Laços rasgados e perdões negados

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Não tinha a chave do apartamento consigo, muito menos uma real intenção de adentrar aquele lugar. O que havia sentido com Namjoon minutos atrás já havia virado melancolia e mesmo que tivesse afirmado para o outro que já não seria mais o mesmo, ao olhar aquela porta, queria ser.

— Achei que não vinha mais. - O tom de irritação que odiava, não porque gostaria de manter a paz e a boa relação que tinham, ou fingia ter, mas porque lembrava de confrontos com o irmão. Odiava estar ali, porque estar perto da futura ex-esposa era ser inundado por sentimentos ruins. — Entra. Os papéis estão em cima da mesa. - Se sentou e viu os papéis que deveria assinar; não precisava brigar pelos bens, afinal sequer lembraria que chegou a tê-los ou que os dividiu com alguém.

Queria nunca ter aceitado os sentimentos de Hyejin, talvez assim poderia ter uma amiga e um pouco de paz. Com frequência se perguntava como não tinha ninguém em sua vida, não se sentia realmente amado, pois o amor que recebia vinha de sua mãe e como regra geral: mães amam seus filhos. Não lembrava de ter alguém para chamar de amigo e contar seus anseios ou apenas ter com quem desabafar sobre como a vida adulta era um inferno. Yoongi não foi essa pessoa, pois na época era pequeno demais para ter preocupações reais. Hyejin poderia ter sido essa pessoa, mas decidiu investir em um casamento com um homem que não gostava de si, não porque não era incrível, mas porque era uma mulher.

Jungkook se atormentava por diversas coisas: era consumido por culpas pelo que fez e deixou de fazer, consumido pelo estresse da vida cotidiana e matrimonial, consumido pelo rancor...O caçula da família Jeon acumulou diversos pesos ao longo dos anos, alguns em que tinha consciência e colocava numa prateleira a fim de organizar tudo que carregaria pelo resto de sua vida, outros ele nem sabia, seu inconsciente criava uma porta secreta por trás da prateleira e ali deixava tudo aquilo que não queria lidar ou que não conseguia.

— Precisamos conversar. - A voz saiu arrastada, como com preguiça, mas o que havia ali era carga emocional, uma muito pesada.

— Falar sobre o que? Assina isso e vai embora. Sua mãe não está doente? Não deveria ficar muito tempo longe. - Hyejin era linda, independente da expressão facial ou do tom de voz que assumisse, mas após viver cinco anos com a mulher, Jungkook conseguia identificar quando ela assumia sua pior versão. Via o sarcasmo beirando a indiferença; ela não odiava a senhora Jeon, mas estava odiando seu filho e qualquer coisa que lhe atingisse era válida. — Olha, Koo...Jungkook, eu... - Por costume, o apelido tentou sair, mas o engoliu antes que aquelas quatro paredes registrassem sua fala. Foi interrompida.

— Senta logo! - O volume mais alto que já escutara saindo daqueles lábios, estava surpresa, mas não tanto quanto passou a ficar quando viu da face do rapaz uma lágrima escorrendo. — Por favor. - Jungkook não sabia se o favor era pelo pedido anterior ou pela súplica de desculpas que viria a proferir no futuro para serem aceitas. Já as lágrimas tinha certeza de que eram os sentimentos se emancipando, antes mesmo de serem libertados pelas palavras e verdades que viria a proferir. — Só me escuta, pelo menos uma vez...Só me escuta.

— Tudo bem. Me desculpe. - Não sabia exatamente pelo que se desculpava, mas acreditava ser uma mistura pelo seu temperamento difícil, por nunca dar ouvidos às palavras do outro, por ter sido cruel em mencionar a doença da ainda sua sogra... Se sentou e, não sabia, mas por ali ficaria um longo tempo.

Jungkook nunca tivera um amigo próximo para contar seus pesares, mas ainda sim tinha um laço, mesmo que mal feito e desgastado, com Anh Hyejin e naquele momento esse laço era o motivo pelo qual contaria a verdade, seus pesares e motivos. Contou sobre como gostava da amizade da mulher e que foi pego de surpresa pelos sentimentos românticos dela, que se convenceu a se apaixonar, assim como se convenceu a se casar e tentar ter uma vida feliz. Falou sobre como depositou nela a esperança de que pudesse esquecer pendências do passado e se transformar em alguém que não queria ser, mas que precisava. "Nunca poderia retribuir o que sentiu por mim, porque eu não gosto de mulheres.", usar o termo "gay" não era permitido por si e por um breve momento viu dúvida nos olhos da mulher a sua frente. Disse que por anos fingiu que não a usou a fim de parecer e ser normal, que sabia que havia feito ela desperdiçar seu tempo em um casamento desgastante e já fadado ao pior resultado. Pediu diversas desculpas e disse que sentia que precisava lhe contar, porque a responsabilidade de toda aquela ruína era sua.

— Eu não posso te perdoar. - Não havia raiva, mas uma tristeza e desapontamento tão profundo que a voz soava baixa e mais rouca do que o comum. Havia sido usada e isso lhe feria mais do que qualquer coisa, sabia que o casamento estava uma merda e por vezes havia se perguntado se possuía culpa, mas escutar aquilo a fez perceber que vivia uma mentira. Havia se dedicado a uma mentira.

Ambos ficaram naquela mesa de jantar cerca de duas horas, em silêncio e num diálogo interno tão devastador para ambos que as lágrimas corriam sem fazer um único barulho. Jungkook decidiu que iria embora, estava ficando tarde e se sentia menos embriagado pelos sentimentos e pensamentos. Antes de passar pela porta se deu ao luxo miserável de ser sincero e avisar que nunca mais se veriam novamente:

— Não é minha mãe que está doente. Estou com Alzheimer. - Não era se vitimizar, não esperava um perdão repentino ou uma preocupação milagrosa para o laço já rasgado de ambos. Só queria uma vez na vida ser sincero com a mulher, com quem se casou e mentiu por tanto tempo, mas que parecia quase inexistente naquele apartamento minúsculo. Atestava naquele momento que deixaria de existir na realidade de Hyejin, como um prêmio de consolação.

Com as pernas em falso, os olhos inchados e a visão embaçada, caminhou até a porta. Viu um corpo alto e magro se distanciando pelo corredor. Pensou consigo mesma: "Eu não consigo te perdoar.". Fechou a porta, foi até o sofá da sala e ali chorou mais um pouco, maldizendo a doença do Jeon, porque ele não lembraria de tudo aquilo, mas ela não conseguiria se deixar esquecer.

Já passava das 23hrs. Se abrigando debaixo da marquise de um pub, enviou uma mensagem para a mãe avisando que ficaria na casa de um colega e voltaria para Busan na manhã seguinte. Não tinha contato com nenhum colega e não planejava voltar tão cedo para a casa, mas ainda sim mentir para mãe era melhor que deixá-la sem informações. Adentrou o lugar que cheirava a cerveja, fritura e incenso. No bar passou quase uma hora e três canecas de chopp foram viradas de uma vez ao passo que para fechar com chave de ouro, e também porque já se sentia zonzo, pediu um drink com gim.

Não queria pensar em nada, mas o álcool fazia seus neurônios se agitarem e processarem informações mais rápido do que o normal; estava um misto de agitação, tontura e melancolia. Bebeu para esquecer de tudo e se pegou rindo quando percebeu que mesmo sem o álcool teria este mesmo resultado, só que mais lentamente. Culpava a doença por contar a verdade, afinal manteria a mesma vida caso não fosse perder a consciência sobre tudo ao seu redor, mas Jungkook sabia ser sua culpa usar a ex-esposa para viver uma vida de mentira e desagradável, a qual por consequência afundou Hyejin junto consigo.

Saindo do pub, sentiu o ar gelar seu rosto e o folder de um hotel que havia pego do balcão do bar sair voando. O papel com a direção que precisava tomar para ter um lugar para passar a noite, voou até o meio fio. Se abaixou e pegou o papel já meio sujo. Quando ergueu o corpo, viu do outro lado da rua dois homens saindo de dentro de um outro pub de mãos dadas e então se beijarem rápido. Quando se separaram o Jeon pode reconhecer o rosto bem marcado pelo maxilar, os fios negros esvoaçados pelo vento que ainda soprava e o sorriso imenso. Havia bebido, mas tomado pela raiva e todos os sentimentos negativos que acumulava, suas pernas se firmaram e a passos rápidos chegou até o casal e desferiu o primeiro soco no rosto conhecido. Apenas pensou: "Hoseok, seu filho da puta.".

I WILL NOT FORGET - [jikook]Where stories live. Discover now