A Coroação

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Vampiros sempre foram dotados de excelente memória, devido aos neurônios que nunca envelhecem, atrofiam ou morrem, e, por isso, as lembranças de décadas ou até de centenas de anos atrás, ainda podiam ser recordadas pelos não-vivos.

Naquela manhã, olhando a princesa adormecida ao seu lado, no leito, Cassis registrava sua nupcia como uma memória que merecia e deveria permanecer viva em sua mente para toda a eternidade.

As maçãs do rosto tingidas de vermelho na noite anterior, a ansiedade no semblante de Sara, os cabelos ondulados que caíam como uma cascata sobre a pele branca, a veste que emoldurava sem tantos pudores o corpo feminino. Depois vieram os beijos, o aroma da pele humana e o despir do corpo que ele admirava há algum tempo. E mesmo com sua memória privilegiada e capaz de se lembrar de qualquer acontecimento, em nenhum momento daquela noite de amor o vampiro se lembrou de Violeta, pois agora era Sara que ocupava seus pensamentos e marcava a sua não-vida.

Quando o Sol raiou e já com as reservas de vitae devidamente reestabelecidas, Cassis observou, à luz do dia, a bela mulher com quem se casou, sorrindo levemente ao constatar que nunca mais precisaria pensar nela como uma companheira de mentira, pois tudo agora era real entre eles.

Sara dormia de bruços ao seu lado, com os cabelos esparramados preguiçosamente pelo travesseiro e com as costas nuas à mostra. Sua pele branca nunca se compararia a palidez de um vampiro, e por causa disso atraía a atenção do príncipe de uma forma distinta, levando-o a assistir o subir e descer de seu dorso com paciência e atenção. E num lapso de curiosidade, ele ergue o dedo gélido e toca a coluna de Sara, percorrendo uma linha perfeita da lombar à cervical, fazendo-a estremecer com o súbito frio.

― Sim, eu serei eternamente frio por fora, mas por dentro sinto-me aquecido – sussurra para si mesmo, calorosamente convencido de que o amor de Sara havia resgatado o restante de humanidade que havia dentro de sua alma. – Eu te amo, você é, certamente, a melhor parte de minha não-vida.

O vampiro a observa por mais alguns minutos, imaginando qual seria a reação das criadas ao encontrar "novamente" a marca da pureza da humana sobre os lençóis, já que na primeira vez a consumação de seu casamento havia sido forjada. Parte de sua mente sentia-se confortável em saber que não precisaria dar satisfações a ninguém, devido ao seu principado, enquanto a outra parte esperava com expectativa para ver os olhares confusos de todas elas, como ratinhos presos em uma cova, sem conseguir encontrar a saída.

Ele solta uma risada nasalada, voltando a observar a respiração controlada de Sara, esperando o feliz momento em que seus olhos castanhos se abririam e o veriam como seu marido de verdade.

Naquele momento, Cassis inocentemente acreditou que seu relacionamento com a humana já estava em seu ápice, que não havia como melhorar ainda mais, mas estava enganado, pois a cumplicidade entre eles pareceu atingir um nível ainda mais profundo do que quando seus segredos foram revelados, e, diante disso, um longo tempo se passou, quatro meses e meio, para quem estivesse realmente contando.

Depois desses longos meses, proveitosamente usados para que as coroas reais fossem forjadas, moldadas, enfeitadas e polidas, a cerimônia de coroação finalmente chega. Com um prazo de preparação tão longo, os criados puderem criar com muito mais cuidado a decoração da cerimônia, que começaria pela manhã e terminaria somente ao entardecer com um grande banquete.

O castelo estava ornamentado com estandartes e flores silvestres no grande dia, estas últimas, sendo colhidas às pressas para que estivessem frescas e belas no momento da coroação.

A nobreza de ambas as espécies já se reuniam na sala do trono, onde o arquiduque de Alestia, na presença dos poucos membros do conselho vampiro, realizaria a coroação e tornaria Cassis e Sara os governantes absolutos de Alestia.

Cassis (Série Alestia I)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora