EPÍLOGO

41 12 15
                                    

(TONI)

Aquela sensação estranha ainda persiste durante toda a manhã. Uma preocupação infundada, que amanheceu comigo, e que eu acreditava ser por causa do desentendimento ocorrido ontem com a Lisa.

E quando ela não apareceu na faculdade no horário certo hoje de manhã, milhares de pensamentos me passaram pela mente; de que algo de ruim pudesse ter acontecido com ela. Essa simples ideia me fez perder o pouco de controle que ainda me restava, deixando-me apavorado. Até ela aparecer completamente molhada devido a chuva, mas viva e inteira.
O que em partes foi um alívio.

Entretanto, quando eu a puxei para perto e vi seu rosto delicado marcado por manchas escuras sob os olhos, além de uma aparência cansada, soube imediatamente que a Lisa tinha chorado. Minha vontade naquele momento, foi de abraçá-la e confortá-la ao mesmo tempo em que eu queria socar quem fez isso com ela. Porém, eu estava incluso nessa lista; o que me deixou com mais raiva.

Mesmo estando tudo bem com ela, depois de obrigá-la a trocar a blusa molhada por um dos meus moletons secos; fazê-la tomar café da manhã e deixá-la em segurança dentro do bloco de salas de aulas, ainda assim, aquela sensação ainda me atormenta e me preocupa.

Olho pela janela, onde gotas escorrem pelo vidro, e para o céu carregado de nuvens que prometem chuva para os próximos dias e talvez, pelo final de semana inteiro.

Verifico às horas no canto da tela do computador e vejo que já está quase no horário do almoço. Finalizo o contrato, revisando uma última vez os detalhes da proposta de prestação de serviços, antes de enviar por e-mail ao gerente comercial.

Aproveito o tempo livre para fazer reservas para sábado à noite, no Le Galerie, onde pretendo oficializar o pedido de namoro que cometei mais cedo com a Lisa.

Admito, que por um instante, fiquei preocupado quando a Lisa não reagiu como eu esperava diante daquela oferta de um compromisso mais sério entre nós. Porém, depois que disse para ela pensar com carinho na proposta e ela responder: "Eu sempre penso em você com carinho", dando-me um pouco mais de esperança que ela vai aceitar meu pedido, por mais estranho que seja nos tempos de hoje pedir uma garota em namoro.

Por mais que ela me diga que não é convencional e nada tradicional, não me importo de fazer as coisas certas com ela. Sempre foi assim, desde o começo, e sempre será. Mesmo que isso signifique pedir conselhos ao meu velho.

Ainda tenho que aguentar as brincadeira bem-humoradas do doutor Otávio Schmidt às minhas custas.

Ela me ama!

Fico repetindo para mim mesmo, sorrindo feito um babaca - como Caio e Mateus costumam me chamar - sempre que me lembro das palavras pronunciadas pela Lisa. E cada vez que relembro as palavras dela, meu coração bate acelerado como na noite em que nos conhecemos. Ainda estou ansioso, esperando receber a tal carta que ela disse ter escrito para mim.

Pego meu celular na gaveta da mesa, juntamente com a chave do meu carro. Mesmo tendo, parcialmente, acertados as coisas em nós - depois de um desentendimento bobo - ainda não me dou por convencido e decido buscar a Lisa para almoçar comigo e garantir que tudo esteja bem e em perfeita harmonia antes do jantar de sábado.

Sem conseguir avisá-la, já o celular dela está desligado (como sempre) resolvo aparecer de surpresa na faculdade. Como já fiz antes e quem sabe, até receber um daqueles sorrisos que iluminam o rosto dela quando me vê.

Com as coisas em mãos, saio da agência Criativa, antes de descer pelo elevador até a garagem do prédio comercial no centro de Curitiba.

No caminho, preciso parar em um posto de gasolina a poucos quarteirões da faculdade para abastecer. Espero até o tanque do carro estar completo para entrar na loja de conveniência. A chuva parece aumentar drasticamente nos poucos minutos que aguardo na fila para efetuar o pagamento.

Sou incapaz de não me preocupar com a Lisa diante de tal situação. E pelo horário, ela deve estar saindo da universidade, se a chuva não atrasou sua saída.

Pago pelo combustível e por uma garrafa de água com gás. Ainda no caixa, pego uma barra de chocolates para ela, pois sei que é a Lisa adora essa guloseima.

Assumo uma banqueta, na área de alimentação no interior da loja, com o olhar fixo do lado de fora e em direção à avenida, onde a chuva castiga sem piedade quem se arrisca a passar; deixando pouco para ser visto em meio àquela aguaceira que despenca do céu.

Fico sem alternativas, preso dentro da loja, esperando a chuva passar.

Um barulho estrondoso - como se fosse um trovão causado pela tempestade - me faz saltar da banqueta e um calafrio percorre minha espinha.

A espera dura mais do que eu imaginava. Ainda sinto aquele incômodo, aquele calafrio na espinha, que só faz aumentar aquela sensação estranha; me fazendo prender o ar nos pulmões. E pelo jeito, sou o único aqui dentro da loja afetado pelo barulho. Decido sair e esperar dentro do carro, onde posso ouvir um pouco de música e distrair os pensamentos.

Assim que saio da loja, avisto um grupo reunido no limite da cobertura do posto, onde estão as bombas de combustível; todos os olhares voltados para a frente. Ouço os burburinhos ao passar por algumas pessoas, vindas do grupo de observadores, que comentam sobre o acidente que acabara de acontecer.

Outro calafrio percorre meu corpo me fazendo estremecer.

"Você viu o carro como ficou destruído?" Uma das pessoas comenta.

"Dificilmente o motorista vai escapar vivo." Outra acrescenta.

Veículos de resgate rasgam pela avenida à frente, com suas sirenes ligadas alertando alguma emergência.

Em circunstâncias semelhantes, eu normalmente, costumo me apresentar e oferecer ajuda. Algo que o meu pai, como médico, sempre me ensinou. Movido por esse pensamento, sigo até onde o grupo de pessoas está parado e assim que meus olhos focam no acidente, a poucos metros de distância, deixo a garrafa ainda com água escorregar da minha mão, derrubando-a no chão.

Começo a correr na direção do i30 vermelho - agora um monte de aço retorcido causado pelo impacto de um caminhão na lateral esquerda do veículo, deixando ambos destruídos - ao mesmo tempo em que peço a Deus que não seja o carro dela. Que não seja ela presa dentro daquelas ferragens.

Ao me aproximar ainda mais, a placa do carro só comprova o que eu tanto temia: é o carro da Lisa.

Um Grito de Liberdade (CONCLUÍDA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora