🗝Desmaio🗝

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Eu confesso que fez bem me transferir para essa nova casa. Está sendo bem melhor, me sinto menos sufocado, posso dar mais passos durante os dias, porque o lugar é mais amplo. Ainda não posso receber visitas por causa da minha prisão que ainda é recente e todos os dias minha mãe traz uma comida diferente. Isso me deixa mais tranquilo, porém não quero que ela fique com esse peso sobre as costas de estar sempre preparando algo para mim. Já implorei a liberdade de eu próprio cozinhar, mas, infelizmente, essa confiança ninguém pode me dar, devido as mortes que carrego em minhas costas.
Lendo as escrituras, caiu sobre a mim a ficha de que eu trouxe a infelicidade de muitas famílias que perderam seus entes queridos. Eu os matei sem pena.

— Não! Por favor! Sei que errei, sei que fiquei devendo uma dívida muito alta ao seu patrão, mas eu prometo que vou pagar cada centavo.

— Cala boca, p####!

— Por favor, moço! Eu tenho duas filhas para criar.

Me arrepio ao lembrar de apertar o gatilho.
Ele tinha duas filhas.
E eu o matei.

Mesmo que Deus tenha me perdoado, lendo as escrituras percebi que levarei comigo o peso em minhas costas: a culpa, o arrependimento. Não poderei devolver aquelas vítimas para suas famílias, mesmo sabendo que muitas delas já superaram.

Ouço a porta ser destrancada. Não me preocupo em levantar da cama, na mesma posição que eu estava, fiquei.

— É aqui que está hospedado o mercenário mais cruel de todos esses tempos? — era ele; meu segundo inimigo abaixo do homem que matou o meu pai. Eu o odiava com toda minha força e seu pudesse mata... — Ah! Aí está você! — debocha. Continuo fitando o teto, me segurando para não avançar no pescoço dele e matá-lo com meus próprios dedos.  — Só aquele juíze para colocar você no lugar tão bom como esse, porque se dependesse de mim você estaria em uma das piores celas da cadeia. Sabe como? Suja, sem piso, sem revestimento nas paredes, ratos cirandando por todos os lados, uma privada sem tampa e colchão duro feito pedra e sem cobertor. É o que você merece!

— ...me chama pelo nome, muda minha história, ressuscita o meu sonho...

— Uma Bíblia? — pergunta surpresa ao enxergá-la em cima da cômoda. — Vai precisar mesmo desta ferramenta para poder mudar o seu interior, mas te garanto que Deus nunca vai te aceitar. Coloque isso na sua cabeça.

— ...transforma a minha vida, me faz um milagre...

Vou cantarolando enquanto ele me esfaqueia com suas duras palavras. Pela primeira vez, em todo esse tempo tirando a vida de muitas pessoas, as palavras de ofensas nunca me abalaram, porém segurei o máximo minhas lágrimas para não transparecer.

— Pode cantar mesmo.  Farei de tudo para que você nunca esteja livre, pois um homem como você não merece estar no meio da sociedade.

— Vá em frente. — digo e fecho os olhos.

— Nossa! — aplaude. — Onde está aquele homem cheio de respostas na ponta da língua? Frio quando se fala em matar alguém? Egocêntrico? Verdadeiramente está sendo transformado pelo poder da palavra, não é mesmo? Permitiu que o diabo saísse do corpo e Deus viesse reinar? Preciso chamar a imprensa aqui agora e colocar isso na mídia! Ok... — fala depois de alguns segundos. — preciso me retirar. Não posso ficar no meio de fracassados.

Assim que ouço a porta ser trancada, as lágrimas descem sem pedir licença. Não acredito que estou chorando por causa de um delegado babaca que só quer ver minha derrota. O que está acontecendo comigo? 

Lo-Ruama

Há dois dias ganhei minha Bíblia e confesso que não está sendo difícil entendê-la. Afinal, também ajudava na escola bíblica quando morava em São Ângelo. As crianças me amavam, principalmente os idosos. Acontece que fiquei mais viciada e todos os dias tiro um tempo para meditar.

— Estou gostando de ver. — surge com um sorriso mais satisfatório do mundo. — Minha pregadora.

Meu coração acelerou quando disse "minha". Eu sou dele? Ainda assim, me senti especial.

— Não exagera. — digo timidamente.

— Está aprendendo sobre o que? — senta-se ao meu lado.

— Gálatas: não existe outro evangelho.

— Maravilha!

— Hoje eu...fui ver minha filha e citei alguns versículos bíblicos que eu havia esquecido. Quando eu ensinava as crianças na EBD, sabia cada versículo e depois que me afastei esqueci totalmente! Era como se nunca tivesse pegado a Palavra para ler.

— Estou feliz por você, Lo-Ruama. Deus vai trazer sua princesinha de volta. Quando você menos esperar; não fique ansiosa. Jamais! 

Difícil seguir esse conselho. Me encontro tão sedenta por esses dias que às vezes esqueço que sou culpada por tudo! Se eu tivesse cuidado mais da filha, minha pe...

— E nada de se culpar!

Ele leu meu pensamento?!

— A culpa pode lhe trazer desesperança e dúvida. Não permita!

— Tudo bem. — suspiro.
Agora ele me olha tão intensamente. Sinto que quer me dizer alguma coisa, mas sei que isso não vai acontecer.

— Precisamos conversar. — solta o ar pesado. — É uma coisa muito louca, em tão louco tempo, porém é mais forte do que eu e sinto que se não disser a você, morrerei de ansiedade.

Sinto desespero em sua fala.

— Tu-tudo bem? Quer falar agora? — tento agir naturalmente.

— S-sim. Pode ser.

— Pai! Pai! — Maressa grita desesperada do quarto. Jon e eu levantamos para saber o que estava acontecendo.

— Maressa! — ele sobe as escadas correndo e eu o sigo. — Filha, o que foi?

— Pai, vai chover! Vai chover em Filip's!!! Finalmente as árvores serão regadas naturalmente e as flores...os frutos! — aponta para o céu, pela janela.
Jônatas leva a mão ao peito, frustrado.

— Filha, não me assuste desse jeito. Posso ter um infarto a qualquer momento. — suspira.

— Desculpa. — sorri travessa. — Parece que vem acompanhada de relâmpagos e trovões.

Não. Não pode ser! Eu sofro de astrofobia. Odeio barulho de trovoadas e um medo estridente de relâmpagos. E, infelizmente, a chuva me faz lembrar do acidente, do barulho do vidro, do grito de Eloá...

Respiro fundo, mas é em vão. Já ouço o grito da minha filha, a batida...odeio trovoadas... não!

— Lo-Ruama?! — vejo Maressa correndo em minha direção, Jon com a expressão assustada e de repente tudo escurece.




Estamos na reta final do livro...😥

Lo-RuamaOnde histórias criam vida. Descubra agora