Prólogo

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2013
Will

Era uma noite de inverno fria de doer os ossos. Dezembro é sempre severo no clima, e castiga Lincoln e às minhas irmãs com o frio fora do normal. Como o meu quarto fica no porão não faz tanto frio, mas nem ouso subir as escadas em dias normais.

Os dias anormais são os que a Pam, a caçula, me pede pra ficar com ela no quarto porque não consegue dormir. Eu enfrentaria o inferno por ela.

—Will, me ajuda a contar carneirinhos? — ela chamou baixinho.

—Tá muito frio lá em cima? — sondei.

Ela fez que sim.

—Quer dormir aqui embaixo?

—Eu não gosto daqui, Will.

—Mas aqui é quentinho, a mamãe vai te levar pra cima antes de você acordar. Vem cá. — levantei as cobertas pra ela, que subiu correndo, com medo dos monstros que vivem no porão.

—Você é o melhor irmão do mundo! Minhas amigas dizem que os irmãos delas nunca ajudam elas em nada, sabia? E tem uma que vive com a mãe, mas só o pai dela é bom pra ela.

—É mesmo? Mas sabe de uma coisa que todas elas estão fazendo agora? Dormindo. Que tal dormir também?

Ela riu e se acomodou.

—Eu te amo, Will.

—Eu também te amo, Pam. Para sempre. — aqueles olhinhos púrpura sorriram pra mim e se fecharam.

Mal eu sabia ao fechar os olhos também que o para sempre acabaria dentro de duas horas. Por que, de repente, ficou muito quente na casa. A Pam havia sumido da cama.

—Pam? Pamela? — gritei, assustado com aquele calor infernal.

—Tô fazendo xixi.

Ouvi um crepitar lento se tornar mais rápido no andar de cima. Bati na porta do banheiro. O duto do ar condicionado que tinha saída no banheiro carregaria as chamas, já que a casa era velha e a troca desses equipamentos só aconteceria no verão.

—Pamela, sai daí, precisamos subir! A casa tá pegando fogo! Pam!

Ouvi ela tentando abrir a porta, e não conseguindo mexer a tranca como sempre. Merda, Pam.

—Se afasta da porta! — gritei.

—Não dá! Tem fogo saindo do buraco da parede, tá muito quente! Eu quero sair, Will! Me tira daqui!

A porta era pesada, arrombar não era fácil. Me joguei contra ela como faço em campo tentando parar os jogadores dos times adversários. Um som me fez parar.

O grito de dor dela. O som que atormentaria minha vida.

—Pam! Fala comigo! PAM! — tentei abrir a porta de todas as maneiras.

—Williams, sai daí! Sobe enquanto ainda dá tempo! — meu pai gritou.

—Pai, a Pam tá presa no banheiro! Me ajuda a tirar ela!

Ele desceu, deu um olhar doloroso para o banheiro e me puxou para fora dali sem tentar ajudar a caçula. Eu gritei durante todo o caminho para cima. Apenas uma janela não estava interceptada pelo fogo, e ele me puxou por ela com destreza. Os bombeiros estavam tentando controlar as chamas do lado de fora. Minha mãe e a Talita, minha outra irmã, estavam com um policial.

—Falta um membro da família, cadê? — o policial perguntou aos bombeiros.

—Presa no banheiro em um cômodo com isolamento térmico. Comecem a resfriar!

—Vocês não vão nem tentar salvar ela? — gritei.

—Garoto, eu sinto muito. — foi tudo que o capitão deles disse, antes de ligar as mangueiras.

Ele não precisou completar a frase. Andei para trás em choque. O frio congelante era o pior contraste para o calor do fogo. Uma paramédica me amparou, enquanto meus olhos não desgrudavam daquela cena que colocou um ponto final no capítulo mais feliz da minha vida, e que daria início para o mais doloroso. Se eu tivesse simplesmente subido com ela... Sadicamente, nunca consegui desviar o olhar da casa sendo consumida pelo fogo. Ouvi os policiais cogitarem um incêndio criminoso, mas me desliguei deles para assistir o fogo. O show das chamas em meio a neve causou um tom de roxo que antes eu amava.

O roxo que seria, a partir de hoje, a minha dor por um longo tempo. Mesmo que ele estampasse os olhos do céu.*

*Trocadilho com o nome da Heaven (que significa céu)

Amor Falso - Série Endzone - Livro 3Where stories live. Discover now