Quando eu aprendi a abrir mão

10.3K 669 303
                                    


Carla acordou cedo no seu primeiro dia de férias. Escovou os dentes, prendeu o cabelo num coque e preparou seu café. A mãe já havia saído para trabalhar. Enquanto comia uma panqueca, checou suas mensagens. Nenhuma de Luana ou de Adele. Ela suspirou e matou o tempo nas redes sociais. Após terminar de comer e lavar a louça, Carla foi para o quarto e trocou de roupa. Seria um longo dia na casa de seu pai.

Como se o universo quisesse lhe dar uma folga, o ônibus de Carla estava relativamente vazio. Ela escutou música e pensou em montar planos para as férias. Talvez ela finalmente fosse checar a nova livraria no centro da cidade com a namorada. Era espaçosa, cheia de plantas, com uma decoração aconchegante. Luana certamente devoraria os livros cultos que Carla nem conhecia por nome, pois ela e Adele sempre foram mais adeptas da literatura infanto-juvenil. Ela se perguntou se a ex-amiga já tinha visitado o local.

Antes que o ócio levasse os pensamentos de Carla em uma direção perigosa, ela chegou no ponto e caminhou até a casa do pai. Ele jogou a chave para que ela abrisse o portão. O cachorro latiu. Demorou para reconhecê-la.

O pai de Carla morava num prédio com dois andares e dois blocos de apartamento. Ele ficava no andar de cima enquanto a irmã morava no andar de baixo e o auxiliava quando podia. Carla não conhecia os outros vizinhos. Seu pai havia se mudado para lá depois da separação, e ela só ficava com ele por alguns dias ao mês.

— Odeio ter que subir e descer essas escadas todo dia. A sua tia não tem dó de mim, senão deixava eu ficar lá embaixo — ele reclamou enquanto ela entrava — Teu cabelo tá grande que só. Acho mais bonito que aquele corte de machinho que tu fez.

Carla suspirou fundo e abriu um sorriso.

— O senhor quer que eu ajude no quê hoje?

— Minha irmã fez umas compras pra mim ontem, então não precisa passar no mercado, mas eu agradeceria se tu lavasse o banheiro e ligasse pra farmácia porque um dos meus remédios tá acabando — Ele se sentou com dificuldade — Mas não se apresse, fale um pouco com seu velho. Parece que não lembra que eu existo quando não tá aqui.

— Eu soube que o senhor andou aprontando — ela respondeu enquanto se sentava ao lado dele — O médico falou pra não beber.

O pai grunhiu.

— A gente vai tudo morrer, mas médico quer que a gente morra infeliz.

— E o senhor não quer viver pra ver minha formatura, não?

Ela o amoleceu, ao menos um pouquinho, e o pai abriu um sorrisinho.

— Por você eu tento, mas nada de me dedurar pra tua mãe.

Carla abraçou o pai. Ele era uns dez anos mais velho que a mãe dela e sofria há uns bons anos com vários problemas de saúde. Ela sempre amou o pai, porém a bebida que ele tanto apreciava só piorava a vida de todos eles. Após o divórcio, e agora que o pai não podia mais andar tanto para beber, a convivência ficou melhor.

— E como vai aquela tua namorada Joana?

— Luana, pai.

— Isso mesmo que eu falei.

Ela abaixou a cabeça.

— Não tamo muito bem, mas tamo juntas.

— Ué, e o que tu fez?

— É só que... É complicado. Por causa de mainha.

— E quem tá namorando a menina é tu ou a tua mãe?

Carla riu balançando a cabeça.

— Pai, não é isso. É que mainha dificulta a gente se ver e eu não posso levar ela em casa. Ninguém gosta de ser escondido, sabe? Desgasta muito. Eu sei que Luana gosta de mim, mas às vezes gostar não é o suficiente.

Quando Eu Ainda Amava VocêWhere stories live. Discover now