XII

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— Você desmaiou? — alguém perguntou, num tom que deixava claro duvidar disso.

Encontrava-se ajoelhado no meio de um longo corredor de aspecto lúgubre, apesar — ou talvez por causa — das paredes alvas. Ao longo dessas paredes, em ambos os lados, havia portas igualmente brancas, numeradas. No espaço entre cada porta enfileiravam-se pessoas sentadas em cadeiras de plástico, que ostentavam semblantes sombrios, enquanto outras tantas jaziam esquecidas, jogadas, em macas de ferro oxidado. Não tardou a compreender que se tratava de um hospital, o que o fez se lembrar do que era importante:

— Onde ela está? A menina...? — ele quis saber.

Um certo número de pessoas aglomeraram-se ao seu redor durante o que chamaram de desmaio. Uns à paisana, outros de jaleco branco, ou ainda de farda e colete pretos. Mas todos o fitavam e seus olhares eram como espinhos.

— Ela está sendo atendida — respondeu um dos de branco, cauteloso. — Não está nada bem, mas não deve correr riscos. Você é... algum parente dela?

A atmosfera estava tensa. As caras carrancudas sempre atentas ao seu mais tênue respirar, ele notou. Eles fazem um boa ideia do que aconteceu...

Então o homem disparou, empurrando os dois seguranças do hospital que fechavam o círculo de pessoas à sua volta e qualquer um que eventualmente cruzasse o seu caminho. Teve que socar um enfermeiro que tentou segurá-lo mais à frente, além de quase derrubar um casal de idosos que se aproximavam da porta de entrada (de saída, para o homem).

E logo alcançou a rua. Tratava-se de uma ladeira, suave porém comprida, que o homem de forma instintiva procurou descer. Brevemente, durante alguns passos de sua corrida ladeira abaixo, sentiu uma leveza estranha, como se não precisasse fazer tanta força para empurrar seu corpo, algo que de fato continha alguma verdade uma vez que a gravidade não parara de fazer seu trabalho. Ainda assim a grata sensação e o bem estar que a acompanhava pareciam reminiscências de um passado atemporal, remoto, como se pudesse tocar levemente as lembranças de uma vida anterior.

Para onde pretende fugir?, a pergunta se fazia ouvir novamente como um eco, vindo de sua consciência. O homem não a respondeu, ao invés disso afirmou:

— Agora entendo.

O quê?

— Os dois caminhos. O céu e o inferno... eles são...

...O mesmo lugar.

Claro. O destino de cada indivíduo não é outro senão rigorosamente o mesmo. O que determina a diferença é o caminho pelo qual se chega lá, pois o caminho também faz parte do que é o destino. Portanto, a estrada também é céu e inferno.

Porém, a primeira estrada percorrida por você não passava de uma peça criada pela sua mente numa tentativa de mascarar a gravidade e a consequência dos seus atos — espancar e violentar sua filha a ponto de quase matá-la — e consequentemente, por mera autopreservação, desqualificar uma eventual necessidade de suicídio. Como a mente pode ser eufemística às vezes, não? A segunda, por sua vez, tratava-se de um simples engodo de minha parte, sua consciência, para fazê-lo enfrentar suas fraquezas e medos em prol do que era necessário: Levar a menina ao hospital. Mas esses caminhos foram percorridos aqui, no mundo real.

O homem continuava correndo.

Eis a verdade, nua e crua. Tome-a para si e siga por onde lhe convir.

E assim ele fez, outra vez de acordo com a sua consciência.

Atravessou ruas, portas e janelas até encontrar novamente aquela ponte estreita que cortava o ar acima do rio sujo. O caminho que o levara até lá só se pode imaginar. Desta vez havia uma clara decisão em seu olhar, embora houvesse também medo e tristeza. Não notara antes o quão bem vestido estava para o que vinha a seguir, tanto que chegou a ajeitar o nó da gravata sob o colarinho. O homem subiu no parapeito da ponte, ficou em pé sobre ele e deixou-se cair...

E sua esposa o encontrou dezessete horas depois, estirado à lateral da cama, com um nó de gravata apertado demais no pescoço. A outra ponta da gravata, amarrada no alto da grossa cabeceira de madeira, também apertada demais.

Caminhos de Céu e InfernoWhere stories live. Discover now