capítulo 10.2 - noite feliz [ESPECIAL DE NATAL]

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O olhar daquele homem dizia tudo sobre mim, mas não era o que eu gostaria de saber. É difícil, muitas vezes quase que impossível você não querer saber o que as pessoas pensam sobre você, ainda mais quando esse pensamento é sobre seu pai. Eu não sabia o que fazer ou o que dizer, eu apenas fiquei sentado na poltrona esperando ele dizer algo enquanto ele tomava seu café em uma xícara que custava mais que a roupa que eu estava vestindo. Minha mãe estava atrasada como sempre, enquanto Cordélia estava me perguntando tudo sobre a escola... eu estava na sétima série mas o drama que eu vivia era de ensino médio, apesar de tudo, respondi o necessário.

Lohanny desceu as escadas reclamando de como a mesa da biblioteca estava bagunçada, e indiretamente disse que eu não servia pra nada. Hettel, o motorista que estava parado de braços cruzados na porta de vidro que dava para a sacada disse que arrumaria e subiu às pressas, aquele não era o dever dele mas a sua curiosidade em saber o que eu estava escrevendo o fez querer arrumar minha bagunça.

Com muito esforço por conta da neve, nós chegamos ao aeroporto por volta das onze da manhã, minha mãe questionou o caminho inteiro o motivo de Hettel querer ter arrumado as minhas coisas e o por que de eu não ter deixado e corrido para a biblioteca, assim permaneci calado o tempo todo desde antes mesmo de sair do portão da Mansão, coloquei então meus fones de ouvido e dei play em um álbum natalino recém lançado da minha cantora favorita.

Chegando o aeroporto, no nosso lado estava os Watterson, e por um tempo fingi que não conhecia Margot, até ela vir até a mim. Com um prazeroso abraço de "Feliz Natal", e em seguida, começou a contar todo o trajeto que ela e sua família fariam até Nova Iorque, parte de mim pedia para que parasse de falar e a outra parte gostava de ouvir cada palavra que ela dizia, além de que existia uma outra parte mais escondida, que imaginava nós dois juntos num banheiro do aeroporto, um mapeando o outro como se nossos dedos fossem aviões e nossas peles fossem nuvens.

A conversa estava ótima, Margot só falava das delícias natalinas que sua tia fazia e das piadas ruins de seu primo quase idoso, e foi aí quando eu realmente pela primeira vez na semana soltei um sincero riso.

Antes de eu começar a contar como seria meu natal, rodeado de amigos de meus pais de Miami (já que eu não tinha mais família além deles), Alexandre chegou com um croissant e acabou com o meu presente do Papai Noel. Pelo visto, Alexandre também tinha encontrado Margot no aeroporto, e talvez ela tenha contado sobre as comidas da sua tia e as piadas do seu primo para ele... Mas hoje eu sei com quem ela se tranca no banheiro.

Naquele tempo eu não sabia, mas naquele mesmo aeroporto, estavam outras pessoas com problemas parecidos com os meus: Marjorie e Jade, duas melhores amigas que naquele momento estavam brigadas, Marjorie estava com sua família para ir para Ohio e Jade planejava passar o ano novo na América do Sul, mas o que nenhum de nós esperáva-mos, era que todos os voos seriam cancelados por conta da neve.

Meu pai, como sempre explosivo, começou a discutir com a moça da recepção, como se ela tivesse culpa de algo e minha mãe estava tentando telefonar para um de nossos aviadores, vendo a possibilidade de que nos levassem com nosso jato particular para Miami.

Enquanto os dois estavam se virando do avesso, eu fiquei sentado no assento olhando para Jade e sua família, na minha frente. Eles não tinham para onde ir, e Jade queria muito ver seus avós, mais tarde ela se trancaria no quarto e iria chorar até dormir. Pude perceber o seu ódio quando seu pai gritou com ela de uma forma que o meu nunca fez, e ela sentou sozinha com os braços cruzados, seu olho estava vermelho, sua testa franzida e algumas lágrimas imploravam para cair, até um homem mais velho chegar.

Marjorie nem aparentava estar incomodada pelo fato de não ter uma viagem especial, ela tinha passado o ano inteiro tweetando sobre como seria boa a sua viagem de final de ano e como ela estava planejando perder o seu bv com um amigo mais velho de um primo dela, obviamente ela não deixava claro com essas palavras, mas dava para perceber a excitação em querer fazer aquilo que metade da escola já tinha feito, mal sabia ela que o dia em que fizesse aquilo iria ser o pior dia da vida dela.

Quando olhei de novo para Jade, vi que nenhum de seus pais estavam mais por perto, e um homem que aparentava ter uns trinta anos estava sentado ao lado dela, conversando com ela como se ela tivesse a mesma idade dele, eu percebi em seus olhos que cada vez mais que ele falava, mais calma ela se sentia, e de repente ele a presenteou com algo que até hoje não sei o que era, assim que seus pais voltaram, percebi que aquele era um grande amigo deles e fiquei de certa forma, mais aliviado.

Eu estava tão concentrado em Jade e Marjorie que nem ao menos percebi que as famílias de Margot e Alexandre estavam planejando passar o natal juntos, só pude notar o quão indesejado eu era quando vi eles saindo do aeroporto de mãos dadas e cantarolando "Noite Feliz". Eu me abracei tão forte naquele instante e as lágrimas lutavam pra sair, mas eu não deixei, aquela foi a primeira vez em que eu realmente me senti sozinho, tive a imensa vontade de sentir aquela mesma felicidade que os dois estavam sentindo, deixei de lado todo meu conceito formado sobre Alexandre e desejei tão forte estar com eles lá fora que comecei imaginar um natal que nunca tive nem ter. Assim que voltei para a realidade, me senti mais calmo.

Lohany e Bennet não perceberam a minha tristeza, estavam se sentindo tão incapazes por não conseguirem viajar para Miami que nem se deram conta que havia um filho alí, assim foi todo o meu natal, sem papai noel, sem presentes, sem amigos. Passei aquela mesma noite deitado na minha cama, com a porta do meu quarto aberta esperando que um dos meus pais viessem me desejar algo bom, ou me dizer algo confortável, mas houve nem sequer um beijo de boa noite. 

SuicideWhere stories live. Discover now