TRÊS

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Assim que o elevador parou, senti todo o bom humor se esvair. Depois de pagar outro mico na frente do mesmo cara, é difícil ficar alegre.

— Por que estão conversando e não trabalhando? Temos projetos para pôr pra funcionar! — Fuzilei um grupo de funcionários e eles praticamente saíram correndo. Bufei, arrastando a minha pasta até a área da Direção.

Joguei o isopor em cima da mesinha da Beth, soltando o ar em seguida.

— Pode comer, é todo seu! — Resmunguei. — E eu nem gosto tanto assim de queijo! — Entrei na minha sala, jogando o casaco para o lado e fitando a minha blusa no espelho. Ela era amarelo-ouro e nada parecida com um marca-texto!

Argh!

Por que estou deixando isso me afetar tanto?

— Você está bem? — A voz grossa do Guilherme soou e eu me virei.

— Essa blusa é de que cor?

Ele deu de ombros, me analisando.

— Amarelo-ouro — Disse como se fosse óbvio. E é! Como aquele carinha dos frios vem dizer que isso é verde? Ele deve ser daltônico. É a única explicação plausível. — Por quê? Olha, Joy, você está mais irritada que o normal... — Enrugou a testa. — E eu te mandei ficar em casa!

Levantei as mãos, pedindo para que ele nem comece com o "você-precisa-descansar-blábláblá". Minha paciência foi junto com a mordida daquele gato temperamental. Me jogo na grande cadeira e encaro os olhos amarelos do Guilherme.

— Voltei á padaria...

— Isso explica aquele pacotinho de queijo na mesa da Beth... É por isso que está tão mal humorada? Comida não era para te deixar feliz e super calminha? Tá tentando fazer dieta de novo?

Bufei.

— Guilherme, dá para calar a boca? — Rosnei, sem o menor respeito e massageando as minhas têmporas. Esse era o efeito da frustração exercendo em mim. Ver aqueles lábios rosados e ouvir aquele risada era maravilhoso, mas eu não podia cogitar qualquer coisa. Eu tenho coisas à fazer. Meu trabalho. Minha carreira.

Me ignorando, Guilherme se aproximou, arrodeando com a mão no queixo.

— Meu Deus! Da última vez que te vi assim foi quando tentou resistir ao meu charme! — Ergueu as sobrancelhas, perplexo.

Revirei os olhos.

— Eu não "tentei". Eu resisti. — Resmunguei, mexendo em um dos pesinhos de mesa.

— Você me deixou na mão, isso que é a definição do seu "resistir"... Prometeu coisas que eu fico excitado só de lembrar e fugiu de mim! — Acusou e eu encolhi levemente os ombros. É. Eu fiz isso. Fui um pouco má.

— O carinha dos frios... — Suspirei, largando a cabeça na mesa.

Para quê tanto alarde? 

Ele era um homem bonito e só.

Eu trabalho com um homem aparentemente irresistível, ele, esporadicamente, tenta me levar para cama e eu ainda sim consigo ignorar e me manter sã com a mente focada. Mas, por quê com esse bendito "militar" é diferente?

Meu Deus.

Ele de farda deve ser uma delícia...

Será que é do exército?

— Joyce? Você está suando e o ar condicionado tá baixíssimo. — Guilherme comentou e eu passei os dedos pela testa, notando o suor ali. — Quem é esse cara? Eu tenho que dar um prêmio à ele... — Tagarelou, mexendo no bolso para pegar o talão de cheques. — Ele merece uma quantia absurda! Está te fazendo suar e provavelmente vai te fazer gemer mais tard...

— Guilherme. — Repreendi. Não por pudor, mas porque qualquer coisa relacionada a sexo e esse bendito desconhecido, iam me fazer arranhar as paredes como uma gata raivosa.

— O cheque vai ser ao portador ou nominal? — Pensou e eu arregalei os olhos, lembrando da minha mais nova descoberta.

Agora eu sabia o nome dele!

Rapidamente, como se tivesse levado um choque, me aprumei na cadeira, correndo para acessar o Facebook. A internet colaborou magicamente, conectando rápido. Abri o perfil do Vítor, jogando o nome "Marcel" no campo de busca e, assim que aqueles olhos verdes entraram no meu campo de vista, eu cliquei, rindo.

— Te achei!

Curioso como sempre, Guilherme arrodeou aproximando o rosto para ver quem estava me afetando tanto.

— Sargento da Marinha? — Assoviou. — Mas ele não é tão bonito. Eu sou mais. — Torceu o nariz. — Então é ele que está te fazendo repensar esse celibato maluco que está fazendo? Ainda acho que pretende encenar aquele filme... A virgem de quarenta anos...

Belisquei o braço dele.

— Não senti isso, sou imune a esses beliscões... — Meteu a mão, mexendo o mouse e descendo para stalkear a vida do Sarg. Marcel Peres. Esse "sargento" realmente combina com ele e...

— Para! — Chiei, estapeando o Guilherme. — Uma foto dele de farda! — Sim, eu estava praticamente babando em cima daquela maravilha. Ele estava sério e encarava a câmera com um certo brilho no olhar, parecia que, no fundo, estava sorrindo.

— Nossa, que coisa magnífica! Um homem normal vestido de marinheiro! — Debochou e eu revirei os olhos. — Manda uma mensagem! Pelo menos dessa vez você desencalh...

Acabe essa frase e eu te mato, faço parecer que foi um acidente e ainda fico com todo o seu dinheiro, contando as pessoas que já duvidam muito, que nós estávamos muito apaixonados e prestes a nos casar em segredo... — Ameacei sem ao menos pestanejar, Guilherme permaneceu com a boca aberta.

— Você me dá medo. — Resmungou, se afastando.

Gargalhei, aproveitando a distância dele para solicitar um pedido de amizade.

Estou sendo imatura, com certeza.

Mas, no mesmo instante, ele aceitou.

Opa.

Meus dedos não respondiam mais a mim, então, rapidamente digitei um:

"Oi, carinha dos frios".

— Sabia que ia fazer isso! — Só faltava pular como um garotinho de cinco anos.

— Guilherme, você não têm dinheiro para gastar? Investimentos para acompanhar? — Tentei empurrar aquele monte de músculos. — Fragoso, sai daqui! Quero privacidade! — Choraminguei.

— Essa é a fase da obsessão. A próxima é a das promessas e, a última, é a que você faz igual aquela música... A tal da Malandramente... E diz um "nós se vê por aí" — Apontou, já saindo da sala. — Eu tenho pena desse coitado.

"Oi, menina da queda... Pretende cair em algum outro canto? Quero gravar! xD"

Revirei os olhos.

Era para eu ser lembrada pelo meu perfume, sorriso ou jeito sexy de andar...

Mas não...

Vou ser lembrada por uma quase-queda e por ter sido mordida pelo gato...

E tudo foi culpa dele!

"Me passa seu número, não gosto muito de Facebook"

Fui direta e nem precisei pedir novamente.

"Eu também não, acabo demorando para responder por aqui..."

   O número veio abaixo e eu sorri maldosa para a pequena janela de chat, pensando que, assim como Gui, eu também tinha pena dele. Agora era a minha vez de jogar. E se tem uma arte que eu domino, é essa...

Mal sabia que, no fim, eu ia ter pena de mim mesma. 

O Sabor Dos Seus Lábios - As Whiter'sWhere stories live. Discover now