Dois

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(Deem boas vindas a Mariana. E me desculpem os errinhos)


Mariana D'Ávila

Carlie dirigia feito uma recém habilitada, ouvíamos buzinas frequentes exigindo passagem. Alguns xingamentos no trânsito também eram comuns. Minha amiga ignorava, fingindo que nada estava acontecendo. Dependendo de seu humor, até mandava beijinhos como resposta. 

  — Desse jeito vou chegar quando acabar o horário de visita.

Todo dia era uma luta para chegar até o Saint Clair, o carro de Carlie era uma carroça, a única diferença é que era movido a combustível. Eu não podia reclamar, se não fosse pela sua ajuda eu teria que vir de ônibus e não conseguiria ficar com a minha mãe pelas manhãs. 

  — Entregue— minha amiga sorriu para mim quando estacionou o carro e o motor fez um estrondo horroroso— Tem certeza que não quer descansar um pouco?— me analisou, com a sua habitual expressão de preocupada.

— Certeza— aproximei-me e a beijei no rosto— Obrigada. Eu volto de ônibus ou metrô. 

— Belezura, bom que eu durmo como se não houvesse o amanhã.

Saí e antes que eu batesse a porta da carroça minha amiga me chamou

— Não esqueça de mandar um beijo e um abraço bem apertado para a dona Martha, fala que não esqueci do bolo de ganache que ela mais ama.  

Concordei com a cabeça e bati a porta. Subi a escadaria enorme da frente do hospital e entrei pelas portas automáticas. O lugar limpo e amplo, cheirava a álcool e produto natural de limpeza. Antes eu não gostava de frequentar um ambiente onde se concentra uma grande quantidade de enfermos, achava que a energia não era boa, mas hoje percebi o quão equivocada estava. 

Há algumas semanas esse local havia se tornado a minha segunda casa. Chegava pela manhã e só saía quando tinha as aulas de dança para dar na companhia de teatro, ou a noite, quando encerrava o expediente de visitação. 

Eu convivia com doentes em situações muito críticas, como minha mãe. Mesmo diante disso, era possível sentir a garra deles, a obstinação em melhorar, em poder sobreviver. 

 — Minha filha, não precisava vir tão cedo— minha mãe pegou em minha mão e a beijou carinhosamente— Está melhor hoje? Fiquei sabendo que desmaiou no refeitório ontem— antes que ela terminasse eu encrespei a testa, irritada pela informação ter chegado nela— Você sabe, as notícias se espalham— ela sorriu.

— Melhorei sim, dona Martha. Tinha esquecido de me alimentar, só isso— respondi deixando minha bolsa sobre meu colo enquanto me sentei na cadeira ao lado de seu leito.

— Já disse que não quero que se esforce tanto, você precisa descansar. A cada dia suas olheiras estão mais fundas, você está emagrecendo, meu amor. Não precisa disso tudo, estou sendo bem cuidada aqui— ainda acariciava minha mão, olhando dentro dos meus olhos. 

— Eu gosto de ficar com você e aproveitar cada segundo, a senhora sabe. E vou fazer o que fora daqui? Só tenho a Carlie, e as crianças do balé. 

— Eu sei. Eu sei. Mas me entristece ver que a sua renda vai toda para o meu tratamento e que mesmo assim falta. Eu queria que você terminasse sua licenciatura em dança, curtisse como jovens da sua idade, conhecesse um grande amor, não que ficasse enfurnada dentro disso aqui...— suas íris esverdeadas olharam para os cantos da ala onde se encontravam outras vítimas da mesma doença.

— Besteira, tudo isso é ilusão. Estou feliz estando ao seu lado, me arrependeria caso não estivesse — beijei o dorso da sua mão e me apressei para mudar de assunto:— Carlie mandou um beijo, um abraço e disse que não se esqueceu do seu bolo preferido. 

Princípio Vital DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now