Capítulo Dois

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Senti um frio do estômago à medida que caminhava atrás de Beatriz em direção a carruagem. Porque o rei havia feito questão da minha presença? Será que ele pretendia me tomar como amante?

Ofeguei.

Tinha que ter outra explicação. Era de conhecimento geral o que acontecia com mulheres que se entregavam antes do casamento, principalmente a homens casados. Eu simplesmente não me sentia confortável me imaginando nesta situação.

Eu o negaria com veemência.

Sem querer tropecei em Beatriz, que havia parado para se despedir da população que a admirava pelo portão gradeado.
Ela se virou, com sangue nos olhos.

-Nem sabe andar direito! – ela sussurrou, me olhando de cima a baixo. –Está distraída com o que? Tu pensas que tua vida será boa novamente? Nem sabe o que te espera. Vou te fazer implorar ao rei para retornar.

Beatriz dizia isso com um largo sorriso afetuoso, para que ninguém suspeitasse que me ameaçava. O povo se iludia pensando que ela era boa e caridosa como o pai.
Ela deu um último aceno para quem nos rodeava e entrou na carruagem dourada. Sua comitiva dava os últimos ajustes antes de partir. Havia uma centena de guardas e criados, um arcebispo, musicistas e pintores a sua espera.

Dei uma última olhada no Palácio onde eu havia crescido e também entrei na carruagem.

Sentei no banco em frente a Beatriz e procurei não a encarar e não falar nada por todas as horas de viagem. E estranhamente ela ficou em silencio também. Apoiou a cabeça na janela e ficou olhando a paisagem, perdida em pensamentos.

Há muito tempo eu não via ela desta maneira.

Acabei cochilando com o embalar da carruagem e acordei com o vozerio vindo do lado de fora da carruagem. Olhei para Beatriz, que ainda estava na mesma posição pensativa. A única mudança era a janela, agora fechada pela cortina.

Eu senti vontade de perguntar se ela estava bem, mas não o fiz. Algo em mim dizia que era melhor deixá-la assim.

O som da clarinada anunciando nossa chegada a fez despertar, levantando a cabeça, assustada.

-Não descerei! – Beatriz disse, com os olhos arregalados. – Não me casarei.

-A senhorita precisa. Há anos adia o casamento.

-Não irei. Romperei com Saream. –Ela olhou para a porta.

-Majestade, a senhorita não pode...

-Vá você!

Ela pegou-me pelo braço de repente, abriu a porta e me empurrou.

Caí nos braços de um rapaz muito alto. Não ousei olhá-lo nos olhos. Baixei a cabeça e me desculpei.

-O que houve? – ele perguntou. Sua voz era grave, mas afetuosa.

Reparei em seu colete decorado com detalhes em ouro e rapidamente me afastei e fiz a mesura.

-Perdoe-me, majestade.

Beatriz se colocou na minha frente, ansiosa.

-Aqui estou eu, meu senhor. – Escutei ela dizer. Não havia nem sombra da insegurança de segundos atrás.  – Sua rainha.

O rei Afonso era exatamente como retratado na pintura enviada a rainha Beatriz. Tinha os cabelos castanhos até os ombros largos, os olhos intensamente verdes e a pele bronzeada pelo sol por passar a maior parte do tempo acompanhando a construções dos edifícios sob o sol escaldante e ouvindo os pedidos dos seus súditos um a um em plena praça.

Ele levantou as sobrancelhas:

-A senhorita a empurrou? – Ele desviou o olhar de Beatriz para o mim, que ainda estava a uns passos de distância.

-Não, senhor! – Ela riu, virando-se para mim. – Ela caiu.

-Não foi o que pareceu para mim. –Ele disse, seriamente.

-Diga a ele, Annie. – Começou ela, tentando parecer amigável na frente do rei Afonso. –Que foi impressão dele.

Mas eu conhecia aquele olhar. "Se tu me desmentir..."

Resolvi arriscar um pouco.

-Creio que não foi de propósito. A rainha não tem noção da força que tem...

-Oh, querida. Perdoe-me, eu realmente... nunca quis machucá-la. – Ela se aproximou de mim com os braços abertos e um sorriso maligno. Mas com medo, me afastei, quase tropeçando novamente. – Viu? A pobrezinha não tem a cabeça no lugar. Vive tonteando, imaginando coisas. Talvez seja melhor mandá-la de volta para Malude.

-Não, Srta. Anastácia vai ficar. – Rei Afonso disse, com firmeza. – E ela não me parece obtusa.

-Para que mantê-la? Ela é só uma criada. Podem ser facilmente substituídos.

-Eu não penso assim. – Ele a encarou. – Não é o trabalho da pessoa que vai definir se ela e substituível. É o caráter.

-O senhor me entendeu mal... – seu sorriso vacilou.

-Vamos entrar. – Rei Afonso a interrompeu, dando o assunto por encerrado. Lhe estendeu o braço e a levou para dentro, sob os aplausos da população que assistia à chegada de Beatriz e eu.    

Além dos Muros do PalácioWhere stories live. Discover now