| 001 | Transferência

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• Lucy González •

O despertador tocou e ecoou uma música escrota na minha mente. Ainda de olhos fechados, estiquei o braço e apertei o botão que desligava o rádio relógio.
Abro os olhos.
Chuto as cobertas e saio da cama sonolenta, cambaleando pelos cômodos. Tropeço numa caixa de papelão mal embalada e praguejo baixinho enquanto observo poucas coisas caírem dela, como o monte de exames que fiz após uma cirurgia, há oito anos.

— Parece que você está grávida, senhorita González. — minha ginecologista me olha apreensiva

— O que? Claro que não. Isso é impossível. — protesto

— Lucy, eu sei que isso parece terrível.

— Não! — me levanto alterada — Você não sabe como é. Só porque você cuida de meninas fodidas como eu, não quer dizer que você sabe.

— Isso não é o fim do mundo, querida. — Luke me olha — A gente pode... Não sei. — ele parece atordoado

— O quê? Apagar cinco anos da minha vida em nove meses? Sabe como vai ser quando eu olhar pra cara dessa criança? Eu não quero isso!

— Lucy!

Corro. Sem direção nenhuma. Vago pela rua. Não sei o que pensar. O meu estado não permite o aborto, eu faço vinte e um daqui um mês. Não posso carregar comigo algo que vai me lembrar os piores anos da minha vida.
Eu chego na casa de tio Luke, onde estou morando por um tempo. Passo pela cozinha e o faqueiro me chama atenção. Puxo uma das facas afiadas que tio Luke usa para o churrasco. Ouço um barulho na porta. Vou pro banheiro.
Com a porta trancada, analiso meu reflexo no espelho e então a voz grave de Henry surge em meu ouvido. Ele dizia que eu nunca o esqueceria. Que meu corpo seria pra sempre dele. Isso me enche de ódio. Ergo o braço direito e então o abaixo com rapidez e força.

— Lucy! — alguém me grita lá fora

A dor me dilacera. Sai muito sangue. Pelo espelho, vejo minha roupa ficar manchada de sangue.
A porta do banheiro se parte em dois e então Luke está me encarando. Eu puxo a faca de volta e então minhas mãos tremem, assim como minhas pernas. Eu caio e o sinto me amparar. Me rendo a escuridão que ameaça me engolir, pois não consigo suportar a dor.

Reviro os olhos e chuto a caixa longe.
Visto a calça jeans de lavagem clara, uma blusa branca, prendo o cabelo num rabo e então começo a lacrar as caixas que ainda faltam.
A Califórnia sempre foi o meu lar. Quer dizer, depois que saímos da República Dominicana, quando eu tinha cinco meses de vida. Los Angeles nos acolheu com amor e carinho durante todo esse tempo. Eu sou filha de Arthur González. Somente Arthur González. Minha mãe foi uma namorada que ele teve que foi gentil o suficiente para lhe ajudar a realizar o sonho de ser pai. Eu nunca soube o nome dessa namorada, mas ele dizia que ela era incrível. E que não se viram mais após meu nascimento.
Eu não sei direito se meu pai já teve uma vida normal. Ele era piloto de stockcar junto com meu avô, que faleceu após bater contra um muro a mais de 180km/h. Meu pai estava junto. Ele tinha uma marca na barriga. Disse que foi a marca que a trava do volante fez quando atravessou o corpo dele. Sobreviveu por um milagre.
Meu pai tinha uma lanchonete que herdou da minha avó e acumulou grana correndo em lugares impossíveis. Foi assim, vivendo loucamente que conheceu os amigos leais que tinha. Logan Xavier, ex major da força tarefa aérea dos EUA; Ian Ellis, ex-piloto britânico de stockcar; e Luke Hobbs, agente especial do Serviço Diplomático Americano, lugar onde trabalho agora. Esse grupo também conheceu Henry Scott, um detetive falido que perdeu a esposa e a filha num terrível acidente de carro. Quando meu pai morreu, ele era o único por perto e fez questão de ficar comigo. É, eu não costumo ter muita sorte.

Law & Order: SurvivorOnde histórias criam vida. Descubra agora