Ameaça

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Aquele dia estava sendo como qualquer outro entediante dia para Merryn, que precisava permanecer dentro da Floresta do Lodo para se proteger dos nocivos raios solares. Durante o dia, Tibérius infiltrava-se em Alestia a fim de analisar suas composições militares e a atuação do rei, e, portanto, a não-viva permanecia sozinha e enfada. Ela já havia tentado sair no sol, uma única vez, arrependendo-se amargamente no momento em que a luz ultravioleta tocou sua pele, causando rápidas e profundas queimaduras de terceiro grau, que lhe custaram uma boa quantidade de vitae para que nenhuma cicatriz permanecesse em seu rosto perfeito.

No entanto, naquele dia em especial, a criança da noite sente algo diferente no ar, um aroma parecido com o de romãs, misturado a algo cítrico que ela não conseguia distinguir. A vampira se locomove sobre as árvores, chegando à beira da floresta – mas ainda se mantendo coberta pelas folhagens – e avistando, à distância, o comboio composto de uma carruagem e seis cavaleiros, que margeavam o grande rio em direção ao norte.

Merryn estreita os olhos, aumentando sua concentração como se isso pudesse melhorar sua visão, tentando a todo custo enxergar além dos minúsculos cavalinhos que se afastavam cada vez mais. Ela bufa, frustrada, observando com certa raiva enquanto seu único passatempo se distanciava cada vez mais, subindo o rio.

A não-viva fecha os olhos, recostando-se no tronco da árvore e aceitando, momentaneamente, sua enfadada sina de pobreza e falta do que fazer. Entretanto, quando sua mente começou a divagar por luxos, riquezas e bailes, a vampira foi açoitada por uma lembrança que envolvia coroas e cheiro de romãs, uma lembrança de seu primeiro encontro com Sara de Alestia, quando ambas foram apresentadas à corte em um grande baile, e a princesa roubou toda a atenção da monarquia.

― Sim! – grita felicíssima, deixando os caninos salientes à mostra. – Sua majestade, Sara de Alestia, está naquele comboio com a minha criança! – Ri, analisando a sombra das árvores para saber em que momento viria o entardecer, de repente se dando conta que escuras nuvens de chuva vinham do leste, engolindo o céu de Alestia pouco a pouco, e também, qualquer influência do sol sobre a terra.

Merryn sorri maliciosa, aguardando pacientemente por quase uma hora até que as nuvens escurecessem o céu e a permitissem sair de seu esconderijo. A vampira salta das árvores com ansiedade, entrando em Alestia e também margeando o rio com o máximo de velocidade que suas condições imortais lhe permitiam ter, até que seus olhos finalmente encontrassem os cavalos da rainha, parados frente ao grande lago.

A não-viva salta no rio, ainda sorridente e já sentindo o gosto da vitória em sua boca, pois ainda naquele dia teria o objeto de seu capricho em suas mãos. Ela realmente estava disposta a esperar que o nascimento do herdeiro de Alestia acontecesse, entretanto, quando percebeu que Sara estava fora do castelo, tão apresentável quanto um leitão assado sobre uma bandeja para sua realização pessoal, não pensou duas vezes em alcançar seus objetivos com suas próprias mãos e provar que era capaz de fazer qualquer coisa, mesmo que isso fosse contra as vontades de Tibérius.

Mesmo nadando contra a corrente natural do rio, Merryn conseguiu chegar ao lago antes que os alestianos partissem. Ela nada com força, atravessando o restante do percurso completamente submersa, sentindo uma leve quantidade de vitae ser extinta de seu corpo devido ao grande esforço que fazia. E quando finalmente emergiu, já às margens do lago e próxima demais dos patéticos humanos, a vampira avançou contra as damas ali presentes, fatidicamente descobrindo que a rainha não estava entre elas e que havia cometido um erro estratégico.

As moças gritam ao vê-la saindo das águas como uma horrenda aparição, e diante de tanto escândalo Merryn atacou, rapidamente apanhando a dama de companhia mais próxima, enfiando o punhal em seu estômago e subindo a lâmina até que tocasse o esterno. Houve um grito e depois muito sangue, e depois mais nada, pois Maria, a mais jovem de todas as donzelas, foi jogada às margens do lago como um objeto estragado, sangrando mais do que o seu humilde corpo poderia suportar.

Cassis (Série Alestia I)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora