CAPÍTULO 10

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Valenttia não acreditou que conseguiria voltar a dormir naquela noite, mas, depois de várias horas, a exaustão a puxou para um sono inquieto. Ela acordou se sentindo mais cansada do que antes, mas se levantou na mesma hora e correu para o espelho.

A mecha negra continuava lá, no mesmo lugar. Não tinha sido um sonho ou uma ilusão da madrugada. A ideia de cortar os fios escuros lhe passou pela cabeça, mas ela achou que seria melhor mostrá-los a Mestre Albar.

Logo depois de seu desjejum, Valenttia pediu que Milliard solicitasse uma carruagem para levá-la ao Templo de Kalamar. Ela dispensou a criada que costumava arrumar seus cabelos pela manhã e prendeu, ela mesma, a mecha escura com alguns grampos, de forma a escondê-la por baixo da cascata de fios vermelhos.

Acompanhada de Milliard e dois guardas, Valenttia seguiu para o Templo. Dois Cyfares a receberam e a escoltaram até Mestre Albar.

Ele a esperava em uma sala extensa, cercada de janelas grandes, todas cobertas por cortinas leves que permitiam a entrada da luz, mas impediam que pessoas do lado de fora pudessem ver o interior. O cômodo era completamente vazio, com exceção da mesa baixa e quadrada no centro, cercada por quatro almofadas azuis. No chão de mármore havia uma vala estreita, por onde passava água corrente, seguindo o curso de um pequeno córrego que atravessava os jardins.

Mestre Albar estava ajoelhado sobre uma das almofadas, de costas para a única parede vazia. Valenttia já estava familiarizada com aquele lugar. Ele sempre a recebia ali desde que ela se tornara rainha, e era ali que havia recebido o pai dela nos anos anteriores.

Ajeitando a saia fluida de seu vestido, ela se ajoelhou em uma almofada diante do mestre e tomou suas mãos, beijando-as suavemente.

— A que devo a honra de sua visita, minha cara Valenttia? — perguntou o velho senhor.

— Preciso falar com o senhor sobre algo importante, Mestre. Algo que não deve ser compartilhado com ninguém.

— Mas é claro, minha querida. — O carinho na voz do mestre era evidente.

— Bem... — Valenttia se empertigou sobre os joelhos. — O senhor sabe que eu sempre tive a saúde perfeita. Nunca fiquei doente desde... Bem, o senhor sabe.

Mestre Albar apenas meneou a cabeça em confirmação e esperou que ela prosseguisse.

— Bem... — Valenttia, que sempre fora tão articulada e boa com as palavras, não sabia por onde começar. — Eu tenho sentido dores de cabeça há alguns dias. Talvez semanas, para falar a verdade, e acreditava serem devido ao estresse. Cheguei a me consultar com um curandeiro, mas ele não encontrou qualquer problema físico. E eu estava certa de se tratar de algum problema emocional, até ontem à noite.

— O que houve ontem à noite, minha querida? — O olhar de Mestre Albar era preocupado.

Valenttia levou as mãos aos grampos que prendiam a mecha negra rente à sua nuca e os soltou. Os fios pretos caíram sobre seu ombro esquerdo, e os olhos pálidos do senhor diante dela se arregalaram.

— Eu tive a pior dor de cabeça de todas — ela explicou —, e então encontrei isso.

Ele se debruçou sobre a mesa e tocou os fios escuros de Valenttia.

— Nunca vi nada assim — disse o mestre —, mas também nunca vi uma criança que voltou da morte, minha querida. Você é um caso único.

Ele tocou os fios por mais alguns instantes e então ficou de pé.

— Levante-se, por favor — pediu.

Valenttia obedeceu. Ele deu a volta na mesa, ficando diante dela. Ele era um homem de idade avançada, apesar de estar muito melhor do que a maioria das pessoas que viveram tanto tempo. Era mais baixo que Valenttia, mas sua autoridade e sabedoria o faziam parecer muito maior.

As Crônicas de Adhelar - Livro 1 [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now