Ponte de cristal (degustação)

Capítulo um

Enquanto beliscava um muffin o mais lentamente possível, meus pensamentos davam voltas e mais voltas em torno do fato inesperado acontecido há dois meses. Eu estava sentada nessa mesma cadeira, discursando os motivos pelos quais eu e Stevie não podíamos ser namorados, quando meus olhos recaíram sobre aquele que me despertava lembranças amargas do passado. Não lembro muito bem do que aconteceu, mas Stevie disse que eu comecei a tremer e chorar.

− Pare de pensar nisso, Mia. Por favor − insistiu meu melhor amigo, arrancando-me dos meus pensamentos com um sorriso triste no rosto.

− Sinto muito − eu disse cabisbaixa. E de fato, eu sentia.

− Eu sei que sente. Mas já faz tanto tempo... Você precisa seguir em frente. Ter um relacionamento com alguém, mesmo que não seja comigo − ele bebericou o seu café e mirou em meus olhos – Eu sempre estive ao seu lado e nunca escondi os meus sentimentos. Mas se você resolver seguir em frente com outra pessoa... É óbvio que ficarei triste, mas ao menos terei a certeza de que você está bem. Está na hora de superar o passado, Mia − terminou com um suspiro.

− Na verdade, Stevie, já passou da hora − mexi o meu café, bebi um grande gole e o encarei. – Eu vou resolver isso. Ainda não sei como, mas preciso fazer algo para me livrar desse tormento − tentei sorrir, sem sucesso. Ele assentiu, querendo acreditar nas minhas palavras, mas sem muitas esperanças. Ele não sorriria se soubesse o que eu tinha em mente...

          Jude se deita de bruços e enterra o rosto no travesseiro. Por um minuto acredita estar sufocando. Vira-se e deita de lado. A posição de suas pernas não lhe agrada. Vira-se novamente e encara o teto branco. Estala os dedos, está inquieta.

          Ela sabe que precisa ser forte e encarar o abismo, mas ela já não o encontra. O abismo é uma armadilha e já não há como fugir. Ele está dentro dela, a espreita, esperando que ela desista para finalmente vê-la cair.

        As emoções de Jude são sufocantes, vão estrangulando-a pouco a pouco e ela não sabe ao certo o que sente. Quer chorar, mas desconhece o motivo. O choro está entalado em sua garganta... Asfixiando-a, confundindo-a, torturando-a, desesperando-a.

        Tudo o que Jude quer é encontrar um motivo. Um único motivo que faça a vida valer a pena.

          Três e vinte e sete da manhã indicava o relógio do meu notebook. Tomei mais um longo gole de café.  Olhei para o grande espelho fixado em uma das paredes da sala e me assustei com o meu reflexo. Trabalhar de madrugada sempre me deixa com essas bolsas roxas abaixo dos olhos... Eu não estava nada atraente.

          Pensei em Stevie, na conversa que tínhamos tido na cafeteria naquela tarde. Encarei o envelope pardo em cima da mesa esperando para ser aberto. O conteúdo daquela carta poderia mudar a minha vida. E sinceramente, eu não tinha certeza se estava preparada para tamanha mudança.

− Está na hora de superar o passado, Mia − ouvi as palavras do meu melhor amigo ecoarem em minha mente. Respirei fundo, prendi o fôlego por alguns segundos e então abri o envelope.

          "Informações confidenciais para Mia Prescott", dizia a primeira página do documento. Nas folhas que se seguiam havia todo o tipo de informação. Nome, telefone, idade, endereço, ocupação, estilo de vida, hábitos e fotos... Muitas fotos. Quando o vi passar em frente à cafeteria dois meses atrás, tomara um susto tão grande que começara a chorar e tremer, segundo Stevie. Agora, apesar de não ter sido pega de surpresa, ainda sinto minhas mãos e pernas tremerem, assim como algumas lágrimas deslizando por meu rosto.

          Não tenho certeza de quando aconteceu, mas em algum momento durante a madrugada, adormeci em cima das novas informações conquistadas. Acordei confusa e quase gritei ao me deparar com uma foto dele me encarando. Parece estranho, mas havia algo de diferente em seus olhos. Algo que sufocava a minha raiva e quase me fazia suspirar. Quase. Eu não esqueceria o passado, ele me atormentava há tantos anos e agora, quando eu finalmente podia fazer alguma coisa, eu não o ignoraria.