CAPÍTULO 6

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Como prometido a Aler'Ich, Valenttia pediu que seu assistente chamasse um curandeiro para avaliá-la. O homem alto e de longos cabelos loiros chegou no começo da tarde. Ele se demorou enquanto examinava-a. Fez tudo em silêncio, desde exames de toque até coletar e analisar uma pequena amostra de sangue.

— Não encontrei nada de estranho, Majestade — disse ele, por fim. — Todos os testes apresentaram resultados normais. As dores que está sentindo devem ser decorrentes de causas extrafísicas. Pode ser algum distúrbio energético ou simplesmente estresse.

Valenttia suspirou e ficou de pé. Seu assistente, Milliard, que observava a tudo atentamente, voltou-se ao curandeiro.

— E o que você recomenda?

— Não posso dar um diagnóstico, nem tratar a causa. Vou receitar um tônico para amenizar as dores de cabeça, mas recomendo consultar um Mestre ou Cyfar para encontrar a origem do problema. Já adianto que se o problema realmente for sobrecarga e estresse, o tratamento que qualquer um irá prescrever será descanso.

Valenttia bufou com um riso seco.

— Como se fosse tão simples.

Ela notou o olhar trocado entre seu assistente e o curandeiro, como se ambos já esperassem por aquela resposta, mas não disse nada.

— Muito bem. Obrigada por ter vindo tão prontamente, Senhor Martan.

O homem alto fez uma reverência elegante.

— É um prazer, Majestade. Estou à disposição e desejo melhoras.

— Obrigada. — Ela sorriu. — Milliard, pague a ele o que for devido e o acompanhe até a saída, por favor.

— Certamente, Majestade — disse o assistente se dirigindo até a porta. — Vamos, Airik.

O curandeiro se curvou mais uma vez antes de seguir Milliard para fora da sala.

A porta mal tinha se fechado e logo se abriu novamente. Aler'Ich entrou.

— Como foi? — ele perguntou prontamente.

Valenttia suspirou e voltou a se sentar no sofá.

— Como eu suspeitava — ela disse —, não é nada físico. Deve ser apenas estresse.

O lorde cruzou os braços e olhou pela porta fechada, pela qual tinha acabado de entrar.

— Tem certeza de que ele é confiável?

— Quem?

— O curandeiro.

— Confio em Milliard, então posso confiar no noivo dele, não acha?

Aler'Ich mordeu a parte interna da bochecha, mas não respondeu. Afastou-se da porta e tomou o lugar ao lado dela no sofá.

— Achei que a família real tivesse um curandeiro designado.

Valenttia fechou os olhos e recostou a cabeça no encosto atrás de si.

— O último se aposentou há alguns anos e não fui atrás de um novo. — Ela deu de ombros. — Não pensei que fosse precisar.

Ela sentiu Aler'Ich se agitar no sofá ao lado dela, mas não abriu os olhos.

— Se o problema realmente for estresse, talvez seja bom você tirar um tempo pra descansar. Quando foi a última vez que teve férias?

— Quando meu pai ainda era rei.

— Isso explica muita coisa.

— Não posso tirar férias agora, Aler'Ich. Tem muita coisa acontecendo. Adhelar não vai parar e esperar que me recupere.

— Sempre há muito acontecendo e sempre haverá, Val! Você é responsável pelo maior reino que já existiu. E por isso mesmo deve se lembrar de que este reino precisa de você. Inteira e em plenas condições físicas e mentais de governar.

Ela abriu os olhos e encarou o par de olhos verdes diante de si.

— Eu sei Aler'Ich, mas meu Alto-Cyfar está prestes a se aposentar, uma pessoa desconhecida tomará o lugar dele e eu preciso estar por perto nesse momento de transição, não acha?

— Não acho que seja imprescindível.

Ela suspirou e voltou a fechar os olhos.

— Não se deve brincar com a saúde, Val.

— Eu nunca fiquei doente na vida, Aler'Ich. Não vai ser agora que isso vai mudar.

Ele bufou, e ela sentiu o ar em seu rosto.

— Valentia, às vezes parece que você se esquece de que já morreu uma vez.

— Sim, morri. Eu era um bebê doente, voltei à vida milagrosamente. E então, em nenhum dos vinte e seis anos seguintes fiquei doente novamente. Nem uma única vez.

— Eu sei, mas me prometa que vai tirar uma folga. Mesmo que não seja agora, mesmo que seja depois que o novo Alto-Cyfar já estiver estabelecido. E me prometa que vai pegar leve, vai respeitar seus limites e pedir ajuda quando precisar.

Com um sorriso atrevido, Valenttia voltou a abrir os olhos.

— Está mesmo dando ordens à sua rainha, Aler'Ich?

— Não, estou pedindo para a mulher que eu amo para que ela cuide de si mesma.

O sorriso dela sumiu diante das palavras, mas nenhum dos dois disse nada por alguns instantes.

Aquele era um território proibido entre eles. Falar de amor, sentimentos e futuro, com tudo que havia entre eles, unindo-os e, mais do que isso, separando-os, era doloroso demais. Então, num pacto silencioso, eles simplesmente evitavam entrar nesse tipo de assunto. E quando acontecia, era como se uma nuvem pesada pairasse sobre os dois.

Era melhor mudar de assunto, fingir que nada fora dito. Então ela simplesmente respondeu:

— Não posso prometer nada, mas vou tentar.

— Valenttia...

— Aler'Ich — ela interrompeu —, não se esqueça com quem está falando. Não importa o que somos um para o outro, ainda sou sua rainha.

Ela pensou que ele fosse recuar e parecer ofendido, mas ao invés disso, ele se inclinou para mais perto dela, apoiando um braço no encosto do sofá. Seus olhos verdes pareciam penetrar sua pele como se ele fosse capaz de ler seus pensamentos. Ela ignorou o formigamento que sentiu e sustentou o olhar do lorde com a mesma intensidade. Quando ele falou, sua voz era suave, mas suas palavras não.

— Você é a rainha, Valenttia, mas não é indestrutível.

— Acho que só vamos saber isso com certeza quando tentarem me destruir, não é?

— Eu acredito em seu poder como tudo que há dentro de mim, Valenttia. Como rainha, como mulher e como maga. Mas por favor, não subestime a morte.

Ela endireitou o corpo, fazendo seus rostos ficarem ainda mais próximos. Mesmo estando a centímetros de distância, não havia sorriso, carinho ou suavidade na resposta dela.

— Eu não subestimo a morte, Aler'Ich. Eu apenas não a temo. 

As Crônicas de Adhelar - Livro 1 [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora