III

34 7 1
                                    


— Você é cristão, homem? — prosseguiu a pessoa puxando conversa.

O homem virou-se para ela.

— Escute — disse —, se você vai começar a pregar o evangelho para mim, saiba que...

— Você está vendo alguma bíblia na minha mão? — a pessoa o interrompeu com rispidez, o cenho franzido. — Eu pareço um pastor, um padre, ou qualquer coisa do gênero? Ora, só estou tentando conversar!

“Acredita na existência do céu e do inferno?”, inquiriu novamente, desta vez em tom mais ameno. Não esperou uma resposta para continuar: “Nem é preciso ser cristão para acreditar, no fim das contas. Mas as pessoas têm apenas uma ideia vaga do que isso significa, conceitos retorcidos. Deixe-me lhe fazer uma proposta, então. Ou um desafio, como queira.” E sem saber por que, um repentino frio foi brotando gradualmente na boca do estômago do homem, enquanto as palavras, uma a uma, tocavam seus ouvidos.

“Deixe-me lhe mostrar o céu e o inferno. Mostrarei o caminho que leva a ambos, mas caberá a você reconhecer qual é qual. Como prêmio (se é que se possa assim considerar), poderá escolher fugir tanto para um lugar como para outro, ou até mesmo, no fim das contas, voltar para a sua preciosa ponte e pular.”

“Por que alguém iria querer fugir para o inferno se o reconhecesse?”, o homem se perguntou.

— E quem sabe — a pessoa completou —, no caminho, você não acaba se deparando com a verdade?

Esta conversa ganhava cada vez mais contornos absurdos e ele, deu-se conta, estava comprando a ideia.

— Que verdade? Que tipo de fanático você é? — o homem quis saber.

— A maioria das pessoas no mundo acredita em algum tipo de céu e inferno. Outra grande parte apenas não ousa duvidar. Por que logo eu tenho que ser o fanático?

— Então que tipo de brincadeira é essa?

— Uma bem menos sinistra que “saltar de Bungee Jumping sem corda”. Embora não acho que se possa chamar de brincadeira, eu estou falando muito sério.

O frio no estômago não passava, instalara-se ali sorrateiramente como um gato numa caixa.

— E o que você ganha com essa história? — perguntou o homem, o cenho franzido. — O que eu ganho?

A pessoa sorriu.

— Eu evito o aborrecimento de ver alguém fazendo o que quer que seja por mera estupidez. E você (bem, não é óbvio?) terá uma escolha.

Silêncio.

O homem estudou a pessoa, tentando sondar suas intenções, incapaz sequer de aferir o seu gênero.

— Quem é você? — perguntou o homem de repente. Por que não havia perguntado isso antes?

A pessoa o encarou longamente. Seus olhos castanho-escuros ameaçadores ao passo que ao mesmo tempo, de algum modo, serenos.

— Chama-me de Mestre — a pessoa disse. — É o que serei hoje. Você é o meu pupilo.

O homem não discordou daquilo, anuiu e assim tornou-se o pupilo.

— Vamos torná-lo um pouco mais sábio hoje — anunciou o Mestre. — Aliás, o conhecimento é essencialmente infinito, mas visto que a capacidade do homem é por natureza limitada, o mais correto é dizer que o tornaremos menos tolo.

O pupilo entendeu que estava sendo insultado, porém não ofendeu-se particularmente com aquele comentário. Na verdade, até concordava com tal ponto de vista.

O Mestre desceu do parapeito da ponte onde havia se sentado. Aproximou-se de seu pupilo e o fitou. Pôs as duas mãos em seus ombros e disse:

— Preste atenção. Siga para este lado da ponte — estendeu a mão direita, apontando para o lado esquerdo do pupilo. — Pegue a estrada que se liga à ela e até o fim não pare por nada; observe bem o seu destino ao chegar, depois quero que retorne pelo mesmo caminho. Quando tiver voltado diga-me o que achou. Em seguida — devolveu a mão direita ao ombro do pupilo enquanto estendia a mão esquerda, indicando-lhe desta vez o lado direito —, você tomará aquela outra estrada e fará o mesmo.

E assim fez o pupilo.

Antes de desaparecer de vista, no entanto, ouviu seu mestre chamando:

— Ei! Diga-me, o que é esta atadura em seu braço?

O pupilo olhou para seus braços. Surpreendeu-se ao encontrar uma faixa enrolada em seu pulso direito.

— Não é nada — ele disse. Não se lembrava, na verdade. Imaginou se teria tentado...

— Interessante como as pessoas hoje em dia fazem curativos no pulso por “nada”.

Ele não respondeu.

Virou-se para a esquerda e seguiu em frente.

Caminhos de Céu e InfernoWhere stories live. Discover now