Quando você a beijou na minha frente

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Num piscar de olhos, o final do semestre chegou. Carla e Adele combinaram os detalhes da apresentação delas por mensagens no dia anterior. Fora isso, não houve muito contato entre as duas. A estranheza doía, não agudamente, e sim como uma dor latejante no local onde se levou uma bolada meia hora atrás, já tolerável. Até mesmo esquecível. Se Carla se incomodou ao ver Adele sendo deixada na faculdade por Sayuri com direito a um beijo de despedida, não demonstrou.

— Sua namorada? — Ela perguntou com uma expressão neutra enquanto as duas caminhavam juntas até a sala.

— Ah... Não — Adele corou enquanto colocava o cabelo atrás das orelhas e desviava o rosto.

— Ela é bonita — Carla deu de ombros enquanto elas viravam o corredor, se lamentando por não ter soado tão indiferente quanto queria — Qual o nome?

— Sayuri. Nós trabalhamos juntas — Adele cruzou os braços.

— Foi assim que se conheceram?

— Não. A gente se conheceu num café. É uma longa história — Não era uma longa história. É apenas o código universal para "Vamos encerrar esse assunto." Carla balançou a cabeça em concordância enquanto elas entravam na sala.

— Trouxe o pen drive pra apresentação?

Adele se sentou e tirou do bolso o pequeno dispositivo azul, balançando-o em resposta. Elas não tinham mais o que falar. Havia um barulho de cadeiras se arrastando e pessoas conversando, e ainda assim o silêncio entre elas incomodava.

— Vai viajar nas férias? — Carla soltou, depois de muito vasculhar a própria mente.

— Não planejei nada, e você? — Adele respondeu de imediato, como se já tivesse palavras no gatilho.

— Tô sem grana. Sem emprego.

— Eu posso checar na minha firma se tem vaga — disse Adele, fazendo com que Carla abrisse um sorriso.

— Não precisa. Já mandei currículo pra uns cantos. Vou ver no que dá.

Trabalhar no mesmo lugar que Adele e Sayuri parecia uma má ideia. Não, parecia tortura. Havia limites para o quanto Carla pretendia se sabotar emocionalmente. Luana também não aprovaria aquilo. Quando foi que a vida ficou tão complicada?

— Você quer... — Adele começou a sentença, fazendo com que Carla prestasse atenção, mas as palavras morreram em sua boca — Quer um chiclete?

"Você quer fazer algo nas férias?" parecia arriscado demais. Ela morreria tanto com o "sim" quanto com o "não". Sem dizer uma palavra, Carla pegou o chiclete ofertado e elas desistiram daquela conversa.

A cada apresentação, o coração delas afundava, porém uma mais ciente disso do que a outra. Carla pressionou suas mãos juntas com força considerável enquanto segurava um suspiro pesaroso. Talvez se não tivesse sido tão teimosa, não estaria tão triste. Elas estavam naquela situação devido ao seu orgulho e ela sabia disso. Amaldiçoada fosse sua mente conturbada que vivia arruinando todas as suas relações. Um dia, Carla ainda terminaria sozinha.

Luana insistia que ela precisava de terapia. Carla aceitava como verdade, mas algo sempre a fazia adiar. Cuidar da sua saúde mental não podia ser uma prioridade quando ela precisava focar na faculdade, em ajudar a sustentar a mãe, cuidar do pai doente e divorciado que morava do outro lado da cidade, e em tantas outras ocupações que sempre pareciam se multiplicar. No fundo, Carla não podia priorizar sua saúde mental porque se odiava e, paradoxalmente, era mais um motivo para fazer isso.

— É a nossa vez — Adele a cutucou no ombro com um sorriso encorajador. Carla não sabia como ela pôde um dia ter se convencido de que odiava aquela garota.

Quando Eu Ainda Amava VocêOnde as histórias ganham vida. Descobre agora