Capítulo 22: Lorena

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A janela do meu quarto ficava ao lado de minha cama. A vista que eu tinha dela era a das montanhas ao longe e das muitas casas residenciais e perfeitas do meu bairro. Quando abria, o cheiro das uvas invadia o quarto, independente da época do ano. Esperança era uma cidade que cheirava a uvas e madeira. O primeiro cheiro sempre me fazia pensar nos Narcole e em como Adônis era quando chegou à cidade, e como ele é hoje em dia. Passei a semana inteira com ele e Samuel, ajudando a resolver coisas de última hora para o festival, e acabei descobrindo que adorava estar na companhia deles, e com uma dor fina no coração por ter ameaçado ambos em muitos momentos.

Samuel vivia com a mãe, que era muito participativa na igreja do meu pai, portanto era alguém que eu conhecia e temia desde que era criança. Ela tinha um aspecto impecável e destemido. Ter ficado viúva não afetou sua moral e conduta. Nunca ouvi nenhum boato de que ela tinha começado a namorar outro homem, e acredito que isso tenha afetado um pouco o próprio filho, que ia sendo mimado dia após dia. Tivemos que passar na casa de Samuel três vezes só essa semana, e todas às vezes ela me fazia um relatório dizendo o que Samuel não poderia comer nem fazer, mesmo ele beirando os dezoito anos. De algum modo, entre mim e Adônis, ela me achava a pessoa mais responsável. Acreditam nisso? Ganhei pontos ao meu favor por não ter levado Samuel bêbado dia nenhum para casa.

Mas foi a casa dos Narcole que me tirou dos eixos. Já tinha visto aquele portão inúmeras vezes, mas jamais o havia cruzado. Conhecia as fazendas deles de cabo a rabo, mas a casa foi uma novidade para mim. Uma novidade impressionante.

Era uma casa típica de vinhedo, com um prédio central com aspecto italiano e histórico. Era impecavelmente branca e flores de diversos tipos e cores a circundavam, formando um abismo impossível de ser pisado por qualquer ser humano. Era um tapete colorido e fascinante. Árvores cresciam em todos os lugares e projetavam pequenos caminhos entre os jardins e um lago escondido que mais parecia um santuário de pássaros. Era o lugar mais bonito que eu já tinha pisado em toda a cidade, e não consegui esconder minha surpresa e alegria quando Adônis me achou babando de boca aberta perto do lago, quando deveria estar com ele e Samuel pensando em como transportar todo o cenário para o teatro onde aconteceriam as apresentações.

Os Narcole tinham um mordomo que havia cuidado de Adônis durante toda a vida. Ele era simpático, mas severo. Adônis parecia quebra-lo com um pouco de birra e carinho, o que não me surpreendeu em nada, já que Adônis só tinha a fachada despretensiosa. Por dentro ele era um poço de gentileza e aprendi a admirar isso no cara.

De acordo com o mordomo, os pais de Adônis raramente estavam em casa. A mãe vivia na Europa, sendo uma socialite rica que não precisava se fixar em lugar algum para viver, e o pai estava em Porto Alegre, tratando de negócios com os compradores das uvas do festival. Festival esse que estava sobrecarregando Adônis de diversas formas, tanto na escola como nos deveres de dono substituto na maior vinícola do lugar.

Em muitos momentos daquela semana eu senti que Adônis iria surtar, principalmente quando ele franzia a testa e começava a fungar de cansaço. Viver uma vida inteira com a minha mãe não me tornava uma boa conhecedora dela, mas viver uma semana perto desses garotos me ensinou quando eu devia abrir a boca e quando devia ficar calada. Aprendi isso depois de ouvir dois gritos de Adônis e gritar com ele de volta. Era ai que a vontade de ter Klaus por perto aumentava.

Ele deveria estar conosco durante toda a semana, mas voltou para o período sabático e isolado. Depois do dia em que a mãe apareceu na escola, ele se fechou para o mundo e só aparecia na hora das aulas, indo embora logo depois que elas acabavam. Eu fiquei extremamente preocupada, mas Adônis me disse que ele só precisava de um tempo. Que toda vez que as coisas pareciam pesadas demais para ele, essa era a atitude de Klaus, e ninguém tinha o poder de tirá-lo dela.

A Mais Bela MelodiaWhere stories live. Discover now