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Mas eu sou fraco,
E o que há de errado nisso?
(Weak - AJR)
Will

Perder minha irmãzinha em um incêndio causado por um cigarro de um cara qualquer que achou que a nossa casa era um apagador acabou com qualquer oxigênio que pudesse chegar nos meus pulmões. Ela tinha só três anos, não conseguiu correr e... aconteceu. A alegria foi arrancada do meu peito. O que me restou foi a Talita, a outra irmã que tenho e que nem tenta me consolar, pelo contrário:

—Ei inútil, você precisa arrumar a janela do meu quarto.

—Se você precisa de mim para alguma coisa, não sou inútil.

—É sim. Qual a sua contribuição para o mundo?

A escola dela estava na fase de ensinar que todos devemos contribuir para o mundo, lembro de quando eu estava nessa fase. Minha contribuição para o mundo que deixei no papel pregado na parede da turma era "cuidar das minhas irmãs para que cresçam sem encontrarem muitas coisas ruins no caminho". O que ninguém tinha me avisado era que, eu encontrando uma coisa ruim, deveria cuidar de mim.

—Pegue a caixa de ferramentas no sótão.

—Lá tem fantasmas, eu não.

—Talita, já falei que fantasmas não existem.

—Existem sim! Olhe o monte de filmes com eles, por que teria tanto se não existissem?

Porquê é assim que Hollywood faz dinheiro, pensei. Vendo que ela estava com medo real, fui lá pegar o que precisava, mas acabei encontrando uma caixa de fotos da Pam. Tentei ignorar, no entanto certas coisas conseguem vencer um cara todo quebrado sem problemas, e a curiosidade era uma delas. O sorriso radiante do pedacinho da minha alma me fez sorrir, aí olhei para aqueles olhos roxos e lembrei que não irei vê-los mais.

Na verdade, irei sim. Na Heaven, pelos próximos três anos.

Não chorei porque a Talita ainda precisava de mim lá embaixo, e se eu começasse não ia parar. Guardei a foto no bolso e fui concertar a janela.

—Pronto. Mas olha, vê se para de se pendurar na janela, porque se você cair lá embaixo pode se machucar feio.

—Ou morar com a Pam?

Porra, desnecessário Talita.

—Não é alto o suficiente para morrer, machucar sim.

—Will, é verdade que se a Pam não tivesse morrido ainda estaríamos morando na outra casa? Eu gostava de lá. Você não pode trazê-la de volta?

Não consegui responder, corri e me escondi no meu quarto e chorei. A noite toda. Como um bebezinho. Na manhã seguinte eu estava pior que de costume, e minha mãe se preocupou comigo, enquanto o meu pai já estava ligando pro psicólogo.

—Ei, estou bem, ok? Não preciso ver o Dr. Hampshire, foi só uma recaída. Tenho que ir, sou do time de futebol, não posso me atrasar.

—Campeão, se você precisar ver o doutor não precisa nos dizer, é só procurá-lo. — meu pai disse. — As recaídas devem ser observadas por ele também.

—Depois do treino vejo isso. Tchau.

Reclamar de falta de apoio seria uma blasfêmia, tenho muito, só não tenho a única coisa que preciso: a Pam. Cheguei na escola, segui a rotina de pegar os livros, mas o Zack me parou no caminho para a sala.

—Will, o treino hoje será mais tarde, o Marcus pediu para avisar.

—Quão mais tarde?

—Vinte minutos. Podemos adiantar aquela lição de economia que é pra segunda.

Antes que eu respondesse, uma pulga de olhos roxos saltou nas costas dele.

—Bradbury. — me cumprimentou sorridente — Adivinha quem recebeu uma carta hoje? Escrita à mão. — estendeu o papel pro Zack.

Algo do namorado dela, que a fez muito feliz e deu um brilho extra aos olhos. Eu não aguentava lidar com muita felicidade ou com olhos lilases, os dois juntos era um punhal no meu peito enfiado sem dó. Bati no ombro do Zack pra ele saber que eu estava indo e fugi antes de ver outro fragmento de roxo-alegria. Concentrei em tentar dormir mais um pouco antes da professora chegar, mas alguém lá em cima provavelmente não gostava de mim.

—E aí, hm, Williams, certo? — o Victor, kicker e melhor amigo do Zack tentou conversar comigo sentando ao meu lado.

—Will. Pode me chamar de Will.

—Eu fiquei sabendo do que aconteceu com a sua irmã. Que droga.

O fato dele não ter inventado uma desculpa para a morte dela, do tipo "Era a hora dela" contou muito.

—É.

Somos um time, mas isso não significa que somos todos amigos íntimos. Aquele dia descobri que o Victor é um cara tão legal quanto o Zack, e viramos um trio. Às vezes, durante as semanas seguintes, a Heaven sentava pra almoçar conosco, e eu só não saía da mesa porque o pai dela é o treinador e tenho medo de que ela vá dizer pra ele o quão instável eu sou. Em um almoço de meados de outubro, nenhuma garota estava na mesa e um cara do grupo de ciências tentou fazer o Zack de cobaia para um dos estudos dele.

—Cara, eu queria poder ajudar de verdade, mas preciso estudar para essa prova aqui, é importante pra eu continuar no time.

—É fácil isso aí, para de me enrolar.

—Não é porque é fácil pra você que é pra mim. Eu tenho muita dificuldade nessa matéria. Vamos fazer o seguinte, você me ajuda, eu te ajudo, pode ser?

O cara entendeu que o Zack estava tentando comprar a inteligência dele através de um pedido "simples" - que envolvia um tempo que não poderíamos gastar - e espalhou pro grupo todo que Zack Derren é um babaca. Mas o capitão nem ligou, continuou comendo e dando algumas olhadas no Twitter de vez em quando.

—Ei Will. — chamou de repente — Como você está?

—Não muito bem, mas melhorando.

—Tem certeza? — olhou para uma cicatriz no meu pulso, fruto do incêndio, que escondo sempre para ninguém ver. Puxei as pulseiras para baixo.

—Sim. Isso é antigo, é uma queimadura.

—Ah. Que droga.

Que droga é o maior eufemismo. Antes que eu pudesse curtir minha fossa, aquele poço de alegria conhecido como Heaven gritou ao lado do Zack.

—Olha só o que ganhei! — exclamou animada.

Desinteressado pela vida alheia, comi meu almoço. Uma indigestão beirou meu estômago quando o monte de purpurina na minha frente disse:

—Ei, tem um bicho debaixo das suas pulseiras.

—É uma cicatriz, o que acontece quando se brinca com fogo. Você se queima.

Olhei diretamente nos olhos dela, mal sabendo que eu seria o único fogo a incendiar a vida brilhante das beldades conhecidas como íris.

Se eu soubesse o que faria, teria aceitado o convite da minha vó e ido morar com ela no Kentucky. Eu não gosto de machucar as pessoas, mas quando tudo que você passa a fazer na vida é fingimento, nada causado por você parece real.

Nem mesmo a dor.

Amor Falso - Série Endzone - Livro 3Where stories live. Discover now