A esposa Sati - Kishan

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Ren e eu nos posicionamos à frente de Kelsey, mantendo-nos a uma distância segura e com as armas em punho. Kelsey não conseguia compreender.

— Por que vocês dois estão agindo assim? — ela tentava atravessar nossa barreira — Estamos aqui para negociar, não estamos? Temos um montão de coisas que podemos sacrificar. Eu posso invocar frutas, roupas douradas ou o que quer que ela queira.

Baixei o chakran mas mantive meus olhos irados voltados para o pássaro.

— A Fênix não quer apenas um sacrifício qualquer, Kells. Ela quer uma esposa sati.

— E o que isso significa?

Ren apertou sua mandíbula, olhou para Kelsey e balançou a cabeça. Ele deu um passo para se colocar à frente de Kelsey. Ela virou-se para mim.

— Diga-me.

— Em tempos antigos, mulheres foram ensinadas a dedicar-se, de corpo e alma, a seus maridos. Uma esposa sati é uma viúva. Ela é atingida por tal tristeza imensa que não será separada dele. Quando o corpo do marido é cremado, ela se joga na pira funerária para demonstrar sua dedicação e amor neste esperado último ato.

Ren acrescentou com desgosto:

— É ilegal na Índia há algum tempo e meus pais proibiram a cerimônia em seu reino.

Ela sussurrou:

— Entendo.

Kelsey olhou para a fênix. Sua expressão era como uma máscara. Ren aproximou os lábios de sua orelha e sussurrou:

—Iadala, nós não desistiremos de você.

Kelsey colocou uma mão no braço de Ren e com a outra tocou meu pulso. Então virou-se para a fênix.

— O que você quer de mim?

A ave inclinou a cabeça e respondeu:

— Vocês disseram que buscam a Corda de Fogo. Apenas os que são dignos podem passar pelas minhas montanhas. Para julgar o seu merecimento, peço um sacrifício.

— Se eu me oferecer para isto, eu iria morrer?

— Talvez sim. Talvez não. O verdadeiro teste da esposa sati reside em seu coração, não em sua pele. Se seu coração é puro e seu amor verdadeiro, então sua carne não queimará. Se seu coração for mentiroso, seu corpo não passará pelas chamas.

Kelsey baixou a cabeça, como se considerasse se entregar. Eu disse a ela que não se preocupasse, pois nós encontraríamos outra maneira. Kelsey ergueu a cabeça encarando a fênix e falou com calma e firmeza:

— Eu serei o sacrifício.

A Fênix ergueu suas asas e soltou um triste lamento. Desesperado, lancei o chakran contra a ave. A arma girou ao redor de seu corpo e retornou para mim.

Ren tentou negociar com a Fênix. Sua voz angustiada implorava:

— Por favor, imploro para que reconsidere. Leve-me em seu lugar. Há precedentes.

A Fênix respondeu:

— Você está certo, o sacrifício correto nem sempre foi uma esposa sati. Entes queridos de todas as idades, de ambos os sexos, deram suas vidas por tristeza e sofrimento, mas seu coração já foi entregue.

— O que você quer dizer?

— Foi dada ao tigre branco a escolha de esquecer seu amor a fim de salvá-lo. Seu coração é puro. Seu amor, certo.

— Então me leve — eu me ofereci.

A Fênix me avaliou por um instante, então negou-se:

— Não posso. Ainda não chegou sua hora de se sacrificar, você certamente também irá ser testado, porém não por mim. Aproxime-se, jovem mulher.

Kelsey deu um passo em sua direção. Ela parou e virou-se para olhar para mim. Eu estava com medo. Kelsey me abraçou e eu apertei-a em meus braços, desesperado.

— No segundo em que ela te machucar, sua cabeça voará.

— Me lembrarei de abaixar a cabeça — ela riu e me beijou.

Quando Kelsey se virou, Ren caiu de joelhos à sua frente e a agarrou pela cintura, apertando o rosto contra sua barriga.

— Por favor, não vá em frente com isso, Kelsey. Estou lhe suplicando — Ren implorou.

— Tenho que fazê-lo — Ela acariciou seu cabelo e beijou sua cabeça.

— Eu te amo — ele sussurrou.

— Eu sei.

Ele a soltou relutante, enxugou as lágrimas e pegou suas armas. Kelsey dirigiu-se à fênix:

— Estou pronta.

A grande ave abriu e bateu suas asas. Dançando em suas patas com garras, a Fênix abriu o bico e cantou.

Vi o corpo de Kelsey tremer e resolvi que não deixaria aquilo acontecer. Mesmo contra a sua vontade. Mesmo que eu tivesse que segurá-la. Eu não deixaria Kelsey morrer. Então, esbarrei em algo. Eu estava preso em uma espécie de caixa e não podia ouvir nada. Tentei romper aquela prisão, mas ela parecia indestrutível.

Vi quando Kelsey retirou o amuleto de seu pescoço e Fanindra de seu braço e os colocou de lado. Eu protestava, mas Kelsey parecia não me ouvir, ou estava me ignorando. Vi o chão se rachar entre Kelsey e a ave. Entre elas havia uma ponte em chamas de cascalho e pedras. Kelsey seguiu em direção à ponte. Eu via o suor descer-lhe pela face, enquanto eu gritava desesperado para que ela parasse. Eu vi o corpo de Kelsey vacilar e sabia que estava doendo. Eu gritava e tentava me libertar. Eu precisava salvá-la. Mas era inútil. Eu não conseguia romper aquela barreira.

Quando as chamas subiram e envolveram o corpo de Kelsey, eu soube que era o fim. Caí de joelhos, com o rosto coberto por lágrimas. Elas ardiam em minha pele.

Lembrei-me da primeira vez em que vi Kelsey e de como eu me senti humano outra vez, depois de séculos. Lembrei-me de como ela ficou feliz quando eu voltei para casa. De quando eu declarei meu amor a ela e do primeiro beijo que eu roubei dela. Do nosso primeiro encontro como namorados, quando ela disse que tinha me escolhido e de quando ela aceitou se casar comigo.

Então me lembrei do sonho de Shangri-la e pensei em como aquela ave demoníaca aniquilou meus sonhos e mudou meu destino. Enxuguei as lágrimas com as costas da mão e agarrei o chakran. Então eu me levantei e era puro ódio. Jurei a mim mesmo que mataria aquela criatura, não importava a que custo. Então, a caixa se abriu.

O destino do tigre - POV tigresOnde as histórias ganham vida. Descobre agora