Subjugando-o

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Bem longe da Cidadela, rumando para o noroeste, o predador procurava outro lugar habitável para se divertir, matar e caçar. Alestia já não lhe parecia confiável, pois aquele era o povo "dela", era a família "dela" e em respeito ao gesto "dela", aquele terreno e todas as pessoas que moravam nele não lhe eram mais convidativas.

Não, o Sanguinário não fazia aquilo de caso pensado ou por amor, pois tudo o que pertencia a Cassis estava muito bem soterrado em seu interior. Aquela era uma reação natural guiada unicamente por seu instinto, que respeitava o ato que o ajudou a sobreviver.

O vampiro corria livremente por entre a campina, logo cruzando o grande rio e o margeando, pelos domínios de Aurora, até os limites da Terra Neutra, onde instintivamente acreditou ser o lugar ideal para brincar. Ele não se importava com limites entre reinos ou a presença de outros vampiros, pois, devido a sua veneração por vitae e seu fetiche por matar, o predador tornava-se letal para qualquer um que se levantasse contra ele.

Havia apenas um ser que o Sanguinário, em toda a sua animalidade e ferocidade, não queria encontrar, um único ser cuja imagem nunca pudera esquecer e cujo coração parado queimava de ódio. E, foi em uma rápida pausa em sua corrida pela Terra Neutra, numa tentativa falha de farejar o habitat humano mais próximo, que ele o encontrou: o mesmo ser que o subjugara à Cassis da última vez em que estivera livre.

― Fizeste de novo – diz Thorkus com sua voz impassível, mas o rosto demonstrando um resquício de tristeza e preocupação –, aceitaste vitae humano novamente. – Suspira.

O predador o encara, reconhecendo a fisionomia do ancião no mesmo instante e assumindo uma posição defensiva, enquanto mostrava os caninos em sinal de ameaça.

― Lembra-se de mim?

― O juiz! – responde com um rosnado, falando pela primeira vez naquela noite, numa pronúncia animalesca e assustadora.

― Então já sabes o que lhe aguarda, não é?

― Você vai morrer – alerta, subindo levemente o tom de voz, girando a cabeça como um alongamento e mudando o posicionamento de seu corpo para algo mais ofensivo.

― Apesar de seu título, não és tão bom quanto pensas, Sanguinário. – Houve outro rosnado. – Mesmo com o pior dos vitae, ainda posso vencê-lo. Lembre-se: tudo o que sabes, fui eu que lhe ensinei, contudo, não lhe ensinei tudo o que sei!

O vampiro o observa, arreganhando ainda mais os dentes e esperando o melhor momento para atacar. Thorkus sabia que a mente de vampiros em frenesi pouco compreendia de frases bem elaboradas, que eles apenas colocavam em palavras o que seus instintos queriam fazer, mas, ainda sim, o ancião continuou a se pronunciar:

― És perigoso demais para ficar solto, matando a bel prazer. Não admitirei que seja livre para colocar nossa aliança com os humanos em risco, muitos reinos no sul e no norte ainda não concordam com este elo, com esta nova definição de "harmonia". Eles estão apenas aguardando que erremos, para colocarem suas espadas em nossos corações e o fogo em nossos corpos.

― Quero... Sangue – anuncia o selvagem, pausadamente, tentando intimidá-lo.

― Você quer, mas meu filho não, e em respeito à vontade dele, não o deixarei ficar livre esta noite – responde calmamente, para depois explodir a terra ao redor de seus pés, deixando enormes sulcos no lugar, devido a sua investida cruel e veloz.

Thorkus era apenas um vulto negro na escuridão da noite, e, apesar da pele pálida, por muitas vezes seu corpo pareceu se camuflar a ela, como se seu corpo se desintegrasse repentinamente e se materializasse em outra direção, golpeando o Sanguinário por um ângulo inesperado. Apesar de não explicar a muitos não-vivos, suas roupas pretas lhe serviam justamente para esse propósito e seu honorável título lhe fora dado exatamente por essa habilidade, a de se misturar ao manto noturno como se fizesse parte dele.

Cassis (Série Alestia I)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora