Capítulo 21: Klaus

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— Posso dar uma palavrinha com você?

Meu pai não era de dar palavrinhas, mas eu suspeitava que depois de dois dias sem me ver sair com meus amigos, trancafiado em um quarto apenas com o violão, ele estava preocupado.

— Claro — Respondi encostando o violão na base e enganchando a palheta nas cordas.

Ele andou devagar pelo quarto, analisando as paredes. Os pôsteres de bandas e minha coleção de livros da Agatha Christie. Parou quando chegou ao biombo de séries de televisão, que era outro dos meus vícios. Tinha todas as temporadas lançadas de The Big Bang Theory, Guerra dos Tronos, Supernatural e That's 70' show. Raul dizia que não eram seriados muito másculos, a não ser talvez Guerra dos Tronos por conta da carnificina, mas eu nunca liguei para esse tipo de coisa. Acho que conviver anos com Adônis tinha moldado isso em mim.

Meu pai parou no pé da cama e se sentou bem lá na pontinha, em direção à porta, caso precisasse sair correndo. Não era o tipo de pai de conversas e conselhos, e talvez eu tivesse aprendido a conviver com isso, mas era tudo o que mais queria naquele momento: Alguém vivido que me dissesse o que tinha de errado com meu mundo nos últimos dias.

— Sobre a corrida...— Ele começou, mas eu o cortei.

— Olha pai, não precisa me passar um sermão. Eu sei que eu errei, e me desculpe por ter te deixado preocupado. Eu quase machuquei Lorena e... — Suspirei baixando a cabeça e encarando a colcha da cama listrada. Não estava arrependido de ter estado naquele lugar com ela, de jeito nenhum, mas se algo acontecesse a Lorena por minha culpa, simplesmente piraria. — Eu fui irresponsável e mereço o castigo que você me der.

Ele me olhou por um tempo, procurando a mentira nos olhos que ele achava que tinha. Meu pai era um policial, logo um exímio catador de mentiras faciais. Mas ele não encontrou na minha porque não existia.

— Quando você tinha uns sete anos já estava andando de bicicleta melhor do que metade dos garotos da vizinhança. Sempre fazia as manobras mais incríveis e deixava os pais dos outros garotos com inveja dessa capacidade pró-ativa que você tinha. — Ele estava viajando no tempo, e eu deixei porque quase nunca ele falava da minha infância. — Então uma vez você ficou péssimo por causa de uma briga na escola onde o assunto havia sido sua mãe. Nunca foi o tipo de garoto que chora pelos cantos e se esconde quando está triste ou com raiva, e nisso é muito diferente de mim. — Seus olhos vacilaram e eu senti um impulso tremendo de tocar seu rosto e dizer que estava tudo bem. — Naquele dia você subiu na bicicleta e desceu uma colina sem freios. Simplesmente a deixou andar sozinha, levando você junto. Espatifou-se no barracão de Leonel e eu tive que pagar o estrago com o barracão e com sua perna. Lembra que ela ficou engessada por dias? — Acenei lembrando o incômodo de andar com aquilo na perna — O fato é que vendi sua bicicleta e proibi você de sair de casa por um mês como castigo. Só que depois do castigo você de repente parecia alegre o tempo inteiro, e eu não nunca entendi o motivo. Isso até ver como você saiu daquele acidente de carro. — Ele silenciou e a carranca de delegado foi substituída pela de pai preocupado. — Você parecia vivo quando saiu dali, como se esse tipo de coisa restabelecesse algo em você que eu mesmo desconheço.

— Pai eu...

— Me espera acabar. — Olhou com censura, e eu me calei. — Não tenho mais como punir você por esse tipo de coisa, Klaus. Você é um homem e não tem mais idade de estar recebendo castigos do pai. Está aqui só por alguns meses, até poder ir para a faculdade e fazer sua vida da forma como quiser. — Mais outra pausa longa. — Só saiba que cair de barrancos não vai resolver as coisas. Amenizam, mas não resolvem.— Então entendi aonde ele queria chegar. — Ela só quer falar com você, e acho que não custa nada você falar com ela também.

A Mais Bela MelodiaTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon