Prólogo

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Sou fã de Tolkien e seu trabalho desde 2002, quando assisti ao filme "O Senhor dos Anéis" pela primeira vez. O livro homônimo foi o primeiro que comprei na vida - embora eu já lesse muito, porém pegava sempre emprestado em bibliotecas - e confesso que marcou minha adolescência - eu tinha 16 anos em 2002. 

Estudei quenya na mesma época (um dos idiomas élficos que Tolkien criou), viajei de muitas formas no universo do "Legendarium" e fiz parte até de fóruns na internet sobre o assunto - novamente, era 2002, não tinha nem orkut ainda nessa época. Relevem, eu farei 34 anos em março de 2020 e portanto sou um pouco mais velha que a maioria dos usuários contumazes do Wattpad (rsssss). 

O tempo passou, conheci outros livros e universos certamente, mas Tolkien e seu "Legendarium" continuaram em meu coração. Tempos depois, lá pra 2013, Peter Jackson lançou os filmes de "O Hobbit", a obra de Tolkien que precedeu "O Senhor dos Anéis". Aquelas lembranças vieram à tona novamente, e até voltei a participar de certos foruns de discussão sobre o assunto. 

Só que em 2013 eu já tinha 27 anos, escrevia há anos e já tinha passado por coisas que a "eu" de 2002 ainda não havia. Curiosamente, nessa mesma época acabava o relacionamento mais tóxico que tive na vida. A internet também não era a mesma: em 2013 já havia smartphones, Facebook, redes sociais e diversas outras facilidades que no começo da década de 2000 não existiam. 

Então acabei sabendo que no exterior muita gente shippava Sauron e Melkor. Eu já era uma velha adepta do yaoi nessa época. Mas nunca sonhei shippar Sauron com alguém. Nos livros mal se fala da aparência dele, enquanto que nos filmes ele se resume a um sujeito coberto por armadura e um olho em cima de torre (rssssss eu ri ao escrever isso). 

Porém, de fato, ao ler o Akallabêth ou mesmo o Silmarillion (compilado de textos do Tolkien que o filho dele organizou e publicou, muito mais abrangente que "O Senhor dos Anéis", o qual narra apenas uma única guerra no final da Terceira Era) via-se que os Maiar eram seres belíssimos, cheios de esplendor, e podiam mudar de forma a seu bel prazer. Sauron manteve essa qualidade até o final da Segunda Era, quando Númenor caiu. 

E não foi só a beleza física. Foram também algumas características da história - Lúthien também é belíssima e nunca shippei ela com ninguém, embora a historia dela com Beren seja A história romântica do Legendarium, baseada na história do próprio Tolkien com a esposa dele. 

Lúthien e Beren eram um amor saudável. E eu havia acabado de sair de um relacionamento tóxico. Até hoje, com 33 para 34 anos, tenho dificuldades imensas em identificar o que seja amor de fato - infelizmente. 

Sauron (chamado em seu auge de Mairon, o Admirável) e Melkor era indubitavelmente um par tóxico. Hoje eu reconheço que foi isso que me atraiu ao ship em 2013. 

Vou contar resumidamente. Melkor era o Vala (espécie de divindade ou "arcanjo") mais belo e poderoso. Ele se rebela contra a ordem vigente (sim, ele é o arquétipo de Lúcifer no Legendarium) e arrasta a muitos outros para seu serviço com ele. 

Resumindo: o cara é bonito, é inteligente, mas só faz bosta. MUITA bosta! Quebra os luzeiros, rouba as Silmarili (joias muito preciosas), escraviza povos... perde grande parte do poder ao querer dominar Arda... enfim, só faz bosta e mesmo assim atraiu um sem número de seguidores. 

Sauron era um deles. Por amor à ordem e ao poder, "Mairon o admirável" se transforma em "Sauron o abominável". Embora ganhe muito poder sob a liderança de Melkor, ele decai muito e "segue a seu mestre para o abismo", como Tolkien mesmo diz. Mesmo após Melkor ter sido detido e jogado para fora das Portas da Noite no Vazio, Sauron continua a seguir o que ele quer, chegando até mesmo a instituir um culto a ele em Númenor. 

Então, após anos e depois de muito estudar sobre relacionamentos abusivos, cheguei à conclusão de que Sauron, embora pareça muito com um perfeito psicopata em algumas (várias) ocasiões, o comportamento dele lembra muito o de um co dependente extremo - aquele que faz tudo pelo objeto de sua dependência, até mesmo descer muito baixo. 

E isso não é saudável. 

Mesmo assim, fiz muitas fics de Mairon e Melkor até 2017 (!!!). Minha opiniao sobre elas é: na época eu estava tentando reproduzir em fics o que na verdade eu vivia na vida real, bem como tentando "resolver" esses conflitos. Era mais seguro resolvê-los na ficção que na vida real, uma vez que a maioria dos meus relacionamentos me machucava muito. 

A shippagem de Mairon e Melkor já era um começo - intermediário, porém um começo. Nas minhas fics, Mairon é apaixonado por Melkor e faz tudo para que ele o ame - tudo mesmo, até perder a dignidade, aprender a torturar e matar e etc. Por milênios - já que eles são imortais - Melkor o deixa como amante e jamais ousa dizer que o ama. 

E é aqui que entra a visão de uma autora co dependente (eu) a qual nem sabia o que era isso em 2013. 

Após todos aqueles milênios de devoção, Mairon finalmente é amado por Melkor e é pedido em casamento (só nas fics, na obra original eles nem casal são). Esse é o sonho de todo co dependente, principalmente dos extremos: "Se eu me adaptar ao que ele quer, se eu for o parceiro mais adaptável do mundo, se eu aguentar o que ninguém mais aguenta, serei enfim amado e querido". 

Sendo que isso nunca acontece na vida real. A pessoa até casa, até fica junto, mas numa relação horrível e desfuncional. 

Já em 2017, meses após eu ter escrito a última fic deles, assisti "Xica da Silva" e reconheci as personagens co dependente e psicopata na hora. Aí eu acertei: escrevi "A mulher do inquisidor" como fic sem shippagem, sobre um casal horrível e uma relação horrível, e bingo - no final dessa outra história a lealdade não é recompensada. Só tem mais ódio e mais desprezo. E é o que acontece na vida real nesse tipo de relação. 

Era o começo da minha cura afinal de contas. 

De lá pra cá emagreci, comecei a empreender, me afastei de pessoas tóxicas, me tornei independente - embora não tenha conseguido ainda viver uma história saudável de amor. 

No entanto, voltei a publicar essas histórias porque elas foram o começo da minha cura, e porque de fato uma relação assim, embora não seja para ser seguida pois é tóxica, não é tão pesada quanto "A mulher do inquisidor" (minha obra mais famosa no wattpad) , uma vez que por incrível que pareça, os dois Dark Lords de Arda não são psicopatas. O próprio Tolkien diz que eles sentem medo - e medo é algo que psicopatas nunca sentem. 

O único psicopata completo com o qual escrevi foi o inquisidor Expedito - esse sim, incapaz de sentir o que quer que fosse mesmo pelos próprios filhos. Um completo louco, a pústula a qual precisei abrir para deixar vazar toda a dor de tantos anos em forma de um único e abjeto persongem. 

Porém, de qualquer forma, publicarei as fics aqui. 

Pensei muito sobre com qual começar. Começarei com essa, que pega os Dark Lords na segunda e na terceira era, e como seria se Sauron conseguisse tirar a Melkor do vazio. Reparem que a obsessão de Sauron não é saudável, embora o relacionamento não vá tão longe quanto o de Violante e Expedito. 

Ah sim, Inanna e Dumuzi, do meu livro "O proscrito e a rainha", também tem MUITO de Sauron e Melkor. Qualquer um que tenha lido "O Silmarililon" percebe na hora. Embora Inanna e Dumuzi não sejam tóxicos, pois apesar das merdas que o Dumuzi faz, ele sempre foi um bom companheiro pra Inanna - e a história, por ser babilônica, diverge bastante do "Legendarium" de Tolkien. 

No mais, espero que gostem e qualquer coisa comentem! 

O filho da escuridãoWhere stories live. Discover now