Capítulo 2: Lorena

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Dizer que eu estava chateada era pouco.

Tinha sido levada à delegacia, interrogada por um policial que cheirava a queijo velho e tomado milhares de latas de Coca-Cola para não dormir em pé. Sem contar que minha perna formigava com os pontos que a enfermeira tinha feito e com a porcaria do gesso. Meus pais tinham demorado cerca de duas horas para aparecerem por lá, e nossa casa não ficava nem a seis quarteirões dali. Charles, o policial gorducho e melhor amigo do delegado, me olhava com pena, e isso estava me deixando irada.

Aquele imbecil do Hunter tinha me deixado na mão, e por causa disso Matt estava em uma cela da delegacia esperando por sua hora de dar depoimento. Certamente sua avó apareceria pela manhã montada num cavalo branco e o tiraria dali, mas, por conta do trato que eles tinham, ela deixaria de pagar sua faculdade, e isso dificultaria bastante as coisas para ele e para o movimento, visto que era no campus que fazíamos nossas reuniões quinzenais e era com o dinheiro da prefeita que mantínhamos os custos de tudo.

A culpa havia sido minha. O plano estava bolado e eu não participaria dele, mas me encheu de raiva ver que Matheus levaria a vagabunda da Isabela como ajudante. Então eu fiz o maior alarde para ir no lugar dela, e ele acabou cedendo porque ameacei contar para a polícia.

O negócio era simples: Entrar no laboratório, soltar os bichos e pichar as paredes. Mas Matt resolveu que fumar em lugar proibido seria bonito, e na verdade foi uma tremenda merda quando as cortinas começaram a espalhar fogo por tudo quanto era canto. Quis ficar para tentar impedir que o fogo se espalhasse e tivemos uma briga das brandes. Eu queria salvar minha escola, e ele estava "tocando foda-se" para ela. Então saiu correndo quando o teto começou a desabar, e até tentou me convencer a ir com ele, mas eu preferi ficar. Então ele não tinha visto que eu estava em perigo quando foi embora. Assim eu acreditava.

Namorava Matt há cerca de um ano. Na época eu tinha quinze e achava que mais ninguém no mundo poderia ser mais maravilhoso do que ele. Era lindo com seus cabelos compridos, presos em rabo de cavalo e um ar despreocupado, como se tivesse acabado de sair de Hair e cantasse A Era de Aquarius enquanto fumava um baseado. Sim, ele fumava um bocado e de início aquilo me deixava louca. Tentei fazê-lo parar, mas eu era a namorada que tinha cinco anos a menos do que ele e que nunca tinha desobedecido as regras até conhecê-lo. Uma vez tentei fumar, e depois de ter me engasgado feio, achei uma merda e dei uma desculpa de que aquilo não era para mim. Então ele e Isabela iam para qualquer cantinho e fumavam soltando as falas engraçadas depois, como se tivessem tentando segurar o ar pela maior quantidade de tempo possível.

E se eu contar que nos conhecemos na igreja talvez ninguém acredite, mas foi verdade.

A avó é frequentadora assídua da congregação do meu pai e uma completa apaixonada pelos sermões fervorosos de Heitor Sanchez. Matt ia junto dela todos os domingos, mas sempre o via com seus livros de filosofia abertos no colo na hora do culto. Um dia ele se virou para mim e sorriu, fiquei vermelha e sorri de volta. No final ele perguntou se eu gostava de Karl Marx, e foi quando falei que nunca tinha lido nada dele. Matt me apresentou as obras e as teorias, e eu me senti entrando em um espaço novo onde meninas têm mais a oferecer ao mundo além de dotes culinários. Três meses depois estava namorando o cara e completamente encantada.

Deixei de usar vestidos, parei de participar do coral da igreja, fiz uma tatuagem perto da bunda de uma fada psicodélica e coloquei um piercing no nariz, que meu pai fez questão de arrancar no mesmo dia. Ainda bem que ele nunca tinha visto a tatuagem, ou talvez eu estaria sem bunda também. Entrei para o movimento que Matt tinha criado e passei a ser chamada de "A mina do Brow", seja lá o que isso significasse. Passei a ser mais rebelde e transloucada do que jamais fui na vida por conta da influência marxista deles. Ganhei uma eleição acirrada e virei editora chefe do jornal da escola. Era lá que usava a influência da mídia para convocar novos membros para o nosso grupo, e na verdade era a coisa que mais gostava naquele lugar cheio de gente idiota. Foi lá que tomei a decisão que queria ser jornalista, e para isso estava tentando recuperar minhas notas, que começaram a cair depois que meu namoro com Matt passou a atrapalhar os outros lados da minha vida. Esse era o discurso do meu pai.

A Mais Bela MelodiaTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang