia me encontrado outra vez.
Eu começaria uma cartela nova exatamente naquela ocasião. Mas as circunstâncias obviamente me distraíram e me fizeram esquecer completamente daquilo. Voltei a lembrar apenas um dia depois, só então iniciando de fato a cartela.
Mas mesmo assim...
– No dia que reencontrei Jamie.. - Comecei, como se o Dr. Carter soubesse quem Jamie era - Eu esqueci de tomar. Seria o primeiro dia da cartela... Mas nós usamos camisinha!
– E continuaram usando nas relações posteriores?
– Não... Nós transamos sem preservativo no segundo ou terceiro dia da cartela. - Falei, já lamentando pela minha resposta, e me apressando em adicionar - Mas ele gozou fora! O senhor acha que foi aí...?
– Não. As chances são remotas. Você disse que já estava acostumada a usar pílulas havia algum tempo, então acho que desde o momento que reiniciou com o primeiro comprimido, já estava sob o efeito do anticoncepcional.
– Então... - Comecei, querendo alguma resposta.
– Então, acho que tem algum detalhe que você esteja esquecendo. Alguma brecha. O que posso garantir no momento é isso: Você está grávida.
Ouvir aquilo mais uma vez fez com que, de novo, meu coração perdesse uma batida. Mas dessa vez, talvez porque agora meu cérebro já havia voltado a trabalhar, aquelas palavras não me machucaram.
Não foi desesperante. Foi apenas surpreendente.
Senti alguma coisa dentro de mim. Alguma coisa boa. Como se uma energia desconhecida tivesse mergulhado dentro do meu corpo e me dado uma sensação de esperança. Uma sensação que, mesmo me assustando, me deixou feliz.
Instintivamente, trouxe minha mão esquerda até a barriga, obviamente ainda muito lisa pelo estágio pouco avançado da gravidez. Olhei para ela como quem espera por um susto iminente.
– Não sei porque está tão nervosa - Ouvi-o dizer -, tenho certeza que seu marido vai adorar a notícia.
Meu marido?
Eu não tinha marido.
Ah, sim. A aliança no anelar esquerdo. Ele havia reparado.
Mas como dizer a ele que eu não era casada? Como dizer a ele que aquela criança não estava nos planos de ninguém? Que havia sido um acidente?
E como confessar a ele meu medo da possibilidade de Jamie não querer aquele filho?
– Há quanto tempo... - Comecei, ainda encarando debilmente minha barriga.
– Só é possível saber o tempo de gestação certo com uma ultra-sonografia. Mas pelos níveis do hormônio no seu sangue, calculo que esteja em torno da oitava ou nona semana.
– Isso dá dois meses completos. - Agora quem falou foi Duda - Dak não sentiu falta da sua menstruação?
– Eu não menstruo. - Respondi mecanicamente - Emendo uma cartela na outra, não tenho sangramento por privação.
E foi pensando naquela resposta que um pânico crescente tomou conta de mim.
– Meu Deus... Eu tomei anticoncepcionais grávida!
– Calma. - Ouvi a voz do Dr. Carter tentando me acalmar - Não tinha como você saber.
– Mas vai fazer mal ao bebê! - Argumentei, um pouco desesperada.
– Não vai. Você está no início da gravidez, o feto não vai ser prejudicado. Basta parar com as pílulas agora que sabe que vai ser mãe.
– Eu bebi também... - Comecei a lembrar de todas as merdas que tinha feito, e senti a pressão na minha cabeça aumentar.
– Quanto? - Ele perguntou.
– Três taças de vinho no Reveillon - Olhei para Duda sem motivo algum - E uma taça também em uma outra noite...
– Você costuma beber?
– Não! - Me apressei em responder - Isso foi tudo que bebi.
– Tudo bem. Contanto que também não beba mais a partir de agora. Você fuma ou usa algum tipo de drogas?
– Não.
– Ótimo. Não se auto-medique, algumas substâncias podem fazer mal ao feto. A primeira coisa que você deve fazer agora é procurar um obstetra. Ele vai guiá-la melhor. E não se preocupe, seu bebê não corre risco.
Meu bebê não corre riscos. - Repeti para mim mesma - Meu bebê.
Eu estou grávida.
– Mais alguma dúvida, Dakota? - Ouvi a voz bondosa do médico me tirar dos meus devaneios.
– Sim... Aquela porta é o banheiro?
Torci para que fosse, porque não esperei por sua resposta. Corri para lá e consegui alcançar o vaso sanitário antes de vomitar no azulejo do chão.
Duda veio me socorrer, segurando minha testa com delicadeza. Não vomitei muito, mesmo porque tinha comido muito pouco.
– Espero que isso não seja nervosismo. - Ela concluiu, me ajudando a levantar, e deixando claro que sabia que aquilo se dava, sim, pelo meu estado emocional.
– Como eu vou falar pra ele? - Perguntei, não conseguindo esconder o medo - Nós só paramos de usar camisinha porque eu dei a ele a certeza de que usava essas merdas de pílulas...
– Calma. - Duda me interrompeu - O que você acha, que ele vai te culpar? Jamie não é idiota.
Não era questão de ser idiota. Era questão de confiança. Ele tinha confiado em mim, tinha certeza que não seria pai por acidente. Como eu explicaria aquilo a ele? Como, se nem eu mesma entendia o que havia acontecido?
Saí do centro médico com os votos de "boa gestação" do Dr. Carter. Senti a ficha cair aos poucos, como se fosse algo impossível de aceitar de uma só vez. Uma gravidez não estava nos planos de ninguém: Muito pelo contrário, estava sendo evitada. Por isso, não consegui deixar a ansiedade de lado durante todo o percurso de volta ao apartamento de Jamie.
– Ok, eu tenho que falar. Desculpe, não queria trazer isso à tona...
Virei para ela pela primeira vez, pega de surpresa pela voz de Duda. A viagem havia sido silenciosa até aquele ponto. Eu ainda estava digerindo a informação, tentando desesperadamente traçar algum plano para quando Jamie viesse com perguntas como "Onde vocês estiveram a tarde toda?", e, depois da resposta, algo como "E afinal, qual foi o diagnóstico?".
– Que foi? - Respondi, tentando organizar as idéias. O que Duda falava quase sempre era importante, mas naquele momento eu não conseguia dar importância a praticamente nada. Nada que não fosse relacionado à coisinha minúscula que se formava dentro de mim.
– Me desculpe... - Ela repetiu, tentando manter os olhos na rua à nossa frente - Eu sei que não é da minha conta, sei que não tenho que me meter na vida que você e Jamie levam... Mas é sobre o filho de vocês...
Nosso filho. Meu e de Jamie.
Nosso.
– E sei que é desagradável trazer de volta algumas coisas... - Duda recomeçou - Mas você tem que se certificar de que... Bom, de que não tem nada. Você sabe... Mulheres como você... Você antigamente, claro... Você pode ter alguma doença... E o bebê...
Foi a primeira vez que vi Duda gaguejar. Ainda assim, não me deixei abalar com aquela lembrança. Ela não era suficientemente importante para isso. Eu estava grávida, e muito poucas coisas além disso importavam realmente. E embora fosse inegável que "se meter" era exatamente o que ela estivesse fazendo, ainda assim eu a entendia. Era claro que Duda estava certa: Alguma doença poderia fazer com que o feto corresse riscos.
– Eu estou limpa. - Falei num tom baixo, me voltando para a janela do carona e observando as árvores que ficavam para trás - Sempre fiz exames periodicamente. O último foi feito depois que Jamie foi embora. E depois que isso aconteceu, eu não estive com ninguém.
Pelo que eu podia ver da minha visão periférica, ela me encarava com interesse enquanto esperava o sinal abrir. Não dei importância.
– Desculpe... - Ela falou.
– Tudo bem. Eu não me importo.
E não me importava mesmo. Simplesmente porque nada era importante o suficiente.
Eu estava grávida.
De Jamie.
– Por que está sorrindo? - Ouvi Duda perguntar, outra vez colocando o carro em movimento.
– Por nada. - Respondi, tentando afastar a imagem que se formava na minha cabeça de um bebê gordo, rosado e sorridente, gargalhando enquanto Jamie beijava sua minúscula barriga entre travesseiros fofos. Nos meus pensamentos, ele parecia feliz com a novidade. Nos meus pensamentos, ele me abraçaria e diria que me amava. E diria que aquele filho era a melhor coisa que eu podia ter dado a ele.
Nos meus pensamentos, tudo seria perfeito.
Mas nem sempre as coisas aconteciam de acordo com os meus pensamentos.
– Chegamos.
A voz de Duda me trouxe à realidade outra vez. Estávamos estacionadas na calçada a poucos metros do prédio de Jamie. Olhei em volta e notei que ela me observava.
– Ah... Obrigada. - Falei, sem nem saber direito pelo que estava agradecendo. Saltei do carro com ela em meu encalço, nós duas correndo para dentro do prédio na tentativa de escapar do vento frio que o crepúsculo trazia.
A pequena viagem até o apartamento foi silenciosa. Duda parecia querer me dar algum espaço, deixando que eu falasse primeiro caso quisesse. E eu não sabia se queria continuar em silêncio, me dando a liberdade de continuar formando imagens aleatórias de Jamie com o bebê, ou se queria conversar sobre aquilo, me forçando a voltar à realidade e discutir sobre o que eu deveria ou não esperar daquele assunto.
Optei pelo silêncio, pelo menos até tomar um banho e esfriar um pouco a cabeça. Milhões de pensamentos borbulhavam dentro de mim - dentre eles dúvidas, medos e alegrias - mas eu sabia que cedo ou tarde teria que retomar o controle.
Passei as informações lentamente debaixo do chuveiro, falando em voz alta comigo mesma na tentativa de absorver melhor a verdade.
Eu estava grávida.
De Jamie.
Meu filho não corria perigo.
Eu estava grávida.
De Jamie.
Eu estava grávida.
Eu estava grávida.
Repousei as mãos na barriga outra vez, sentindo a água morna escorrer por ela. Olhei debilmente para o lugar, sentindo mais alegria do que alguém normal sentiria ao encarar um pedaço de pele.
Eu estava grávida.
Aquilo era assustador.
Aquilo era maravilhoso.
Quando me dei conta, já estava chorando. Tentei conter as lágrimas bravamente, porque sabia que qualquer emoção forte poderia refletir no meu bebê.
E eu não colocaria em risco o meu bebê.
Nunca.
As lágrimas foram diminuindo. Junto com elas, diminuíram também as batidas aceleradas do meu coração. Respirei profundamente de forma repetida, buscando o controle perdido sem querer.
Eu estava grávida.
Havia alguém dentro de mim. Alguém muito importante. Alguém que era meu, e que carregava um pouco de Jamie também. Alguém que unia nós dois, a prova de que eu pertencia a ele. A prova de que ele era meu também.
Eu estava grávida.
E estava aceitando o fato de ficar mais feliz a cada minuto.
– Dakota? Está tudo bem?– A voz de Duda teimou em me puxar para a realidade.
– Sim... Já estou saindo! - Consegui responder, tentando lidar com a felicidade que inflava meu peito como um balão de gás. Era estranho, e ao mesmo tempo delicioso.
– Grite se precisar de alguma coisa!
Me enxuguei de qualquer jeito, sem prestar atenção em muita coisa. Vesti o conjunto de moletom que havia deixado no gancho atrás da porta e saí, me sentindo estranhamente como uma bomba-relógio.
– Está sentindo alguma coisa? - Ela perguntou.
Neguei com a cabeça, indo me deitar entre as almofadas e o edredom arrumados por Duda. Ela veio se sentar ao meu lado.
– Bom... - Ela começou.
– Bom. - Falei, apenas para emitir algum som.
Ela me encarou por algum tempo, provavelmente pensando em como começaria a conversa.
– Então você está grávida.
Senti um leve arrepio percorrer minha espinha ao ouvir o som daquelas sílabas outra vez, mas não estremeci. Era um arrepio bom, e as palavras dela quase me fizeram sorrir.
– É...
– Como não notou antes?
– Eu não sei. Provavelmente por achar ser impossível.
– Os sintomas são bem óbvios. - Ela sorriu, achando realmente graça naquilo - Não sei como Jamie não notou. Ele é observador.
Jamie.
Ele não havia notado. Mas era hora dele saber o que eu sabia.
– Não sei se devo contar a ele... - Comecei, pensando realmente pela primeira vez na possibilidade da notícia não ser recebida da forma positiva que minha imaginação ilustrava.
Duda me olhou como se eu tivesse falado algum absurdo.
– Como assim? Ele tem que saber!
– A reação dele...
– Seja ela qual for, ele tem que saber! Ele é o pai. Você não fez isso sozinha.
Jamie é o pai. Do meu filho.
– Duda ele confiou em mim quando eu disse que não aconteceria...
– Acidentes acontecem. Se você não esqueceu de tomar nenhuma pílula, então foi alguma outra coisa. Alguma coisa que vocês têm que descobrir juntos.
– Mas... - Comecei, mas me calei quando tive a impressão de ver a paciência de Duda diminuindo.
– Do que você tem medo afinal? - Ela perguntou, genuinamente confusa.
Ela não sabia, mas eu estava receosa quanto a muitas coisas. Jamie poderia se sentir enganado. Será que ele poderia achar que eu havia feito aquilo de propósito, unicamente para garantir que ele não me deixasse? Será que ele poderia achar que aquilo era algum tipo de golpe por interesse? Ou pior, achar que eu já estava grávida antes de encontrá-lo?
Será que ele poderia pedir para que eu não tivesse aquele filho?
O nosso filho?
– Você está bem? - Duda voltou a me perguntar, mas dessa vez, minha linha de raciocínio não foi interrompida.
Eu não estava bem. Por que estava tendo aquelas dúvidas absurdas? Por que estava deixando que uma insegurança tão antiga voltasse com tanta força em um momento tão importante da minha vida? Jamie e eu trabalhamos nisso por algum tempo, eu não deveria cometer esse deslize.
Por que eu estava pensando naquilo? Ele me amava. Deixava isso claro quase todos os dias, mesmo com minhas múltiplas personalidades por causa da gravidez. E mesmo que fosse uma gravidez que ele não soubesse, e mesmo que aquilo não tivesse sido planejado... Ele nunca, nunca reagiria daquela forma.
Ele não era assim. Eu o conhecia.
Duda se materializou na minha frente, me oferecendo um copo d'água.
– Você não está bem. Toma isso.
Aceitei a oferta e bebi a água de uma vez. Ela me encarava como quem encara uma... grávida esquisita.
Eu não poderia verbalizar aqueles medos a ela. Eu me sentiria constrangida até mesmo de cogitar aquelas possibilidades em voz alta. Principalmente para Duda.
– Não sei o que você tem em mente, mas pelo que conheço de Jamie - que não é pouco - eu posso te dizer isso...
E então, o celular dela tocou outra vez. E o que quer que ela fosse me falar ficaria para outra hora.
– Todo seu. - Ela falou, me estendendo o aparelho.
– Quê? - Reagi assustada - O telefone é seu! Ele quer falar com você!
– Ele quer falar sobre você. E tenho certeza que com você ele não vai ser um troglodita.
Encarei-a, ainda receosa.
– Ele nunca foi um troglodita... - Comecei, mas fui interrompida por um sorriso de vitória em seu rosto.
– Com você. Às vezes Jamie fica um pouco grosso quando está preocupado.
Encarei o telefone, vendo o nome dele piscar no visor insistentemente.
Agi por impulso, pegando o celular de suas mãos e deslizando a trava virtual para atender a ligação.
Ouvi os berros de Jamie antes que pudesse dizer alguma coisa.
– VINTE E OITO LIGAÇÕES, EDUARDA! PORRA! ONDE CARALHOS VOCÊ SE ENFIOU?
– Jamie... - Tentei interrompê-lo com uma voz tímida, mas ele estava puto demais para lembrar que aquilo deveria ser um diálogo.
– O QUE VOCÊ ESTÁ ESCONDENDO? ONDE ESTÁ A DAKOTA? PUTA QUE P...
– Jamie! - Falei mais alto.
– Alô? Dak? - Ele respondeu, um pouco confuso, tentando agora fazer com que sua voz voltasse a um tom civilizado - Oi, amor. Pensei que fosse Duda. Por que não atendeu o seu celular? Eu fiquei preocupado... Você está bem?
– Estou bem. Desculpa. Esqueci o telefone em casa.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos.
– Esqueceu "em casa"? Você não está em casa?
Merda.
– Estou... Agora. - Respondi, lembrando que eu mentia tão mal que não valia a pena tentar inventar alguma coisa de última hora. Só tornaria as coisas piores.
– Você saiu?
– É... Eu dei uma saidinha. Duda foi comigo...
Mais silêncio. Esse um pouco mais longo.
– Pra onde vocês foram?
– Pra onde nós fomos? - Repeti a pergunta, olhando para Duda na esperança que ela sussurrasse para mim qualquer mentira. Pelo menos até o momento em que ele voltasse para casa e eu resolvesse contar a verdade - ou partes dela. Mas Duda continuou me encarando com aqueles olhos azuis calmos, e então entendi que ela não me ajudaria.
– É. Pra onde?– Ele insistiu.
– Nós demos uma passada no médico...
– Você piorou! Eu sabia! O que aconteceu? O que você tem? Eu sabia que isso ia acontecer!
– Jamie?
– Estou chegando em casa, não saia desse apartamento! Não saia da cama! Eu não devia ter ido trabalhar!
– Você está chegando? - Congelei, encarando Duda em pânico. Ela pareceu tão calma quanto antes.
– Estou! Não deixe Duda ir embora antes que eu chegue! Não quero você sozinha! MERDA!
Ouvi uma buzina alta e alguns palavrões proferidos das profundezas dos pulmões de Jamie.
– Você pode se acalmar? - Pedi, agora preocupada - Dirigir nesse estado...
