ᴛʜᴇ ᴏᴛʜᴇʀ ғᴀᴍɪʟʏ

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- A Outra Família.

Não fiquei muito tempo no hospital, em algumas semanas eu já estava em casa. Meu corpo todo ainda doía, hematomas e cortes ainda se espalhavam por todo o meu corpo, e eu não conseguia andar sem apoio. 

Eu odeio admitir isso, mas infelizmente, esse acidente juntou minha família perto de mim

Jenny tentava como um cão carente e de guarda ficar toda hora atrás de mim, e como ela trabalhava em casa, ela conseguiu. Towns não é mais fria comigo, é doce e gentil, Noah sempre foi apegado a mim, e tudo isso deixou ele muito abalado, mas ele vai ficar bem. Lewis chegou em Londres com o primeiro avião que conseguiu pegar, mas não pode ficar muito tempo devido ao trabalho em Nova York.

Eu via Zayn, Niall, Louis e Liam com mais frequência, eles vinham toda sexta-feira no apartamento beber e jogar algum jogo entediante, e Liam que trabalha na mesma editora que eu, fofoca tudo o que acontece lá

Não tive muita paz desde que ganhei alta e contei aos policiais como bati o carro. Um grupo de pesquisadores ficou no meu pé querendo saber tudo o que eu lembrava sobre quando eu fiquei inconsciente. 

– Não sei, era como se eu tivesse pegado num sono muito rápido e dolorido – respondi evitando os cinco pares de olhos famintos sentados em minha frente, Jenny ao meu lado.

– Senhor Styles – iniciou uma loira de rabo de cavalo e óculos que comandava o grupo –, o senhor tem que entender que experiências de quase morte, visões ou lembranças, qualquer coisa que antecede um acidente como o do senhor é muito importante para chegarmos cada vez mais perto de saber o que acontece após a morte. 

Se querem tanto saber o que acontece após a morte, porque não se matam? Essa é a graça, não? O mistério, o medo do que virá depois. Céu, inferno, sono profundo, reencarnação... Tudo é pessoal, de cada um. 

– Doutora Hamilton, eu entendo, mas eu realmente não me lembro do que aconteceu, eu realmente queria ajudar. – menti.

– Senhor Styles...

– Forçar não vai ajudar em nada, doutora. – interrompeu Jenny, ela estava tão irritada com as ligações diárias sobre o que eu lembrava – Acho que meu marido tem o seu tempo, se ele se lembrar de algo, vocês serão os primeiros a saber.

×××

– Nos perdoe a insistência, senhora Styles. – se desculpou a doutora à porta quando terminaram o que vieram fazer – Estamos apenas evitando que relatos assim seja direcionado à pessoas especializadas, ao invés de fóruns e sites amadores na internet.

Eu não menti porquê queria uma matéria pra ao jornal idiota em que eu trabalhava, e nem para empatar uma pesquisa grande como essa. Menti porque o que eu contar irá magoar, não os pesquisadores, mas minha família, Jenny, meus filhos, amigos.

A verdade é que eu me lembro exatamente o que aconteceu, não como uma lembrança de um natal passado, ou um sonho da noite anterior. 

Eu lembrava de tudo.

Quando eu bati o carro, a dor veio seguida de um relaxamento muito forte, como uma queimadura posta na água corrente. Abri meus olhos e a claridade me banhou, e o acidente foi como um sonho, perdido na minha memória. 

Ao meu lado tinha uma mulher à qual eu sou extremamente apaixonado, os cabelos mel, os olhos castanhos, eu ainda sinto o seu toque. Ela não era Jenny. 

Eu me lembro de conhecer ela, foi na faculdade de jornalismo, uma amiga em comum nos apresentou, eu não sentia muita coisa por ela, mas se intensificou.

Eu me lembro do nosso primeiro beijo, a primeira vez que toquei as áreas mais sensíveis dela, do cheiro de seu perfume que ficou na minha cama. Lembro do pedido de namoro, de casamento, da notícia da gravides, e então a outra. 

Eu me lembro dos aniversários, dos natais, dos dias chuvosos e calorosos. 

Eu lembro com tristeza das brigas, das vezes que ela me deixou magoado, das que me deixou enfurecido, com ciúmes.

Eu me lembro do chá de revelação, da menina e do menino, dos presentes que demos à eles, dos castigos, das risadas que demos juntos, da vez que quis chorar ao ver o braço da mais velha virado em um ângulo estranho. 

Eu me lembro de tudo isso. 

E com muita dor, eu lembro de como tudo se arruinou.

Foi a luz da sala de estar, ela estava estranha, mais clara, não tinha três dimensões, não tinha profundidade. Eu era o único que via isso, então eu a observava todos os dias em curtos períodos, às vezes no meio da noite. Então passei mais tempo, uma, duas horas. E então passei cinco, doze. 

Ela falava para eu parar com isso e que eu deveria ir ao médico, não ouvi. 

Me ajeitei na poltrona e ali fiquei o dia inteiro, olhando a lâmpada, saia apenas para ir ao banheiro nos primeiros dias, depois parei.

Ela estava tão assustada, eu não via o rosto dos meus filhos a alguns dias.

A luz se fortificava a cada dia, Ela gritava comigo para parar, para olhar para ela, eu não fazia mais isso.

Então a luz ficou – se é que era possível, ainda mais forte, ela começou a gritar porque ela sabia que era o fim.

E então uma dor mortal tomou conta do meu corpo, o sangue ferveu, o barulho aumentou, e então eu estava no hospital com pessoas que eu não me importo mais.

Entende porquê dói falar sobre isso? Eu não me importo mais com minha esposa, com meus filhos, com amigos. Eu não me importo. São como estranhos para mim, não vou me desesperar se um deles for atropelado, se um deles tentar se matar. 

Eu peguei meus três filhos no colo ao nascer, eu vi eles ralarem o primeiro joelho, eu vi o mais velho se apaixonar, eu chorei quando ele foi embora. E agora eu não me importo. 

Mas sabe o que dói mais? Pensar Nela, com N maiúsculo porque eu não lembro o seu nome.

Jenny suspirou ao fechar a porta. 

– Será que eu falo que estava nu, que tinha nuvens e uma luz na minha cara, me dando boas-vindas? – brinquei quando ela voltou se acomodando nos meus braços.

Ela soltou uma risada gostosa de se ouvir. 

– Faria sentido já que você estava gritando sobre as luzes. – disse sem se importar. 

O sorriso murchou no meu rosto.

– Realmente não se lembra? – perguntou se levantando e me olhando nos olhos – Não foi um carro que quase bateu em você? Os faróis... 

Balancei a cabeça em negação. 

– Eu não lembro. 

– Então não vamos forçar, pode dar dor de cabeça. – deixou um beijo em meus lábios e voltou a se deitar no meu colo.

Antes, Jenny e eu tínhamos perdido a intimidade, sem beijo ao acordar, sem abraço no banheiro, sem piadinhas, sem carícias no fim do dia. E o que tínhamos era automático, o bom dia no café da manhã, a despedida para o trabalho, o boa tarde, a troca de curtas falas no jantar, o sexo.

Agora, parece que ela me conhece de novo. Parece ter vontade de mim novamente, parece ter voltado à me amar, mas eu não.

Antes dormimos separados na cama, agora ela se gruda em mim à noite inteira, e bem ou mal, minhas dores se vão. 

Eu não suporto sentir isso, não suporto eu ter quase morrido para ela se importar, não suporto eu não sentir o mesmo.

ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora