CAPÍTULO 8

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Alee'Na destrancou a porta de seu apartamento e entrou. Wys vinha com ela e fechou a porta atrás de si.

Ele havia caminhado até ali ao lado dela, sempre calado. Ela havia feito perguntas e tentava provocá-lo em vários momentos, mas ele se mantinha em silêncio. "Ele é mesmo um Cyfar, afinal" , ela pensou.

Ao longo da caminhada silenciosa, Alee'Na pôde notar que os olhos dele não brilhavam nem se moviam mais como durante a batalha na arena. Agora eram apenas olhos acinzentados. Ainda tinham uma tonalidade fora do comum, mas não eram assustadores e ferozes como antes.

Ela acendeu algumas lamparinas e se jogou no sofá.

— Fique à vontade — disse.

Wys caminhou com as mãos nas costas, observando atentamente os quadros nas paredes e os objetos de decoração. A gola alta do casaco cobria boa parte de sua marca de Cyfar, mas era possível vê-la despontando em sua nuca sempre que ele olhava para baixo.

— E então? — Alee'Na perguntou quando viu que ele não diria nada. — Vamos tratar de negócios ou não?

Wys parou de andar e se virou para ela, ainda com as mãos atrás das costas. Sua expressão era impassível. Então falou:

— Me diga como conseguirá o Ternisal.

— Me dê a primeira parte do pagamento e te direi tudo o que quiser.

Ele suspirou e tirou a bolsa presa ao cinto antes de jogá-la para Alee'Na, que a pegou no ar e sentiu o peso das moedas de ouro. Só aquela parcela já resolveria boa parte de seus problemas.

— Sou todo ouvidos.

Alee'Na sentou ereta no sofá e deixou o saco de moedas de lado.

— Eu possuo muitos contatos. Mas, como já te disse, isso só vai funcionar se eu for até eles, então não adianta perguntar quem são esses contatos.

— E seus contatos — Wys disse a palavra com desdém — vão simplesmente te dar o Ternisal?

— Vai ser preciso uma certa dose de persuasão, mas eu sou muito convincente, como você mesmo sabe.

Ele levantou uma sobrancelha escura, mas não disse nada.

— E se você realmente pretende ir comigo, vai precisar se vestir como uma pessoa normal. Não como um lutador das Covas e nem como Cyfar.

— Consigo fazer isso.

— E precisa cobrir sua marca direito.

— Tudo bem.

— E precisa fazer exatamente o que eu disser.

Ele respirou fundo mais uma vez, mas não esboçou qualquer expressão.

— Preciso saber mais sobre onde estou me metendo.

— Não vamos nos envolver com ninguém perigoso, se essa é sua preocupação.

Wys levantou uma sobrancelha.

— E até que ponto você se enquadra nisso?

Alee'Na gargalhou, cruzando os pés sobre a mesa de centro.

— Posso ser bastante perigosa, mas não com clientes pagantes.

Se achou graça, Wys não demonstrou.

— Tudo bem — ele disse. — Temos um acordo, então. Quando começamos?

— Amanhã à noite. Me encontre na Praça do Sino às oito da noite, em ponto. E leve uma garrafa ou pote de vidro.

— Uma garrafa? — Ele enrugou as sobrancelhas.

— A não ser que pretenda levar o Ternisal nas mãos.

Ela notou que ele mordeu a parte interna da bochecha e voltou a andar pelo cômodo.

Alee'Na observou o rapaz diante de si. Ela sabia que ele era um Cyfar e, mesmo sem seus trajes e com a marca escondida, ele falava e se movia como um. Mas ao contrário dos outros Cyfares que ela já tinha conhecido, Wys era incrivelmente fácil de ler. Era comum entre aqueles a serviço da seita Lassar manter sempre uma expressão neutra diante das situações. Pelo que ela sabia, aquilo se devia ao fato de que a função desses indivíduos — fossem Mestres, Cyfares ou, até mesmo aprendizes — era ajudar os outros e não preocupá-los com seus sentimentos individuais.

Porém, enquanto andava pelo cômodo em silêncio, Wys estava claramente contrariado. Talvez ele não estivesse tentando esconder seus sentimentos por estar fora de seu ambiente profissional, mas Alee'Na achou aquilo estranhamente reconfortante, especialmente porque, se tudo desse certo, ela poderia quitar suas dívidas antes do fim daquela mesma semana.

Ela ficou de pé e foi até a estante de bebidas atrás do balcão que delimitava a área da cozinha. Serviu um copo de licor avermelhado. Uma dose não faria mal...

— Sei que Cyfares não bebem — Alee'Na disse —, mas já que também não deveriam estar lutando nas Covas, vou ser educada e oferecer um copo.

— Não, obrigado — Wys respondeu, mas havia um estranho brilho em seus olhos.— Já cometi muitos erros em um espaço de tempo muito pequeno.

— Como preferir. —Ela virou na boca todo conteúdo do copo, sentindo o agradável ardor em sua garganta.

— Se não tivermos mais assuntos para tratar por hoje, é melhor eu seguir meu caminho.

— Não acredito que tenhamos.

— Vale ressaltar que eu espero sigilo absoluto da sua parte. — Ele parou diante dela e prosseguiu: — Ninguém pode ficar sabendo do nosso acordo.

— Não direi uma palavra que não precise ser dita. — Alee'Na apertou os lábios e fingiu trancá-los com uma chave invisível.

Wys a olhou de cima a baixo, o que, pela primeira vez naquela noite, deixou-a desconfortável. O olhar acinzentado parou no pescoço dela.

— Me dê esse colar — ele disse.

A mão de Alee'Na voou instintivamente para o pingente preso à sua garganta.

— Por que precisa disso?

— Uma garantia — ele disse, e estendeu a mão. — Para caso você não apareça amanhã ou não cumpra o combinado.

— Apenas minha palavra não basta?

Wys apenas tombou a cabeça, o que foi resposta suficiente.

— O colar não... — Alee'Na apertou a pedra verde que sempre se alojava confortavelmente no espaço entre suas clavículas. — Escolha outra coisa.

— Sua hesitação só confirma o fato de que precisa ser o colar— ele estendeu a mão para mais perto.— Não se preocupe. O terá de volta assim que tiver cumprido o combinado.

Alee'Na engoliu em seco e segurou o pingente com mais força. Wys a encarou intensamente, e ela viu aquele brilho estranho voltar a surgir nos olhos prateados do rapaz.

— Tudo bem. —Ela desabotoou a gargantilha que prendia o pingente e entregou a ele. — Não perca, por favor.

— Não vou perder.

Ele enrolou a fita preta da gargantilha ao redor do pulso e abotoou o fecho, antes de cobri-lo com a manga do casaco.

Uma pontada atingiu o coração de Alee'Na quando o pingente verde desapareceu sob o tecido no braço dele.

— Nos vemos amanhã, então — ele disse, e começou a caminhar até a porta. — Não se atrase.

— O mesmo vale pra você — ela disse, sem sair de seu posto atrás do balcão da cozinha.

Ele não disse nada. Apenas saiu pela porta e deixou Alee'Na sozinha, com um estranho frio ao redor do pescoço exposto que a fez se perguntar se tinha mesmo feito um bom negócio naquela noite.


As Crônicas de Adhelar - Livro 1 [DEGUSTAÇÃO]Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