Capítulo Cinco

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Fiquei parada, surpresa, enquanto a Rainha me abraçava e insistia em me chamar de filha. Arthur gentilmente tentou afastá-la, como se já tivesse presenciado tal situação, mas não obteve sucesso em tirá-la de perto de mim. Rainha Ana tinha o rosto coberto de lágrimas e me chamava de "Minha menininha".

-Mamãe? - o rei se aproximou. - Venha comigo.

-É ela! Por que não me avisou que Carolina viria? - ela se virou para ele, chateada. - Sua irmã merecia ter sido recebida com toda a pompa.

-Irmã? - perguntei, confusa. 

Rei Afonso fez um sinal quase imperceptível para Arthur. Ele pegou minha mão e começou a me levar até a saída, até o momento em que a Rainha Ana correu até mim e caiu de joelhos.  Príncipe Augusto e o rei correram para amparar a mãe.  

Então eu entendi. Talvez ela estivesse tendo um declínio temporário, e acreditava que eu era sua filha. Sem pensar duas vezes me ajoelhei junto a ela e a abracei. 

-Acalme-se, senhora. - pedi, tocando seu rosto.

-Fique, Carolina. - seus olhos estavam vermelhos. -Não vá embora.

-Como quiser. - sorri.

Ela enxugou as lágrimas e ficou de pé. Rei Afonso sibilou um agradecimento em silêncio para mim e nos sentamos á mesa. A rainha mãe fez questão que eu sentasse a seu lado, e acariciava meu cabelo de vez em quando.

-Vais permitir isto? - R. Beatriz rompeu o silêncio, se dirigindo ao rei. - Instável do jeito que é, devia jantar no quarto dela. As pessoas desequilibradas deviam...

-Quem tu chamou de desequilibrada? - R. Afonso se alterou, virando-se para ela. - Nem minha mãe nem ninguém vai ser isolado por estar doente.  Da minha mãe cuido eu. 

R.Beatriz resmungou e revirou os olhos sem mais ninguém ver.  Arthur sentou-se a meu lado, e eu percebi o olhar de uma moça do outro lado da mesa, que só podia ser  Camila, me fuzilando.  Na confusão eu não a havia notado de imediato. Ela devia ter a minha idade. Parecia uma boneca de porcelana possuída pelo mal, com seus cachinhos loiros pendurados dos dois lado da cabeça. Pensei que sua antipatia fosse impressão minha, até o rei chamar a atenção dela:

-Srta. Camila, lembre-se do que conversamos com teu pai. 

Ela assentiu, contrariada. O jantar foi servido, e há muito tempo eu não me sentava á uma mesa tão farta. 

-Há tantas coisas para serem resolvidas, meu querido. - disse a R. Mãe, tranquilamente.  - E os convidados chegarão amanhã. Agradeço a Deus por ter uma nora tão gentil como Laura. - ela parou e a fitou com um sorriso carinhoso. - Ela tem me ajudado muito. 

-Se a senhora precisar, eu a ajudo também. - eu lhe disse. 

-Ficarei muito feliz com isso! - ela sorriu, acariciando meu rosto. -Tu sempre foi prestativa. 

-Meu vestido já chegou?. - R. Beatriz interrompeu.

-Chegou ontem. -disse Sra. Laura. -Está guardado em vosso quarto. 

-Talvez seja preciso fazer alguns ajustes, porque eu emagreci.  Vou pedir que uma costureira de Austa venha. É muito longe. Isto poderia demorar alguns meses.  - ela disse, maldosa. 

-Então teremos que adiar a cerimonia, não? - o rei perguntou, ironicamente. -Mais uns cinco anos, o que acha?

-O que eu mais quero é estar com o senhor. -respondeu R.Beatriz, tocando o ombro do rei. -Mas quero que tudo seja perfeito. 

-Meus conselheiros não apoiam mais nosso casamento. - respondeu R.Afonso. - Querem a guerra há muito tempo. Eu estou fazendo de tudo para que isso não aconteça. Muitas pessoas inocentes morreriam. Achas que eu gosto dessa situação? Casar com alguém por obrigação? Mas fui criado desde cedo para entender meus deveres para com minha família e meu povo. 

R. Beatriz desviou o olhar para o prato na frente, contrariada. Parecia não ter ouvido o mesmo que eu.

Poderia haver uma guerra?

Olhei ao redor e vi Sra. Laura acariciando o ventre, com a expressão preocupada e principe Augusto beijar sua mão. Todos ficaram tensos. 

-Teu amigo não virá amanhã, virá? - A rainha mãe quebrou o silencio.  Espero que ele tenha a decência de esperar o luto acabar. 

O Rei deu uma rápida olhada para mim e olhou para a mãe:

- Ele virá depois. Faltam apenas dois meses para acabar.

Então era essa a pessoa que tinha pedido minha presença, pelo modo que o rei me olhou. Como se quisesse ver se eu tinha prestado atenção.

-Eu vou me deitar. - ela se levantou e os filhos a seguiram no movimento. Ela beijou o rosto de todos na sala, exceto da R. Beatriz. -O dia foi deveras fadigante. Termine de comer, querido. Não precisa me acompanhar. Carolina já terminou. Vem comigo, meu amor?

Olhei para o rei, que assentiu. Envolvi meu braço no braço que ela oferecia a mim e subimos para seu quarto, junto a sua dama de companhia. 

-Os convidados chegarão amanhã. Os meninos sairão para conferirem as coisas. Acho que pedirei para Arthur ficar conosco. Creio que ele não se incomodará. Não gosto de receber visitas sem um dos meus meninos. -ela gesticulava delicadamente com a mão esquerda, enquanto falava sobre seus planos para os próximos dias. Ela era pequena e parecia frágil sob o grosso xale que cobria seus ombros, porém a força com a qual ela se apoiava em meu braço demonstrava o contrário. 

Subimos vários degraus até chegar a seu quarto. Havia um perfume delicado no ar quando entramos. Ela retirou a tiara e cedeu á ajuda das damas que a esperavam. Elas me olhavam com estranheza pela minha presença. Virei-me de costas para não ter que me submeter a olhares maldosos e logo vi quatro pequenos quadros em conjunto. Os três príncipes e uma menina...

-Essa és tu! Lembra? - a R.Ana apareceu de repente e apontou a princesa. Ela me olhava como se quisesse gravar em minha mente que eu era mesmo a menina.  Então ela olhou para trás. - Suas mal-educadas, não reconhecem a princesa? A reverenciem! 

Ela se olharam, confusas. 

-Não precisa, senhora! - me apressei a dizer.

-Obedeçam a rainha! - disse a dama mais velha, e elas fizeram a mesura.

-Sente-se na beirada da minha cama. - disse a rainha, como uma criança me levando pela mão. Então ela se aprumou e me olhou, encantada.- Estou tão contente que esteja aqui comigo. Foi a melhor surpresa do mundo.

-Fico feliz. - eu sorri, beijando sua mão com carinho.

-Minha menininha. - ela bocejou. - Não deixarei que nada de mau te aconteça nunca mais. 

Ela balbuciou mais algumas palavras inaudíveis e adormeceu.

Além dos Muros do PalácioWhere stories live. Discover now