Capítulo XXIV - TONHO

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Senti falta das minhas pernas longas quando vi o tamanho do corredor a ser percorrido.

- Nós não vamos chegar lá nunca! - disse, desanimado.

- Vamos sim – respondeu o Beto – Eu faço isso todos os dias.

O bueiro era fedido e agradeci muito por não ser um rato – não em tempo integral, pelo menos.

- Você tem certeza que sabe aonde estamos indo? - perguntei pela oitava vez.

- É claro que eu sei – respondeu ele – Eu vivo aqui há bastante tempo!

Levando em conta que um rato não deve viver muito tempo, essa informação não foi lá muito reconfortante. Mas segui em frente. Tínhamos que resgatar a Malu e sair desse lugar o mais rápido possível.

Depois do que pareceram horas caminhando, chegamos a uma ventilação que dava pra dentro de uma sala. Segui o Beto até essa tal sala, e fiquei surpreso ao notar que a sala estava vazia.

- Eu pensei que nós íamos até a Malu – disse, receoso.

- E nós vamos – respondeu ele – Mas antes eu preciso te mostrar uma coisa.

A sala parecia abandonada há anos. Estava suja, cheia de poeira e teias de aranha. Provavelmente ali funcionara algum laboratório antigamente, já que havia microscópios e tubos de ensaio quebrados.

- Eu espero que você não se assuste – disse ele, seguindo até o meio da sala.

E sem que eu esperasse, o Beto começou a crescer e crescer. E foi se transformando numa pessoa. Quase caí pra trás – se eu não estivesse no chão, é claro – quando descobri que o Beto era, na verdade, uma garota.

- O que está acontecendo? - perguntei

Mas como só saíram guinchos da minha boca, a garota ficou me encarando, sem entender nada. Precisei retomar minha forma original.

Ela era muito baixinha - especialmente se comparada a mim – e tinha rosto de criança. Talvez ela não fosse mais velha do que o Tavinho. Seu cabelo era raspado, como o de todos os internos, e ela usava uniforme.

- Eu sei que isso é bem esquisito – começou ela – Mas nós também precisamos da sua ajuda.

- Nós quem? – indaguei.

- Vem comigo – disse ela, entrando em um dos armários daquela sala.

Demorei a entender que aquele armário era, na verdade, uma passagem secreta. Dentro dele havia um túnel muito estreito, onde eu quase entalei. Não devia ter mais do que dez metros, por isso o trajeto foi bem rápido.

Esse túnel dava para uma sala muito menor, mas que também estava abandonada há anos. Essa sala era mil vezes mais macabra que a outra. Alguns instrumentos médicos insanos estavam jogados sobre um balcão, todos empoeirado. Havia uma maca também. Ou o que já fora uma maca um dia, pois hoje só sobrara uma estrutura decadente.

Sentada no chão, sob a maca, estava uma outra garota. Esta parecia mais velha que a primeira, mas ambas era quase idênticas, deixando claro que eram irmãs.

Ao me ver, a garota mais velha levantou-se imediatamente.

- Oi – disse ela, sem graça.

Assim como a irmã, ela também tinha o cabelo raspado e usava uniforme.

- Desculpa ter te trazido pra cá, assim, sem mais nem menos – começou ela – Mas nós precisamos da sua ajuda pra sair daqui.

- Nós sempre ouvimos histórias a seu respeito. Os internos que conseguiram fugir. – disse a menina mais nova – Por muito tempo, pensamos que isso era lorota, mas quando eu conheci o Tavinho, vimos uma chance de também entrar pra essa história.

- Espera aí! - exclamei – Existem boatos a nosso respeito?

- É claro! Vocês são como heróis! - exclamou a mais velha – Vocês conseguiram o que todos nós tentamos há anos.

Fiquei chocado ao ouvir isso. Era como se elas falassem de outras pessoas, não da gente. Era meio bizarro.

- Desculpa a falta de educação – tornou a mais velha – Meu nome é Magnólia, mas todos me chamam de Mag. Essa é minha irmã Danúbia. Dani para os íntimos.

- Tonho... - respondi, ainda de queixo caído.

Além delas, quantos outros "rebeldes" deviam existir aqui? Quando eu fugi, achei que eu era o único até conhecer o Zeca. Se eu tivesse companhia na época, tudo teria sido tão mais fácil. Por isso eu não podia simplesmente deixá-las aqui nesse inferno.

- Tudo bem – disse – Vocês precisam me ajudar a encontrar a Malu, e então vamos todos pra casa.

- Que maravilha! - comemorou a Dani

- Mas precisamos ser cautelosos. Eles estão atrás da gente.

- Cautelosa? - indagou a Mag – Esse é o meu nome do meio.


A Segunda Geração - Livro 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora