CAPÍTULO 2

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Naquela noite o Cyfar Himmel Wys não conseguia dormir.

Aquilo vinha acontecendo com mais frequência ao longo do último mês, e estava ficando cada vez pior. Ele se revirava na cama, mas não conseguia nem mesmo fechar os olhos.

O que afligia o rapaz era algo simples e certeiro: dúvida.

Desde sua nomeação como Cyfar há pouco mais de dois meses, ele vinha questionando suas escolhas de vida. Coisas que pareciam tão certas desde sua infância começaram a parecer duvidosas, e seus maiores sonhos passaram a se tornar fardos.

Ele não sabia mais se queria tornar-se um Mestre Lassar.

Ele encarou o teto de seu novo quarto. Não era muito maior do que o que ele tinha quando era aprendiz, mas pelo menos ele não precisava dividi-lo com mais ninguém, como havia feito ao longo de toda a vida.

Ele já tinha tentado mentir para si mesmo, alegando que o motivo de não conseguir dormir era pela estranheza de ter um quarto só para si. Mas a mentira não tinha durado.

Ele se revirava na cama todas as noites, os pensamentos martelando em sua cabeça por horas até que ele conseguisse pegar no sono. Mas aquela noite foi diferente.

Wys se levantou e andou pelo quarto, indo até a janela por onde podia ver o pátio principal do Alto Templo de Kalamar.

Ele havia crescido ali, havia corrido e brincado por aquele mesmo pátio junto de outros aprendizes. Tinha sonhado em receber a marca de Cyfar, o intrincado símbolo negro que agora pinicava em sua nuca.

Sentindo-se sufocado, Wys vestiu o casaco, enfiou as botas nos pés sem amarrar os cadarços e saiu, rumo aos corredores vazios. Algumas luzes mágicas iluminavam o caminho, mas Wys poderia andar por aquele templo mesmo de olhos fechados.

O Cyfar desceu as escadas e foi para o pátio em direção às termas, imaginando que um banho quente o ajudaria a acalmar os pensamentos e, com sorte, a dormir.

Ele atravessou a porta em arco que levava para a área das termas. O ar aliera mais quente e úmido que do lado de fora, mas reconfortante em contraste com o frio cortante das noites naquela época do ano.

Wys entrou no vestiário dos homens e começou a tirar as botas, mas congelou assim que notou as vozes.

Elas vinham das termas, e ele se viu caminhando para mais perto da porta sem perceber. Ela estava entreaberta.

—Eu temo que seja demais para ele— disse uma das vozes. Wys imediatamente reconheceu o timbre rouco do Mestre Albar, seu mestre.

Olhando por entre a fresta, Wys pôde ver a cena. Mestre Albar estava de pé diante das termas. Sua típica túnica verde tinha sido substituída por trajes de linho cru, cujas calças folgadas arrastavam no chão e cobriam quase inteiramente seus pés. Em sua estatura miúda de idoso, ele olhava para baixo com os braços cruzados atrás das costas, enquanto conversava com a mulher diante de si que, por sua vez, estava dentro de uma das grandes piscinas quentes, praticamente ocultada pela fumaça da água que a cercava.

—Ele é o melhor Cyfar que formamos em décadas, Albar—disse a mulher, confirmando as suspeitas de Wys de que aquela era Mestra Lihia, uma das conselheiras de confiança de Mestre Albar.

— Eu não poderia concordar mais— disse o mestre —, porém sinto que os pensamentos de Cyfar Wys andam um pouco... conturbados.

Ao ouvir seu nome, Wys prendeu a respiração. Afastando-se da porta, ele pressionou as costas contra a parede, tentando ouvir melhor.

As Crônicas de Adhelar - Livro 1 [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now