Capítulo 20

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Quando o sr. Harvey chegou à cabana de telhado de zinco em Connecticut naquela noite, o céu prometia chuva. Ele tinha matado uma jovem garçonete dentro da cabana anos atrás e depois
comprado uma calça nova com as gorjetas encontradas no bolso da frente de seu avental. A essa altura o cheiro de podre já teria passado, e é verdade que, quando ele se aproximou do lugar, não foi recebido por nenhum cheiro de decomposição. Mas a cabana estava aberta e lá dentro ele podia ver que a terra tinha sido cavada. Respirou fundo e se aproximou da cabana com cuidado.
Adormeceu ao lado da cova vazia dela.
Em algum momento,para combater a lista dos mortos, eu tinha começado a fazer minha própria lista dos vivos. Era uma coisa que percebia que Len Fenerman também fazia. Quando estava de folga, ele observava as meninas e velhas e todas as outras mulheres no leque entre elas e as listava no rol das coisas que o mantinham vivo. Aquela menininha no shopping cujas pernas pálidas tinham ficado compridas demais para seu vestido já não tão novo e que tinha uma vulnerabilidade sofrida que tocava o coração de Len assim como o meu. Mulheres idosas, apoiando-se em andadores, que insistiam em pintar o cabelo com versões artificiais das cores que tinham na juventude. Mães solteiras de meia-idade correndo para lá e para cá em mercearias enquanto seus filhos puxavam sacos de balas das prateleiras. Quando eu as via, eu contava. Mulheres vivas, respirando. Algumas vezes eu via as feridas — as que tinham apanhado dos maridos ou sido estupradas por desconhecidos, as filhas estupradas pelos próprios pais — e desejava poder intervir de alguma maneira.
Len via essas mulheres feridas o tempo todo. Elas eram visitantes assíduas da delegacia, mas mesmo quando ele ia a algum lugar fora de sua jurisdição podia sentir quando elas se aproximavam. A mulher na loja de pesca não tinha hematomas no rosto, mas se encolhia como um cachorro e falava com sussurros temerosos. A menina que ele via andando pela estrada todas as vezes em que ia ao norte do estado visitar as irmãs. A medida que passavam os anos ela havia emagrecido, perdido a gordura das bochechas, e seus olhos tinham se enchido de tristeza de um modo que os tornava pesados e desesperançados dentro de sua pele arroxeada. Quando ela não estava lá ele ficava preocupado. Quando estava, ele ficava ao mesmo tempo deprimido e revigorado.
Não teve muita coisa para escrever no meu arquivo durante muito tempo, mas nos últimos meses alguns itens tinham se somado ao registro de provas: o nome de outra vítima em potencial, Sophie Cichetti, o nome de seu filho, um nome falso de George Harvey. Havia também o que ele segurava nas mãos: minha pedra angular da Pensilvânia. Ele a moveu dentro do saco de provas, usando os dedos, e novamente encontrou minhas iniciais. O amuleto tinha sido examinado à procura de pistas e, a não ser por sua presença no local do assassinato de outra menina, tinha se mostrado limpo sob o microscópio.
Ele quis devolver o amuleto ao meu pai desde o primeiro instante em que foi capaz de confirmar que era meu. Fazer isso era quebrar as regras, mas ele nunca tinha tido um corpo para eles, só um caderno escolar encharcado e as páginas do meu livro de biologia misturadas com o bilhete de amor de um menino. Uma garrafa de Coca. Meu gorro de sininhos. Tudo isso ele tinha catalogado e guardado. Mas o amuleto era diferente, e ele tinha a intenção de devolvê-lo.
Uma enfermeira com quem ele tinha saído nos anos seguintes à partida da minha mãe tinha telefonado para ele ao ler o nome de Jack Salmon em uma lista de pacientes atendidos. Len tinha decidido ir visitar meu pai no hospital e levar meu amuleto junto. Na cabeça de Len, ele via o amuleto como um talismã capaz de acelerar a recuperação do meu pai.
Eu não podia evitar pensar, olhando para ele, nos latões de fluidos tóxicos que tinham se acumulado atrás da oficina de motos de Hal onde a vegetação junto aos trilhos de trem tinha proporcionado às empresas locais um bom esconderijo para se livrar de um ou dois contêineres perdidos. Tudo tinha sido lacrado, mas coisas estavam começando a vazar. Nos anos desde a partida da minha mãe, eu tinha passado ao mesmo tempo a respeitar e a ter pena de Len. Ele seguia pistas físicas para tentar entender coisas impossíveis de compreender. Nisso, eu podia ver, parecia-se comigo.
Do lado de fora do hospital, uma menina vendia pequenos buquês de narcisos, seus caules verdes amarrados por fitas cor-de-lavanda. Fiquei olhando minha mãe comprar todo o estoque da menina.
A enfermeira Eliot, que se lembrava da minha mãe de oito anos antes, ofereceu-se para ajudá-la quando a viu descendo o corredor com os braços cheios de flores. Pegou mais jarras de água em um armário de mantimentos e juntas, ela e minha mãe, as encheram de água e espalharam as flores pelo quarto do meu pai enquanto ele dormia. A enfermeira Eliot pensou que, se a perda pudesse ser usada como medida de beleza em uma mulher, minha mãe tinha ficado ainda mais bonita.
Lindsey, Samuel e vovó Lynn tinham levado Buckley para casa no início da noite. Minha mãe ainda não estava preparada para ver a casa. Estava concentrada apenas no meu pai. Todo o resto teria de esperar, da casa com sua reprimenda silenciosa a seu filho e filha. Precisava de alguma coisa para comer e de tempo para pensar. Em vez de ir à lanchonete do hospital, onde m luzes brilhantes só a faziam pensar nos esforços fúteis que os hospitais faziam para manter as pessoas acordadas à espera de mais notícias ruins — café fraco, cadeiras duras, elevadores que paravam em todos os andares — ela saiu do prédio e desceu a calçada inclinada onde desembocava a porta de entrada.
Estava escuro lá fora agora, e o estacionamento onde ela um dia havia entrado no meio da noite de camisola tinha apenas alguns carros. Ela apertou com força em volta do corpo o cardigã que sua mãe tinha deixado para ela.
Atravessou o estacionamento, olhando para dentro dos carros escuros à procura de sinais sobre quem eram as pessoas dentro do hospital. Um dos carros tinha fitas-cassete espalhadas no banco do carona, outro a forma volumosa de um assento de bebê. Aquilo virou um jogo para ela, ver o que conseguia dentro de cada carro. Um jeito de não se sentir tão sozinha e estranha, como se fosse uma criança brincando de espião na casa dos pais de um amigo. Agente Abigail para Missão Controle. Estou vendo um brinquedo peludo em forma de cachorro, estou vendo uma bola de futebol, estou vendo uma mulher! Ali estava ela, uma desconhecida sentada no banco do motorista ao volante. A mulher não viu minha mãe olhando para ela, e assim que viu seu rosto minha mãe voltou a atenção para outra coisa, concentrando-se nas luzes brilhantes da antiga lanchonete que era seu objetivo. Não precisou olhar para trás para saber o que a mulher estava fazendo. Estava se preparando para entrar. Ela conhecia aquele rosto. Era o rosto de alguém que queria mais do que tudo estar em qualquer outro lugar menos ali.
Ela parou na faixa arborizada entre o hospital e a entrada da sala de emergência e sentiu vontade de fumar um cigarro. Não tinha questionado nada naquela manhã. Jack tinha tido um infarto; ela voltaria para casa. Mas agora, ali, não sabia mais o que tinha de fazer. Quanto tempo teria de esperar, o que teria de acontecer até ela poder ir embora de novo? Atrás dela, no estacionamento, escutou o som da porta de um carro abrindo e fechando — a mulher entrando.
Nem viu a lanchonete direito. Sentou-se em uma mesa e pediu o tipo de comida — filé de galinha frito — que parecia não existir na Califórnia.
Estava pensando nisso quando um homem bem na sua frente a olhou. Ela registrou cada detalhe de sua fisionomia. Era automático e era algo que ela não fazia na costa oeste. Quando ainda morava na Pensilvânia, depois do meu assassinato, sempre que via um estranho em quem não confiava fazia uma análise imediata em sua mente. Aquilo — honrar o pragmatismo do medo — era mais rápido do que fingir que não devia pensar assim. Seu jantar chegou, o filé de galinha frito e o chá, e ela se concentrou na comida, no gosto metálico de chá velho. Não achava que poderia suportar ficar em casa mais do que alguns dias. Para onde quer que olhasse ela me via, e na mesa à sua frente via o homem que poderia ter me matado.
Terminou a comida, pagou e saiu da lanchonete sem levantar os olhos acima do nível da cintura. Um sino preso à porta tilintou acima dela, e ela levou um susto, sentindo o coração subir até a boca.
Conseguiu atravessar a autoestrada sã e salva, mas estava ofegante quando tornou a atravessar o estacionamento. O carro da visitante apreensiva ainda estava ali.
Na recepção, onde as pessoas raramente ficavam sentadas, decidiu se sentar e esperar sua respiração se normalizar.
Passaria algumas horas com ele e, quando ele acordasse, se despediria. Assim que sua decisão foi tomada, uma calma bem-vinda percorreu seu corpo. O súbito alívio da responsabilidade. Sua passagem para uma terra distante.
Era tarde agora, passava das dez, e ela pegou um elevador vazio até o quinto andar, onde as luzes do corredor tinham sido diminuídas. Passou pelo balcão da enfermagem, atrás do qual duas enfermeiras fofocavam baixinho. Podia ouvir a cadência animada de boatos alegres sendo compartilhados, o som da intimidade descontraída no ar. Então, no instante em que uma das enfermeiras não conseguiu conter uma risada aguda, minha mãe abriu a porta do quarto do meu pai e deixou que ela se fechasse novamente.
Sozinha.
Era como se a porta se fechando criasse um vácuo de silêncio. Senti que ali não era o meu lugar, que eu também deveria ir embora. Mas estava petrificada.
Vê-lo dormindo no escuro, com uma única fraca luz fluorescente na cabeceira da cama, ela se lembrou de estar naquele mesmo hospital e de tomar providências para se afastar dele.
Quando a vi pegar a mão do meu pai, pensei na minha irmã e em mim sentadas debaixo do decalque de túmulo no corredor do andar de cima. Eu era o cavaleiro morto que tinha ido para o céu com meu cão fiel e ela era a esposa, um fio desencapado.
— Como posso ficar presa pelo resto da vida a um homem congelado no tempo? — A fala preferida de Lindsey.
Minha mãe ficou sentada segurando a mão do meu pai por muito tempo. Pensou em como seria maravilhoso entrar dentro dos lençóis frescos do hospital e se deitar ao lado dele. E como seria impossível.
Chegou mais perto. Mesmo sob os cheiros dos antissépticos e do álcool, conseguia sentir o cheiro de grama da pele dele. Ao ir embora, tinha levado a camisa do meu pai de que mais gostava e algumas vezes se enrolava nela só para vestir alguma coisa dele. Nunca a usava fora de casa, para manter seu cheiro pelo máximo de tempo possível. Lembrava-se de certa noite, quando mais tinha sentido saudade dele, tê-la vestido em um travesseiro e a abraçado e apertado como se ainda fosse uma colegial.
Ao longe, do outro lado da janela fechada, podia ouvir o zumbido do tráfego distante na autoestrada, mas o hospital estava fechando para a noite. Só as solas de borracha das enfermeiras noturnas faziam barulho quando elas passavam pelos corredores.
Naquele inverno mesmo ela tinha se pegado dizendo para uma moça que trabalhava com ela no bar de degustação aos sábados que entre um homem e uma mulher sempre havia um mais forte do que o outro.
— Isso não quer dizer que o mais fraco não ama o mais forte — argumentou ela. A moça olhou para ela sem entender. Mas para minha mãe o importante era que, enquanto falava, subitamente tinha se identificado como a pessoa mais fraca. Aquela revelação a tinha deixado tonta. O que tinha pensado durante todos aqueles anos a não ser o contrário?
Pedras, ossos;
neve, gelo;
sementes, feijões, girinos.
Caminhos, gravetos, beijos em quantidade, Todo mundo sabe de quem a Susie tem saudade...
Por volta das duas horas da manhã começou a chover, e choveu no hospital e na minha antiga casa e no meu céu. Na cabana de telhado de zinco onde o sr. Harvey dormia também estava chovendo. Enquanto a chuva batia como pequenos martelos acima da sua cabeça, ele sonhou. Não sonhou com a menina cujos restos tinham sido removidos e estavam agora sendo analisados, mas com Lindsey Salmon, com o 5! 5! 5! chegando na cerca-viva de sabugueiro. Tinha esse sonho sempre que se sentia ameaçado. Era na imagem daquela camisa de futebol que a vida dele tinha começado a ficar fora de controle.
Eram quase quatro horas quando vi os olhos do meu pai se abrirem e o vi sentir o calor do hálito da minha mãe na bochecha mesmo antes de saber que ela estava dormindo. Juntos desejamos que ele conseguisse abraçá-la, mas ele estava fraco demais. Havia outro jeito e foi o que ele fez. Ele contaria para ela as coisas que tinha sentido depois da minha morte — as coisas que lhe vinham à mente com tanta frequência, mas que ninguém sabia a não ser eu.
Mas não queria acordá-la. O hospital estava silencioso, exceto pelo som da chuva. A chuva o estava perseguindo, ele sentia, escuridão e umidade — pensou em Lindsey e Samuel no vão da porta, encharcados e sorrindo, depois de correr o caminho todo para tranquiliza-lo. Muitas vezes se via repetindo ordens dizendo a si mesmo para se centrar. Lindsey. Lindsey. Lindsey. Buckley. Buckley. Buckley.
A aparência da chuva do lado de fora da janela, iluminada pelas manchas circulares dos postes do estacionamento do hospital, lembrou-lhe os filmes a que tinha assistido quando menino — chuva de Hollywood. Ele fechou os olhos com o hálito da minha mãe soprando em sua bochecha, reconfortante, e escutou a chuva, o leve tamborilar nas finas esquadrias de metal das janelas, e depois ouviu o som de pássaros — passarinhos trinando, mas não conseguia vê-los. E essa ideia, de que poderia haver um ninho bem do lado de fora de sua janela onde filhotes de passarinho tinham acordado com a chuva e descoberto que sua mãe tinha sumido, o fez querer resgatá-los. Ele sentia os dedos frouxos da minha mãe, que tinham se soltado no sono. Ela estava ali, e daquela vez, apesar de tudo, ele a deixaria ser quem ela era.
Foi então que entrei dentro do quarto com minha mãe e meu pai. Eu estava presente de algum modo, como uma pessoa, de uma maneira que nunca tinha estado. Eu tinha sempre pairado, mas jamais ficado ao seu lado.
Me fiz pequena na escuridão, incapaz de saber se podia ser vista. Eu o tinha deixado por horas todos os dias durante 8 anos e meio como tinha deixado minha mãe ou Ruth e Ray, meu irmão e minha irmã, e certamente o sr. Harvey, mas ele, eu agora via, nunca tinha me deixado. Sua devoção a mim me tinha feito saber vezes sem conta que eu tinha sido amada. Na luz cálida do amor do meu pai eu tinha continuado a ser Susie Salmon — uma menina com a vida inteira pela frente.
— Pensei que se ficasse bem quieto poderia ouvir você — sussurrou ele. — Se ficasse imóvel o bastante você voltaria.
— Jack? — disse minha mãe, acordando. — Eu devo ter caído no sono. — E maravilhoso ter você de volta — disse ele.
E minha mãe olhou para ele. Todos os véus se romperam.
— Como você consegue? — perguntou ela.
— Não existe alternativa, Abbie — disse ele. — O que mais eu posso fazer?
— Ir embora, recomeçar — disse ela.
— Funcionou?
Eles se calaram. Estendi a mão e me dissipei.
— Por que você não vem deitar aqui? — disse meu pai. — Ainda temos
algum tempo antes das intransigentes chegarem e tirarem você. Ela não se mexeu.
— Elas foram legais comigo — disse ela. — A enfermeira Eliot me ajudou a pôr todas as flores na água enquanto você dormia.
Ele olhou em volta e distinguiu o contorno das flores. — Narcisos — disse ele.
— É a flor da Susie.
Meu pai deu um lindo sorriso.
— Está vendo — disse ele —, é assim. Você encara os fatos de frente dando uma flor para ela.
— É tão triste — disse minha mãe.
— E — disse ele —, é sim.
Minha mãe teve de se equilibrar um pouco precariamente em um dos
quadris perto da beirada de sua cama de hospital, mas eles conseguiram. Conseguiram se esticar juntos um do lado do outro para poderem se olhar nos olhos.
— Como foi ver o Buckley e a Lindsey?
— Incrivelmente difícil — disse ela.
Ficaram calados por um instante e ele apertou a mão dela.
— Você está tão diferente — disse ele.
— Mais velha, você quer dizer.
Eu o vi estender a mão e pegar um cacho de cabelos da minha mãe e
colocá-lo atrás de sua orelha.
— Eu me apaixonei por você de novo enquanto você estava fora — disse
ele.
Percebi o quanto eu queria estar onde minha mãe estava. O amor dele
pela minha mãe não era olhar para trás e amar alguma coisa que nunca mudaria. Era amar minha mãe por tudo — por sua dor e por sua fuga, por ela estar ali agora naquele momento antes de o sol nascer e de os empregados do hospital entrarem. Era tocar aqueles cabelos com a lateral dos dedos, e conhecer, mas mesmo assim se lançar sem medo nas profundezas de seus olhos de oceano.
Minha mãe não conseguiu dizer "Eu te amo".
— Você vai ficar? — perguntou ele.
— Por um tempo. Era alguma coisa.
— Que bom — disse ele. — Então, o que você dizia quando as pessoas
perguntavam sobre sua família na Califórnia?
— Em voz alta eu dizia que tinha dois filhos. Em silêncio, dizia três.
Sempre quis pedir desculpas a ela por isso.
— Falou que tinha um marido? — perguntou ele. E ela olhou para ele.
— Não.
— Caramba — disse ele.
— Eu não voltei para fingir, Jack — disse ela.
— Por que você voltou?
— Minha mãe me ligou. Disse que você tinha tido um infarto e eu pensei
no seu pai.
— Por que eu poderia morrer?
— É.
— Você estava dormindo — disse ele. — Não viu.
— Quem?
— Alguém entrou no quarto e depois foi embora. Acho que era a Susie. — Jack? — perguntou minha mãe, mas seu alerta estava apenas a meio-
mastro.
— Não me diga que você também não vê.
Ela se entregou.
— Eu a vejo em todos os lugares — disse ela, soltando ar, aliviada. — Até
na Califórnia ela estava em todos os lugares. Subindo nos ônibus, ou nas ruas perto dos colégios quando eu passava de carro. Eu via os cabelos dela, mas o rosto não batia, ou via o corpo dela e seu jeito de andar. Via irmãs mais velhas e seus irmãos caçulas, ou duas meninas que pareciam irmãs e imaginava o que Lindsey não teria na sua vida — toda a relação perdida para ela e para o Buckley, e aí isso me dava um soco, porque eu também tinha ido embora. A coisa fugia de controle e ia parar em você e até na minha mãe.
— Ela foi ótima — disse ele. — Uma rocha. Uma rocha esponjosa, mas uma rocha.
— E o que estou vendo.
— Então, se eu disser para você que a Susie estava no quarto dez minutos atrás, o que você diria?
— Diria que você está louco e que provavelmente tem razão.
Meu pai levantou a mão e acompanhou o contorno do nariz da minha mãe e levou o dedo até em cima dos lábios dela. Quando fez isso, os lábios se abriram bem de leve.
— Você vai ter de se inclinar — disse ele. — Sou um homem doente.
E eu vi meus pais se beijarem. Eles ficaram de olhos abertos enquanto o faziam, e foi minha mãe quem chorou primeiro, as lágrimas escorrendo para as bochechas do meu pai até ele também chorar.

Uma Vida Interrompida. Memórias de Um Anjo Assassinado Where stories live. Discover now