– Eu estou calmo!– Ele falou, quase berrando - Você está bem?
– Já disse que sim. Por favor, se acalme.
– Vou me acalmar quando chegar em casa. Até mais. Te amo.
E desligou.
Olhei para Duda sem saber o que dizer.
– Não se preocupe. Ele é um ótimo motorista até quando está nervoso.
– Acho que ele quer te matar. - Falei, sem prestar muita atenção.
Ela sorriu, completamente despreocupada.
– Isso acontece de vez em quando.
Entreguei o celular a ela e me encostei na cabeceira. Aquela situação já era delicada na sua essência. O fato de Jamie estar tão nervoso só piorava, e muito, a minha ansiedade.
– Bom... - Ela quebrou o silêncio - Em primeiro lugar, precisamos entrar em contato com o seu ginecologista...
Encarei-a um pouco contrariada. Eu não queria entrar em contato com o meu ginecologista antigo. Ele me fazia lembrar de coisas que eu não gostava, já que, além de mim, era também o médico das outras meninas.
– Você não pode me indicar um novo? - Perguntei, tentando afastar aquelas lembranças.
– Claro. A minha ginecologista é muito boa...
– Ótimo. - Concluí rápido demais. Ela me encarou e eu tive certeza de que Duda entendeu alguma coisa.
– E um obstetra. - Ela se apressou em falar, querendo encerrar aquele assunto - O obstetra que acompanhou minhas duas gestações também é excelente. Vou deixar os telefones com Jamie.
– Obrigada. - Falei, olhando-a nos olhos e já sentindo uma pontada de emoção aflorando em mim - Por tudo.
– Não há de quê. - Ela respondeu simplesmente, sorrindo de forma agradável - Você vai contar a ele, não vai?
Considerei a pergunta por algum momento, pensando qual seria a melhor coisa a se fazer. Cheguei à conclusão que não adiantava: Ele teria que saber, uma hora ou outra. Então, o quanto antes isso acontecesse, melhor.
– Vou...
– Certo. Quer fazer isso sozinha ou...
– Não! - Interrompi-a - Fica aqui, por favor.
Ela assentiu. Duda sabia que ela tinha que ficar, simplesmente porque só ela sabia como lidar com Jamie naquelas condições. Eu nunca o tinha visto tão nervoso, mas tinha certeza que ela já estava acostumada a vê-lo e a lidar com ele daquela forma.
Começamos uma conversa sobre gravidez. Agradeci por Duda compartilhar sua experiência de duas gestações, dando conselhos e me informando de tudo o que era desaconselhável fazer. E cada vez que ela falava algo como "o bebê de vocês", minha mão voava mecanicamente para a barriga e acariciava distraidamente o lugar.
E então, ouvi o barulho de chaves impacientes na fechadura da porta da sala.
Meu coração deu um salto.
– Não se preocupe. - Duda tentou me acalmar - Qualquer coisa eu dou uma chave de pescoço nele.
Ela sorria enquanto dizia aquelas palavras, mas em nenhum momento duvidei que ela pudesse ser mesmo capaz de fazer aquilo.
– Amor! - Jamie irrompeu pelo quarto, já tirando o sobretudo e correndo na minha direção. Ele passou por Duda sem dizer uma única palavra e foi se sentar ao meu lado, me dando um beijo no rosto.
– Eu estou bem. - Falei na tentativa de tranquilizá-lo, enquanto ele encostava sua mão no meu pescoço e na minha testa para se certificar de que eu não tinha febre.
– O que você tem? - Ele perguntou, e senti pena dele pelo estado de nervos em que se encontrava. Se a simples ideia de uma doença fazia com que Jamie agisse daquela forma, o que aconteceria quando ele soubesse a verdade?
Será que eu deveria responder à pergunta dele?
"O que eu tenho? Um bebê."
– Calma... - Comecei, limpando a garganta - Eu não estou doente.
– Não? Então o que você estava sentindo passou?
Olhei para Duda, um pouco desesperada. Ela fez um movimento que me dizia para prosseguir, e vê-la ali me acalmou um pouco.
– Não passou. - Falei - E acho que não vai passar antes de aproximadamente sete meses.
Ele me olhou com uma expressão que eu só lembrava ter visto na minha mãe, quando tive pneumonia com seis anos. Era uma expressão de preocupação tão intensa que eu sabia que ele estava sofrendo. Por isso, mesmo que toda a ansiedade do mundo estivesse martelando contra o meu peito naquele momento, respirei profundamente e tomei a coragem de falar o que ele tinha que ouvir. Nem que fosse para acabar com aquela tortura.
– Eu estou grávida.

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