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LUNA


Sabe o dia mais merda do ano? Então, tenho certeza que foi hoje.

Meu carro quebrou e eu tive que vir trabalhar de bicicleta. Então no meio do caminho começou a chover, e meu cabelo que já é uma merda, ficou mais merda ainda. Cheguei encharcada no trabalho, troquei de roupa, e então um cara branquelo e malhado chegou com uma criança e um cachorro e sujou de lama todo o caminho até o elevador enquanto eu limpava o saguão. 

— Eu não sabia que eram permitidos animais aqui — murmurei, e ele ouviu.

O rapaz de olhos castanhos olhou para trás e viu a sujeira, então arregalou os olhos.

— Oh, eu sinto muito, muito mesmo. Eu não vi que estava fazendo toda essa sujeira...

E não era pra ele ter ouvido. Fiquei me sentindo uma pessoa ruim, só pelo jeito como ele me olhava enquanto pedia desculpas. 

— Tudo bem, eu vou limpar. É o meu trabalho.

Ele subiu de elevador, e eu continuei ali. Ele passou ali mais algumas vezes durante o dia, sempre me olhando com aquele olhar de "sinto muito", e eu não sabia onde enfiar a cara.

De tarde, eu estava terminando de imprimir as últimas páginas do meu trabalho semestral, então um carinha lindo de óculos escuros veio com o mesmo cachorro que passou com aquele outro cara de manhã cedo, se sentou num dos banquinhos ali e continuou olhando pra frente. Meu mau humor ganhou o melhor de mim quando coloquei as folhas do meu trabalho debaixo do balcão e falei:

— Vai ficar aí me olhando ou quer que eu te sirva alguma coisa? 

A cabeça dele se virou em minha direção, e ele parecia nervoso e confuso.

— Uhh, desculpa, eh... eu quero um copo de suco de maracujá, por favor. 

Ele parecia desconcertado, e eu segurei um suspiro. 

Fiquei quieta enquanto anotava. Mesmo que fosse só um suco, eu me recusaria a voltar aqui e perguntar o sabor novamente.

— Mais alguma coisa? — a monotonia em minha voz poderia ser cortada em pedacinhos com uma faca, de tão palpável que era.

— Não, só isso por enquanto. Obrigado.

Ele é estranho, mas pelo menos é educado. Assenti com a cabeça e fui pra cozinha. Eu já tinha feito o suco logo após o almoço, e deixado na geladeira. Geralmente esse primeiro suco que eu faço depois do almoço acaba bem rápido, e logo eu preciso fazer mais. Servi o suco num copo e coloquei gelo, então levei pra ele. Coloquei em cima do balcão.

— Aqui. Qual o número do seu apartamento?

Ele engoliu seco bem baixinho, mas eu notei. Ele tem algum tipo de problema?

— 38.

Ele arrastou a mão lentamente pelo balcão, e quando encostou no suco, acabou batendo no copo e virando o suco pelo balcão todo, inclusive no meu trabalho semestral.

— Ah, não cara! Meu trabalho! — levei minhas mãos à cabeça, vendo o suco molhar as folhas.

— Desculpa, foi sem querer, eu juro! — a voz dele tremeu levemente, então ele colocou uma das mãos no balcão, empurrando mais suco pra cima das folhas.

— Não! Deixa aí, eu dou um jeito! — eu não queria ter sido tão grossa, mas só saiu.

Ele começou a respirar rápido, e logo eu vi uma lágrima escorrendo por baixo dos óculos. Ótimo, eu fiz um cara chorar, mais uma coisa pra adicionar na minha lista de dia de merda.

— Desculpa, eu não queria... — ele se levantou e começou a falar virado para a máquina de refrigerantes. — Desculpa. 

Antes que eu pudesse falar algo, ele deu uma ordem e o labrador gigante tomou a frente e puxou ele pro elevador. 

Suspirei, tirando os papéis e limpando o suco. Pelo menos eu ainda tenho o trabalho num pen drive, eu tentei me animar. 

Mas minha mente não saia daquele cara. Eu tenho certeza que conheço ele de algum lugar. E aquele outro de hoje mais cedo, que estava com o mesmo cachorro, devo conhecer ele também, porque tenho a sensação de já ter visto eles dois antes. Não sei, talvez eles já moram aqui há algum tempo, ou... sei lá.

Terminei meu expediente e fui para a faculdade pra entregar meu trabalho, que eu havia imprimido novamente. É meio puxado trabalhar e estudar ao mesmo tempo, mas consigo conciliar os dois. Além disso, eu preciso do dinheiro, e o dono deste condomínio paga bem e as gorjetas dos moradores são generosas. Entreguei e voltei pra casa já eram quase nove horas da noite.

Entrei e ouvi a televisão ligada na sala.

— Letty? 

Chamei enquanto trancava a porta, mas ela não respondeu. Entrei na sala e vi que ela tinha dormido no sofá.

— Letty! Eu já cheguei, pode ir dormir no quarto. — Me sentei ao lado dela e ela acordou.

— Hã? Ah, oi Luna — ela bocejou e se espreguiçou no sofá. — Como foi seu dia?

Geralmente, irmãs mais novas tendem a xingar as mais velhas quando são tiradas de seu sono. Mas nós duas só temos uma a outra, então nós evitamos brigas, e geralmente somos bem parceiras.

— Uma grande merda. O seu? 

— Hoje não teve aula, então fiquei o dia todo limpando a casa e ouvindo música. Quando terminei, fiquei vendo filmes. — Minha irmã de dezessete anos contou. 

Olhei pra tevê e vi que era um filme de animação. 

— Por que seu dia foi "uma grande merda"? — ela perguntou, me olhando.

Contei pra ela do meu dia desastroso, desde o carro quebrado e a chuva, até o rapaz que eu fiz chorar. Ela riu na minha cara, e eu acabei rindo junto.

Ficamos em silêncio assistindo o filme, mas eu não estava mesmo prestando atenção. Será que eu deveria fazer algo a respeito desse garoto?

— Eu acho que você deveria se desculpar com ele. 

— Tá, eu tava pensando nisso, mas como?

— Você sabe qual o número do apartamento dele, não sabe?

Assenti.

— Então é só ir lá levar alguma coisa amanhã. Ele não bebeu o suco hoje, não foi?

Suspirei. 

— Tá, vou pensar nisso então. 

Ela riu, murmurando um "teimosa". Eu sei que sou teimosa, mas não é por isso. Eu tô mesmo é com vergonha de ver ele novamente. 

Vai saber se ele não é um burguês safado, que ficou com raiva de mim e quer me despedir? 

Tá, essa é mais uma razão pra eu falar com ele.

Good Years || Harry StylesOnde histórias criam vida. Descubra agora